Ninguém Morre - Estagiamos Entre Dois Mundos
Versão para cópia“Deus era a única sílaba que nos escapava do coração e da boca”
Querida Maria Helena e meu caro Antoninho, ainda estou no trauma do acontecimento que não estimaríamos relembrar.
Tudo foi questão de segundos. Observava a hesitação do motor, mas na impossibilidade de qualquer retificação, entreguei-me à força que interpretamos como sendo a Vontade de Deus.
Reconheço que estamos todos submetidos a leis imbatíveis e prefiro falar do assunto, do ponto de vista da religião.
Nessas horas terríveis do imprevisto negativo, a ideia de que somos filhos de uma Sabedoria Infinita e de um Infinito Amor que comandam todo o Universo, nos reconforta os corações.
Creiam que não houve tempo que se despendesse em lamentações. Deus era a única sílaba que nos escapava do coração e da boca, atônitos que nos achávamos todos, diante do irremediável.
O grande pássaro de metais caiu arremessando-nos a todos de uma vez na liberação compulsória da experiência física.
Concentrei todas as minhas reservas de energia mental para não dormir ou desmaiar, entretanto, semelhante esforço não me valeu por ensejo de observação mais minuciosa do fenômeno que nos arrasava a família.
Numa fração de tempo que não pude e nem posso ainda precisar, vi-me fora do corpo, à maneira de noz quando salta do invólucro natural que a retém e, conquanto cambaleasse de espanto e sofrimento, reconheci que não estávamos a sós.
A mamãe Antonieta e a Lucy estavam amparadas por senhoras amigas, e o Robertinho, a Luciana e o Waldomiro Neto se achavam sob a assistência de enfermeiros diligentes.
Quis conhecer os benfeitores que nos estendiam socorro, mas, como se a certeza de que não nos achávamos abandonados me rematasse as resistências, entrei por minha vez num torpor de que não consigo atualizar a duração.
Mais tarde, ainda ignoro depois de quantos dias, despertei numa instituição que a princípio me forneceu a ilusão de que havíamos sido salvos do acidente doloroso, mas não se passou muito tempo, para que me visse esclarecido.
Havíamos todos deixado a moradia física, de uma só vez.
Embora me sentisse quase quebrado pelas consequências da queda, era obrigado a reconhecer que me via num corpo em tudo semelhante àquele que me havia servido.
Seria inútil qualquer tentame de meu lado para descrever-lhes a mudança que me convulsionava a cabeça.
Entretanto, era preciso resignar-me aos acontecimentos e, mais uma vez a ideia religiosa foi a escora que me imunizou contra o desequilíbrio total.
Pouco a pouco, revi todos os nossos.
A mãezinha Antonieta recebera os primeiros socorros por parte de duas amigas que passei a conhecer, a irmã Anna 1nácia de Mello e a irmã Arminda Andrade Nogueira, que fora em Franca, a esposa do Capitão Nogueira.
O papai Waldomiro estava em nosso auxílio e o Dr. Ismael Alonso com outro médico, o Dr. Antônio Ricardo Pinho nos submetiam a tratamento atencioso.
Monsenhor Cândido Rosa, o respeitável amigo da nossa família, nos abençoava com a sua assistência e a única revelação que lhes posso fazer é que me tornara novamente menino para chorar, vasando no pranto copioso o sofrimento da desvinculação inesperada a que fôramos conduzidos.
Maria Helena, peço-lhe calma e confiança nas forças invisíveis que aí na Terra nos reanimam e nos consolam.
Nosso grande reconforto é saber que a deixamos sob a proteção do nosso prezado Betarello e sob as obrigações de viver para os filhos queridos.
Agradecemos o seu heroísmo encharcado de lágrimas quando a provação nos colheu a família e pedimos a você prossiga, em frente, na convicção de que nossos pais e nós, seus irmãos, não a esquecemos.
Somos gratos às suas orações, às suas flores, às suas referências carinhosas e aos ofícios religiosos com que você e o nosso Betarello nos recordam.
