Janela Para a Vida

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Capítulo XVII

Vida livre


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Ele casava a filha numa festa

E o sitiante, em meio aos convidados,

Explica sobre o filho que lhe resta:

— Meu rapaz, um gigante de destreza,

É criado, conforme a natureza.

Vai por todos os lados,

Estuda como quer e quando quer.

Homem é diferente de mulher,

Não se deve mostrar com ares de menina,

Nada de contenção ou disciplina.

Endimião, meu filho, é um atleta perfeito.

Não só isso. É uma grande inteligência,

Sem qualquer pensamento acovardado e estreito.

É livre para toda experiência

Em que deseje realizar-se,

Sem máscara, sem freio, sem disfarce…


Aparecendo a pausa, um amigo aparteia:

— Mas, coronel, e a lei da educação?

— A educação — replica o interpelado —

Nunca foi o tabu que se receia,

É caminho do impulso liberado

Para elevar a civilização.


Era assim o sitiante: um homem singular.

A palestra, porém, fora rompida.

A filha e o genro estavam a chegar,

Morariam não longe do lugar

E apresentavam-se contentes

Para o abraço de terna despedida.


Endimião, em plena juventude,

Era dono da força e da saúde.


Dois anos findos sobre o relatado

No longo entardecer de um dia quente,

Eis o rapaz surgindo, de repente,

No sítio do cunhado.

A irmã tanto se alegra quão se espanta,

Estava a sós com velha governanta;

O marido ausentara-se em serviço…

Um dia apenas, breve compromisso.

O rapaz se declara de passagem,

Diz-se ansioso por seguir viagem…

Mas a irmã, em diálogo escondido,

Roga-lhe: — Fica, irmão, estou desorientada,

Tenho medo da noite… Meu marido

Deixou comigo, em caixa resguardada,

Duzentos e cinquenta mil cruzeiros…

A nossa governanta é pessoa cansada,

Nossos poucos peões e alguns vaqueiros

Não residem tão perto…

Este sítio é um lugar quase deserto.

Somente em nossos cães consigo companheiros…

A noite se avizinha,

Temo ficar sozinha,

Tenho medo, confesso…


O irmão sorriu e esclareceu: — Não posso.

Agora me despeço,

Tenho grande jornada

Para vencer até o fim do dia…

E acrescentou, num gesto de alegria:

— Irmã, não tenhas medo.

Ninguém sabe o que guardas em segredo.

Deixando a moça amedrontada,

Saiu no próprio carro em disparada.


Mas, depois de uma hora,

Eis que ali chega, inopinadamente,

O conhecido pai da estimada senhora.

Soubera o genro ausente, por um dia,

E viera fazer-lhe companhia.


Júlio, reencontro e lembranças do lar,

O diálogo segue ativo e manso

Até que se despedem, a buscar,

No silêncio noturno, a bênção do descanso.


Alta noite, em seu quarto, a senhora desperta,

Tem pela frente um homem mascarado,

Que lhe aponta um revólver, lado a lado,

E lhe diz numa voz estranha e sibilante:

– É um assalto,

Quero todo o dinheiro,

Toda a quantia por inteiro…

Ouvi o seu marido a conversar na praça

E exijo a soma toda…


Atônita, a senhora, a tremer e a tremer,

Ergue-se à luz do luar que vem pela vidraça

E põe-se a obedecer…

Segue na direção da caixa que lacrara,

No entanto, o genitor já despertara…

Pé ante pé, caminha armado,

Faz luz que jorra, em cheio, no salão,

E atira sobre o homem mascarado

Que se estira no chão.

Acorrem servidores prestimosos

E o defensor da filha solicita,

Ante a senhora, agoniada e aflita:

— Que alguém me desmascare este sujeito,

Não se importem com o sangue a borbulhar no peito,

Quero ver esta cara de ladrão…


Sob as mãos calejadas na lavoura,

Primeiro, surge a cabeleira loura,

Depois, em dolorosa exclamação,

Todos gritam um nome: “Endimião!…”


O pai que dera o filho à liberdade

Sem ressalva, sem base, sem suporte,

Cai sobre o filho, agora entregue à morte,

Sobre quem arrojara o rápido gatilho

E clama a estremecer em convulsivo pranto:

— Oh! Deus, por que matei o filho que amo tanto?!…

Socorre-me, Senhor!…

Ah!… meu filho, meu filho!…




Maria Dolores
Francisco Cândido Xavier

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