Momentos de Ouro
Versão para cópiaLenda simbólica
Uma história da vida, em moldura de lenda, O estudo sobre a fé aqui se recomenda. Dizem que num relvado uma lagarta nobre Jamais acreditava em outra vida. Afirmava que o nada tudo encobre, Que a morte tudo leva de vencida. Por isso, certa feita, Intérprete fiel da palavra escorreita, Foi instada a falar em sentido direto À grande multidão de lagartas reunidas, Sobre a força da morte, A rainha das forças desmedidas, Com que as prende aos casulos, Semelhantes a esquifes Ou a cárceres nulos Nos quais se lhes transvia a mente em abandono… O que seria a morte? Um simples sono, A cinza, o esquecimento, o fim de tudo? Após ouvir-lhes as indagações, A lagarta oradora, Fazendo os gestos de quem se servia Do mais formoso dos sermões, Falou em alta voz, com ardente euforia: — Companheiras irmãs! Não cultiveis ideias vãs, A morte é pó e cinza, treva e nada, Não existe outra vida… Embora quando a fé mais pura nos convida A meditar em Deus, A razão permanece ao lado dos ateus. Tenho buscado, a fundo, Tudo quanto se fala em morte sobre o mundo E a verdade, em que tudo se descerra, Diz que a morte aniquila Tudo o que vive sobre a Terra… A vida toda, em si, é uma trama nefasta; Uma lagarta surge, Luta, sofre e se arrasta, E encontra, mais além, a sombra e a terra fria… A morte nos destrói, dia por dia, Não guardeis ilusões, nem retenhais quimeras… Isto foi sempre assim, desde o berço das eras. Lagartas! Somos lagartas simplesmente Que a morte destruirá, chegando irreverente… Outra vida não há! A fé sempre resulta Em cinzas da mentira que se oculta, A vida é apenas hoje, nada mais… Ai de nós!… ai de nós!… E a culta expositora repetia Erguendo, sempre mais, o tom de voz: — Somos simples mortais!… Nisso, ela desmaiou diante da assembleia, Fenecera-lhe a voz, finara-se-lhe a ideia, E a lagarta imponente Transformou-se, de todo, quase que de repente Num casulo pendente Da folha em que falava… Toda a comunidade boquiaberta Seguia aquela morte inesperada, De ânimo firme e atento, Esperando que a noite, a chuva e o vento Fizessem do casulo Um dedal de poeira, cinza e nada. Mas, depois de alguns dias De discussões e fantasias, Do casulo esquisito e ressecado Surgiu um novo ser, maravilhoso e alado. A lagarta oradora Passara por ação renovadora; Era agora uma grande borboleta De asas amplas, em linda cor violeta, A voar sobre as flores nas ramadas… A ex-lagarta, Culta e materialista, Sem querer, transformara-se… E foi vista Pelas amigas deslumbradas Na condição de um ser de expressão bela e fina… Parecia uma leve bailarina Dançando ao céu azul, sob luzes douradas. |
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