Mãe Antologia Mediúnica

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Capítulo LXXXV

Coração de mãe

RESPOSTA DE HUMBERTO DE CAMPOS A UMA MÃE AFLITA

Dolorosa e comovedora é a carta dessa mulher maranhense que te chegou às mãos trazidas sob as asas de um avião trepidante e ruidoso.

Mãe desesperada apela para os sentimentos de paternidade que não me abandonaram no túmulo e grita aflitivamente, como se as suas letras tremidas fossem vestígios arroxeados do sangue do seu coração.

“Eu peço a Humberto de Campos que mesmo do Além salve o meu filho! Ele que não se esqueceu dos que deixou na Terra, não pode negar uma esmola à minha alma de mãe extremosa!…”

E eu me lembro comovido dos apelos que me eram dirigidos pelos sofredores, nos derradeiros tempos da minha vida, enquanto eu naufragava devagarinho no veleiro da dor entre as águas pesadas do oceano da morte.

Eu daria tudo para enviar a essa mulher sofredora da terra que foi minha, a certeza de que o seu filho é uma criatura predileta dos deuses. Tudo faria para poder imitar aquelas mãos ternas e misericordiosas que descansaram sobre a fronte abatida do órfão da viúva de Naim, ressuscitando para um coração maravilhoso de mãe as energias do filho que padece sob as provações mais penosas.

A morte porém nos afasta do nosso caminho a visão estranha da fatalidade e do destino. Há um determinismo no cenário das nossas existências criado por nós mesmos.

O mal com o seu cortejo de horrores não está dentro dessa corrente impetuosa e irrefreável, mas todos os seus elos são formados pelos sofrimentos.

Os homens de barro têm de batalhar a vida inteira repelindo o crime e o pecado, mas inevitavelmente andarão atolados no pantanal da dor e da morte.

O que mais me pungia depois de haver perquirido lições dos sábios dali era a inutilidade dos seus argumentos ante as determinações irrevogáveis do destino. Após haver atravessado as estradas da ignorância despretensiosa, no limiar do imenso palácio das experiências alheias, presumia encontrar a solução dos enigmas que confundem o cérebro humano. Mas em todas achei o mesmo tormento, as mesmas ansiedades angustiosas.

Frente a frente do pulso inflexível da morte toda a ciência do mundo é de uma insignificância irremediável.

Neste particular, todo o portentoso monumento da filosofia de Pitágoras não valia mais que as extravagantes teorias doutrinárias propaladas no mundo.

Todos quantos laboram em favor do homem da Terra, esbarram nos muros indevassáveis da Sombra. O Cristo foi o único que espalhou na masmorra da carne uma claridade suave porque não se dirigiu à criatura terrena, mas à criatura espiritual.

Assombrava-me o espetáculo pavoroso do mundo onde as leis liberalíssimas para a aristocracia do ouro e severas em face dos infortunados que palmilham o caminho espinhoso com os pés descalços e feridos, refletem o caráter humano com os seus defeitos incorrigíveis.

E despertando de longos pesadelos na porta de sombras da sepultura, a minha primeira inquirição com respeito aos problemas que me atormentavam foi uma pergunta dolorosa acerca dos contrastes amargos do mundo. Ainda aqui, porém, os gênios carinhosos da Sabedoria abençoam e sorriem aos que os interpelam, porque a decifração dos enigmas das nossas existências está em nós próprios. Apesar do destino inflexível, há uma força em nós que dele independe como origem de todas as nossas ações e pensamentos. Somos obreiros da trama caprichosa das nossas próprias vidas.

As mãos que hoje cortam as felicidades alheias, amanhã se recolherão como galhos ressequidos nas frondes verdes da Vida.

As iniquidades dum podem desaparecer sob o manto de renúncias de um ; o sensualismo de Madalena expurgado nos prantos amargos da expiação e do arrependimento. Quando pudermos ver o passado em todo o seu desdobramento, depois de contemplarmos a Messalina na sua noite de regalados prazeres, vê-la-emos de novo, arrastando-se nas margens do Tibre, enfiada num vestido horripilante de negras monstruosidades.

Faltou-me na vida terrena semelhante compreensão para entender a verdade.

Que essa pobre mãe maranhense considere esses realismos que nos edificam e nos salvam.

E como um anjo de dor, à cabeceira de seu filho, eleve o seu apelo ao coração augusto daquele que remove as montanhas com o sopro suave do seu amor. Sua oração subirá ao Infinito como um cálice de perfume, derramado ao clarão das estrelas que enfeitam o trono invisível do Altíssimo e, certamente, os anjos da Piedade e da Doçura levarão a sua prece como cândida oferta da sua alma sofredora à magnanimidade daquela que foi a rosa mística de Nazaré. Então, nesse momento, talvez que o coração angustiado de mãe que chora na Terra se ilumine a uma claridade estranha e misericordiosa.

Seu lar desditoso e humilde será por instantes um altar dessa luz invisível para os olhos mortais. Duas mãos de névoa translúcida pousarão como açucenas sobre sua alma oprimida e uma voz carinhosa e embaladora murmurará aos seus ouvidos:

— “Sim! minha filha… eu ouvi a tua prece e vim suavizar o teu martírio, porque também tive um filho que morreu ignominiosamente na cruz”.


(.Irmão X)


(Do “Correio Paulistano”, de 15 de julho do 1936. Recebida em Pedro Leopoldo por Francisco Cândido Xavier.)



Humberto de Campos
Francisco Cândido Xavier

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