Lázaro Redivivo

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Capítulo XLIV

Resposta leal


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Você, meu amigo, num gesto de confiança excessiva, me pede orientação e comenta o labirinto a que chegou depois de muitas aspirações e fracassos no caminho da vida. Com gentileza, você acrescenta: — “Se o irmão não puder faze-lo, outro amigo poderá tomar-lhe o lugar. Preciso receber um conselho do Plano invisível.” ()

Entretanto, o mesmo receio que me assalta invade o coração de outros companheiros daqui, que, como eu, não se sentem à altura de fornecer diretrizes em caráter absoluto. Em verdade, habitamos o plano invisível aos olhos de vocês, que ainda permanecem na carne, mas não nos encontramos na esfera da sabedoria que tudo vê.

Dizia Oscar Wilde que, ministrando bons conselhos, geralmente damos a outrem aquilo de que a nossa vida mais necessita. É um vício velho da Humanidade. Muitas vezes, na Terra, ouvi também dizer que os bons cobradores, habitualmente, são maus pagadores. A máxima faz-nos lembrar as pessoas férteis de advertências corretas ao próximo e necessitadas de orientação para si mesmas.

À medida que crescemos em conhecimento superior, ilumina-se-nos o entendimento para as situações mais difíceis. É aí que descobrimos a realidade das posições evolutivas e começamos a enxergar as criaturas nos diferentes degraus de compreensão que conseguiram alcançar.

Como poderia, pois, traçar-lhe caminhos particularizados à ação?

Diz você, esposo preocupado de uma jovem doente, com quem se casou em segundas núpcias, e pai de quatro filhos rebeldes que ficaram sem mãe, que pretende vender a sua casa na cidade e transferir-se para o campo, atendendo às necessidades de saúde da companheira. E conta-me suas dificuldades com a ingênua confiança do irmão menor, que relaciona obstáculos e inibições diante do irmão mais velho, angustiado por não dispor de recurso para a solução necessária. Afirma você que se encontra desempregado, há dois anos, em virtude da perseguição de criaturas ingratas, que lhe movem um processo humilhante por faltas que não cometeu. Além disso, acha-se esgotado por vicissitudes diversas, cercado de credores exigentes, que lhe pedem o resgate imediato de contas vultosas, situação essa agravada por uma úlcera duodenal confirmada por várias radiografias. No campo moral, segundo a relação de seus angustiosos pesares, sua luta não é menor, nem mais triste. Viúvo ainda jovem, com quatro crianças, das quais a maior conta, no momento, apenas doze anos de idade, viu-se forçado ao segundo matrimônio, porque seus parentes fugiram dos órfãos de mãe. Considerando inoportuno o recurso às casas caridosas, em vista de suas noções dignas de pai responsável, você desposou uma jovem que o auxiliou, durante três anos consecutivos, numa sala de costura do próprio lar, dividindo-se, de muitos modos, para atender aos seus interesses de homem de bem e às exigências dos seus filhinhos, conservando apenas o título de madrasta. Na faina de cumprir obrigações pela tranquilidade da casa, a pobrezinha adoeceu gravemente, ameaçada pela tuberculose que lhe ronda o organismo. Aconselhou-lhe o médico o ar do campo, mas os seus graciosos rebentos, convertidos em pequeninas feras ingratas, opõem-se à medida, atormentando-lhe o coração de pai afetuoso e sensível.

E você pergunta — “que farei?”

Comove-me o seu sofrimento, mas não me espanta o quadro de provações redentoras em que foi envolvido. Há criaturas lutando com maiores obstáculos e vítimas de maiores tormentos. E se respondo à sua carta, minudenciando o assunto, é que uma só particularidade de suas palavras me provocou enorme estupefação: o seu propósito de suicídio. Isso é, efetivamente, doloroso e terrível. De todas as lutas abençoadas do momento, esse, meu amigo, é o único ponto negro de sua história. Desde os grandes profetas que precederam o Cristo, sabemos que o tempo se modifica, da manhã até ao crepúsculo, da noite até à alvorada. Cada dia tem seus berços e túmulos novos. Toda a paisagem de suas preocupações pode mudar-se num instante. Esse pensamento deve consolar o seu mundo íntimo, porque Deus não é Deus de imobilidade e indiferença: a vida move-se ao influxo de seu divino amor.

Você, porém, pede-me orientação particularizada, definida.

Que conclusões esperará, porventura, de nós?

Não estamos, aqui, à frente de oráculos infalíveis. Permanecemos esforçando-nos igualmente por eliminar as consequências deploráveis que os nossos atos geraram no passado e trabalhando pela aquisição de valores substanciais para a vida infinita. E, como não disponho de outros conselheiros, a não ser a lógica e o bom-senso, creio que para o seu caso com a Justiça não deve esquecer a colaboração de um advogado eficiente, sem dispensar o concurso dum bom médico para o seu caso clínico. E procure ajudar a sua companheira devotada, removendo-a para o campo, depois de ouvir um técnico agrícola sobre a compra de sua propriedade rural. Para aliviar os seus desgostos de pai, adquira uma vara resistente que lhe faculte reajustar a educação doméstica dos meninos. Também fui pai e tive muitas ilusões quanto a prováveis direitos das crianças. É funesto engano acreditar que a gente miúda deva governar a colmeia caseira; antes do direito que receberá com o tempo, é preciso ensiná-la, pelos processos cabíveis, a cumprir as obrigações inadiáveis, ainda que semelhante atitude suscite a reprovação indébita de nossos melhores amigos.

Se encontrar razoabilidade em minhas lembranças, faça isso e espere o futuro, sem descansar as mãos e sem esquecer que uma fisionomia alegre e otimista constitui um dos ângulos básicos no edifício do êxito. Entretanto, se julga meus despretensiosos conceitos ineficientes e inadequados, proceda como melhor entender, certo de que você e eu somos filhos do mesmo Deus e ambos possuímos um bem celeste que é a liberdade. Use-a, de acordo com o seu ponto de vista, e aguarde os resultados.


(.Humberto de Campos)


Irmão X
Francisco Cândido Xavier

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