Em tudo isso, sabemos que a dor é o metro de todos os nossos movimentos, entretanto não desconhecemos que a esperança brilha nessas sombras em que se nos enlutou a vida.
É um verbo inadequado para quem traz as notícias da própria sobrevivência, mas a verdade é que o luto espiritual daqueles primeiros dias que se seguiram ao desastre ainda não se desanuviou de todo, em nossos corações.
Estamos relativamente bem, mas ainda deslocados, como se procurássemos inutilmente a nossa própria moradia.
No entanto, não temos razão para queixas, porque saímos de certa parte da nossa família para associar-nos à outra parte, aquela que nos precedeu na grande transformação.
Agradeço ao Antoninho por toda a solidariedade com que nos acompanhou o transe aflitivo daquelas horas de que não mais nos esqueceremos, e estamos todos certos de que ambos continuarão a recordar-nos nas orações, que significam para nós outros cartas de estimulante amor, a fim de que nos reanimemos passando a viver, sobrevivendo acima da vida que não esperávamos deixar.
Sintam-me reconfortado e confiante. Não há lugar para desalento e auto-piedade.
Um mundo novo se nos abre à frente e uma nova existência nos desafia.
Seguiremos ao encontro daquilo que a Sabedoria Divina nos reserva, no entanto, saibam que Deus nos criou de tal modo que o amor é um selo indelével sobre os nossos mais altos sentimentos na vida.
Onde estivermos, continuaremos a pertencer-nos uns aos outros pela afeição que nos reuniu para sempre.
Com estas ideias de união imperecível e de alegria do reencontro, subscrevo-me com o carinho que lhes devo e com a esperança de falar-lhes outra vez.
Abraços do irmão sempre agradecido,
José Roberto Alves Pereira
O autor destes apontamentos encontrava-se em Franca, progressista cidade do Estado de São Paulo, onde a família espírita dá mostras de fecundas realizações no campo da assistência social e do estudo doutrinário, quando ocorreu o acidente aéreo que vitimou o fazendeiro José Roberto Alves Pereira, juntamente com sua genitora, sua esposa e seus três filhinhos, ao qual já nos referimos, de modo rápido, no capítulo anterior, e pôde avaliar o quanto contristada ficou toda a população francana, ante o considerado infausto acontecimento do ponto de vista terrestre, porém, abençoada experiência para os Espíritos que tiveram o ensejo de resgatar velhas dívidas cármicas.
Sobre a mensagem — “Deus era a única sílaba que nos escapava do coração e da boca” —, nosso capítulo anterior, que foi publicada, na íntegra, pelo Diário da Franca, com foto do Autor Espiritual, estudemo-la, por itens, não sem antes trasladar para cá alguns tópicos do que disse o Sr. Djalvo Braga, no citado jornal, de 5 de agosto de 1980, a seu respeito:
“— É das mais dignas a fonte, a origem da mensagem de José Roberto.
Realmente, a fonte é a mais digna e séria que se possa imaginar. Conheço Chico e todos o conhecem bem. É um médium hoje mundialmente conhecido e respeitado. Posso lembrar aqui o caso acontecido com pessoas de minha família.
Uma sobrinha faleceu em 1978, filha do Aristoclides Martins.
Chico recebeu uma mensagem dirigida pela filha ao seu pai, na qual cita 26 nomes de familiares nossos, muitos dos quais falecidos há longo tempo, e alguns que eu particularmente nem me lembrava, o que para mim é um atestado.”
1 — “Querida Maria Helena e meu caro Antoninho.” Sra. Maria Helena Alves Bettarello, única irmã sobrevivente de José Roberto, e Sr. Antônio Aurélio Bettarello, cunhado, distinto casal a quem entrevistamos, na manhã de 14 de setembro de 1980, em sua residência, em Franca (à Rua Ouvidor Freire, 1339 — Fone
2 — “O grande pássaro de metais caiu arremessando-nos a todos de uma vez na liberação compulsória da experiência física.”
