Momentos de Ouro

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Capítulo XIII

Lenda simbólica


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Uma história da vida, em moldura de lenda,

O estudo sobre a fé aqui se recomenda.


Dizem que num relvado uma lagarta nobre

Jamais acreditava em outra vida.

Afirmava que o nada tudo encobre,

Que a morte tudo leva de vencida.

Por isso, certa feita,

Intérprete fiel da palavra escorreita,

Foi instada a falar em sentido direto

À grande multidão de lagartas reunidas,

Sobre a força da morte,

A rainha das forças desmedidas,

Com que as prende aos casulos,

Semelhantes a esquifes

Ou a cárceres nulos

Nos quais se lhes transvia a mente em abandono…


O que seria a morte? Um simples sono,

A cinza, o esquecimento, o fim de tudo?


Após ouvir-lhes as indagações,

A lagarta oradora,

Fazendo os gestos de quem se servia

Do mais formoso dos sermões,

Falou em alta voz, com ardente euforia:


— Companheiras irmãs!

Não cultiveis ideias vãs,

A morte é pó e cinza, treva e nada,

Não existe outra vida…

Embora quando a fé mais pura nos convida

A meditar em Deus,

A razão permanece ao lado dos ateus.


Tenho buscado, a fundo,

Tudo quanto se fala em morte sobre o mundo

E a verdade, em que tudo se descerra,

Diz que a morte aniquila

Tudo o que vive sobre a Terra…


A vida toda, em si, é uma trama nefasta;

Uma lagarta surge,

Luta, sofre e se arrasta,

E encontra, mais além, a sombra e a terra fria…

A morte nos destrói, dia por dia,

Não guardeis ilusões, nem retenhais quimeras…

Isto foi sempre assim, desde o berço das eras.


Lagartas! Somos lagartas simplesmente

Que a morte destruirá, chegando irreverente…

Outra vida não há! A fé sempre resulta

Em cinzas da mentira que se oculta,

A vida é apenas hoje, nada mais…

Ai de nós!… ai de nós!…

E a culta expositora repetia

Erguendo, sempre mais, o tom de voz:

— Somos simples mortais!…


Nisso, ela desmaiou diante da assembleia,

Fenecera-lhe a voz, finara-se-lhe a ideia,

E a lagarta imponente

Transformou-se, de todo, quase que de repente

Num casulo pendente

Da folha em que falava…

Toda a comunidade boquiaberta

Seguia aquela morte inesperada,

De ânimo firme e atento,

Esperando que a noite, a chuva e o vento

Fizessem do casulo

Um dedal de poeira, cinza e nada.


Mas, depois de alguns dias

De discussões e fantasias,

Do casulo esquisito e ressecado

Surgiu um novo ser, maravilhoso e alado.

A lagarta oradora

Passara por ação renovadora;

Era agora uma grande borboleta

De asas amplas, em linda cor violeta,

A voar sobre as flores nas ramadas…


A ex-lagarta,

Culta e materialista,

Sem querer, transformara-se… E foi vista

Pelas amigas deslumbradas

Na condição de um ser de expressão bela e fina…

Parecia uma leve bailarina

Dançando ao céu azul, sob luzes douradas.




Maria Dolores
Francisco Cândido Xavier


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