Capítulo XXXI

Os maiores inimigos


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Certa feita, Simão Pedro perguntou a Jesus:

— Senhor, como saberei onde vivem nossos maiores inimigos? Quero combatê-los, a fim de trabalhar com eficiência pelo Reino de Deus.

Iam os dois de caminho, entre Cafarnaum e Magdala, ao sol rutilante de perfumada manhã.

O Mestre ouviu e mergulhou-se em longa meditação.

Insistindo, porém, o discípulo, ele respondeu benevolamente:

— A experiência tudo revela no momento preciso.

— Oh! — exclamou Simão, impaciente — a experiência demora muitíssimo…

O Amigo Divino esclareceu, imperturbável:

— Para os que possuem “olhos de ver” e “ouvidos de ouvir”, uma hora, às vezes, basta ao aprendizado de inesquecíveis lições.

Pedro calou-se, desencantado.

Antes que pudesse retornar às interrogações, notou que alguém se esgueirava por trás de velhas figueiras, erguidas à margem. O apóstolo empalideceu e obrigou o Mestre a interromper a marcha, declarando que o desconhecido era um fariseu que procurava assassiná-lo. Com palavras ásperas desafiou o viajante anônimo a afastar-se, ameaçando-o, sob forte irritação. E quando tentava agarrá-lo, à viva força, diamantina risada se fez ouvir. A suposição era injusta. Ao invés de um fariseu, foi André, o próprio irmão dele, quem surgiu sorridente, associando-se à pequena caravana.

Jesus endereçou expressivo gesto a Simão e obtemperou:

— Pedro, nunca te esqueças de que o medo é um adversário terrível.

Recomposto o grupo, não haviam avançado muito, quando avistaram um levita que recitava passagens da Tora e lhes dirigiu a palavra, menos respeitoso.

Simão inchou-se de cólera. Reagiu e discutiu, longe das noções de tolerância fraterna, até que o interlocutor fugiu, amedrontado.

O Mestre, até então silencioso, fixou no aprendiz os olhos muito lúcidos e inquiriu:

— Pedro, qual é a primeira obrigação do homem que se candidata ao Reino Celeste?

A resposta veio clara e breve:

— Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo.

— Terás observado a regra sublime, neste conflito? — continuou o Cristo, serenamente — recorda que, antes de tudo, é indispensável nosso auxílio ao que ignora o verdadeiro bem e não olvides que a cólera é um perseguidor cruel.

Mais alguns passos e encontraram Teofrasto, judeu grego dado à venda de perfumes, que informou sobre certo Zeconias, leproso curado pelo profeta nazareno e que fugira para Jerusalém, onde acusava o Messias com falsas alegações.

O pescador não se conteve. Gritou que Zeconias era um ingrato, relacionou os benefícios que Jesus lhe prestara e internou-se em longos e amargosos comentários, amaldiçoando-lhe o nome.

Terminando, o Cristo indagou-lhe:

— Pedro, quantas vezes perdoarás a teu irmão?

— Até setenta vezes sete — replicou o apóstolo, humilde.

O Amigo Celeste contemplou-o, calmo, e rematou:

— A dureza é um carrasco da alma.

Não atravessaram grande distância e cruzaram com Rufo Grácus, velho romano semiparalítico, que lhes sorriu, desdenhoso, do alto da liteira sustentada pelos escravos fortes.

Marcando-lhe o gesto sarcástico, Simão falou sem rebuços:

— Desejaria curar aquele pecador impenitente, a fim de dobrar-lhe o coração para Deus.

Jesus, porém, afagou-lhe o ombro e ajuntou:

— Por que instituiríamos a violência no mundo, se o próprio Pai nunca se impôs a ninguém?

E, ante o companheiro desapontado, concluiu:

— A vaidade é um verdugo sutil.

Daí a minutos, para repasto ligeiro, chegavam à hospedaria modesta de Aminadab, um seguidor das ideias novas.

À mesa, um certo Zadias, liberto de Cesareia, se pôs a comentar os acontecimentos políticos da época. Indicou os erros e desmandos da Corte Imperial, ao que Simão correspondeu, colaborando na poda verbalística. Dignitários e filósofos, administradores e artistas de além-mar sofreram apontamentos ferinos. Tibério foi invocado com impiedosas recriminações.

Finda a animada palestra, Jesus perguntou ao discípulo se acaso estivera alguma vez em Roma.

O esclarecimento veio depressa:

— Nunca.

O Cristo sorriu e observou:

— Falaste com tamanha desenvoltura sobre o Imperador que me pareceu estar diante de alguém que com ele houvesse privado intimamente.

Em seguida, acrescentou:

— Estejamos convictos de que a maledicência é algoz terrível.

O pescador de Cafarnaum silenciou, desconcertado.

O Mestre contemplou a paisagem exterior, fitando a posição do astro do dia, como a consultar o tempo, e, voltando-se para o companheiro invigilante, acentuou, bondoso:

— Pedro, há precisamente uma hora procuravas situar o domicílio de nossos maiores adversários. De então para cá, cinco apareceram, entre nós: o medo, a cólera, a dureza, a vaidade e a maledicência… Como reconheces, nossos piores inimigos moram em nosso próprio coração.

E, sorrindo, finalizou:

— Dentro de nós mesmos, será travada a guerra maior.


(.Humberto de Campos)


Irmão X
Francisco Cândido Xavier

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