Não fora o nosso respeito pelo médium Xavier, que temos certeza, nos apoia o intento de não desperdiçar papel e de deixar que o próprio leitor consulte as obras que estão sendo reeditadas, e faríamos transcrição de longos trechos do Cap. XVIII — “Resgates coletivos” —, da Obra , ditada pelo Espírito de André Luiz, no qual o Autor Espiritual se refere a um desastre aviatório em que quatorze pessoas desencarnaram, sendo que somente seis delas, “cuja vida interior” lhes outorgava a imediata liberação, receberam socorro direto dos Benfeitores Espirituais ligados à Mansão Paz, com o Instrutor Druso e o Assistente Silas à frente.
Enriquecedora será para todos nós a releitura desse capítulo, principalmente para que possamos meditar sobre o relato das experiências dos Assistentes Ascânio e Lucas, os quais, em 1429, logo após a libertação de Orleães, quando formavam o exército de Joana D’Arc, “não hesitaram em assassinar dois companheiros, precipitando-os do alto de uma fortaleza no antigo território de Gâtinais, sobre fossos imundos”. Depois de muitos anos de serviço infatigável no bem, tendo o ensejo de escolher o gênero de provação, “optaram por tarefas no campo da aeronáutica, a cuja evolução ofereceram suas vidas”, vindo ambos a desencarnarem num doloroso sinistro aviatório e sofrendo “a mesma queda mortal que infligiram aos companheiros de luta no século XV”.
3 — “A mamãe Antonieta e a Lucy estavam amparadas por senhoras amigas, e o Robertinho, a Luciana e o Waldomiro Neto se achavam sob a assistência de enfermeiros diligentes.” — Sobre mamãe Antonieta, Lucy, Robertinho, Luciana e Waldomiro Neto, consultemos os do capítulo anterior, acima, apenas acrescentando que a primeira nasceu em Pedregulho, Estado de São Paulo, e os demais em Franca, no mesmo Estado.
4 — Irmã Anna 1nácia de Mello: Segundo pesquisas do Sr. Toninho Bettarello e de sua esposa D. Maria Helena, D. Anna 1nácia de Mello, antiga moradora de Franca, desencarnou a 14 de abril de 1947, esposa do Sr. José Sábio Garcia, tendo vivido muitos anos em Santa Maria, Município de Conquista, Estado de Minas Gerais, onde conheceu o Espiritismo.
5 — Irmã Arminda Andrade Nogueira: Trata-se de veneranda senhora da sociedade francana, desencarnada a 17 de junho de 1962. Muito caridosa, prestava assistência a diversas famílias mais necessitadas, e teve o mérito de iniciar a construção da Igreja de Santa Rita, em Franca.
6 — Papai Waldomiro: Waldomiro Alves Pereira, pai de José Roberto, nasceu em Itirapuã, Estado de São Paulo, a 27 de maio de 1925, e desencarnou a 13 de junho de 1966.
7 — Dr. Ismael Alonso: Dr. Ismael Alonso y Alonso, renomado médico de Franca, que deixou longa folha de serviços prestados ao povo, principalmente aos mais necessitados. Foi prefeito, em várias gestões, e desencarnou a 23 de março de 1964.
8 — Dr. Antônio Ricardo Pinho: Outro dedicado médico francano, de tradicional família da região, tendo muito trabalho em prol da coletividade. Desencarnou a 7 de março de 1954. Genitor da cronista social — Augusta — e do advogado Dr. Ricardo Pinho.
9 — Monsenhor Cândido Rosa: Uma das principais figuras do clero francano, sobre quem nos estendemos no , cujo nome figura numa das principais ruas de Franca, onde se situam “grandes firmas industriais e comerciais, estabelecimentos diversos, escritórios de advogados, de médicos, etc.”, segundo o velho Almanaque citado, anteriormente.
10 — Nosso prezado Bettarello: Vimos, , que o Espírito de José Roberto se dirige ao cunhado Antônio Aurélio Bettarello chamando-o de Antoninho, quando, na realidade, costumava tratá-lo por Toninho, quando ainda no Plano Físico, à maneira dos demais amigos e familiares.
