Marcas do Caminho
Versão para cópiaRecordações em Leopoldina
A sombra amiga destes montes calmos, Meu pobre coração de anacoreta, Amortalhado em fina roupa preta, Desceu à escuridão dos sete palmos. Viera o fim dos sonhos intranquilos, Entre grandes e estranhos pesadelos, Satisfazendo aos trágicos apelos Da guerra inexorável dos bacilos. A morte terminara o horrendo cerco, Sufocando as moléculas madrastas… Eram trilhões de células nefastas Voltando à paz do túmulo de esterco. Indiferente aos últimos perigos, Meu corpo recebeu o último beijo E comecei o lúgubre cortejo, Sustentado nos braços dos amigos. Em triste solilóquio no trajeto, Espantado, fitando as mãos de cera, Rememorava o tempo que perdera, Desde as primárias convulsões do feto. Porque morrer amando e haver descrido Do Eterno Sol do qual vivera em fuga? Como é sombrio o pranto que se enxuga Pelo infinito horror de haver nascido!?… Depois, vi-me no campo onde a dor medra, Ao contato do chão frio e profundo, Chegara para mim o fim do mundo Entre as cruzes e os dísticos de pedra. Terrível comoção pintou-me a cara Na escabrosa cidade dos pés juntos, Tomara-se defunta entre os defuntos Toda a ciência de que me orgulhara. Trêmulo e só, no leito subterrâneo, Sentia, frente à lógica dos fatos, O pavor dos morcegos e dos ratos Dominar os abismos de meu crânio. Meus ideais mais puros, meus lamentos E a minha vocação para a desgraça Reduziam-se à mísera carcassa, Para o açougue dos vermes famulentos. Em seguida, o abandono, enfim, do plasma, Os micróbios gritando independência, E tomei nova forma de existência Sob a fisiologia do fantasma. Fugindo então ao gelo, à treva e à ruína Do caos sinistro em que vivera imerso, Revelou-se-me a glória do Universo Santificado pela Luz Divina! Oh! que ninguém perturbe meus destroços, Nem arranque meu corpo à última fuma, É Leopoldina a generosa urna Que, acolhedora, me resguarda os ossos. Beije minhalma alegre o pó da rua Deste painel bucólico e risonho, Onde aprendi, no derradeiro sonho, Que o mistério da vida continua… Bendita seja a terra augusta e forte, Onde, através das vascas da agonia, Encontrei a mim mesmo, em novo dia, Pelas revelações de luz da morte. |
(C. E. Amor ao Próximo — Leopoldina, MG, 17.06.1945)
Essa mensagem foi publicada originalmente em 1969 pela FEB e é a 81ª lição do livro “”
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