Estando diante — digamos — de uma falha de memória da entidade comunicante, achamos por bem transcrever parte do XXIII Caso, citado pelo Sr. Kensett Styles e publicado em “Light”, 1909, página 32, do livro Os Enigmas da Psicometria — Dos Fenômenos de Telestesia, de Ernesto Bozzano, que trata do assunto, de forma bastante exemplar.
Depois de relatar um episódio que se constitui em “prova convincente da sobrevivência humana e do interesse que os desencarnados continuam a ter pelos que lhes sobrevivem na Terra”, o Sr. Styles afirma o seguinte sobre o Espírito de um dos seus melhores amigos da adolescência, prematuramente falecido de um mal misterioso:
“Devo ainda acrescentar que o Espírito também me recordou um dia em que patinávamos com grande ardor e acabávamos às cambalhotas, o que nos valeu severa repreensão paterna.
Nada, porém, de semelhante comigo sucedera; entretanto, algum tempo depois vim a saber, por parentes do jovem camarada, que o tal incidente realmente se dera, mas, com um seu irmão, com o qual, supondo, ele me confundiu.”
Observemos, leitor amigo, o que diz Bozzano, em seguida:
“Neste depoimento, o primeiro incidente verídico, posto que mui notável, é teoricamente menos importante que o segundo, revelador de um erro de memória.
Efetivamente, se as informações obtidas tivessem origem no subconsciente, ou, por outras palavras, se o psicômetra as houvesse extraído telepaticamente da subconsciência do consulente, poderíamos explicar o primeiro incidente verídico, mas nunca o segundo, visto que o sensitivo jamais poderia extrair da subconsciência do consulente um episódio sobre o qual não existia nela um traço, sequer, visto que absolutamente ele o ignorava.
De onde proviriam, então, essas observações? E uma pergunta que se impõe, pois se é verdade que o episódio não se reportava ao consulente, menos verdade não é que concernia à entidade que se afirmava presente.
Ora, impossível é responder à interrogação, sem admitir a presença real do Espírito.
E, neste caso, o erro de memória em que incidiu, confundindo o amigo com o irmão, seria de natureza compreensível e justificável, pois todos somos suscetíveis destas confusões mnemônicas, quando se trata de acontecimentos afastados e de somenos importância.”
11 — “Somos gratos às suas orações, às suas flores, às suas referências carinhosas e aos ofícios religiosos com que você e o nosso Bettarello nos recordam.”
Confirmando este tópico da mensagem, D. Maria Helena relembrou-nos que na noite de 4 de julho de 1980, enquanto o médium Xavier psicografava as seis mensagens da noite, houve um momento em que ela, emocionada, chegou a dizer ao marido: — “É o Beto!”
E, com efeito, minutos mais tarde, com que alegria recebeu das mãos do médium de Emmanuel as laudas de papel contendo a carta de seu querido irmão.
À guisa de conclusão, façamos ligeiro escorço biográfico de José Roberto, complementando o , e registremos mais alguns dados que a gentileza do Sr. Toninho e de D. Maria Helena Alves Bettarello nos forneceram.
— , que nasceu em Pedregulho (SP), a 3 de setembro de 1945 e desencarnou no acidente aéreo, nas proximidades de Nova Andradina, Estado do Mato Grosso do Sul, a 6 de janeiro de 1979, em companhia de sua genitora, de sua esposa e de seus três filhos, decolara de Amambai, no mesmo Estado, e se dirigia para Franca.
— Sertanejo, seu avião de seis lugares, estava sendo pilotado por José Roberto, pela primeira vez sozinho, isto é, sem a presença de outro piloto, já que brevetara a 18 de novembro de 1978.
— Sempre que chegava de avião, nos fins de semana, pedia ao piloto para sobrevoar o rancho do cunhado e da única irmã, e, antes de partir, chegou a dizer a esta:
— Lena, tenho uma novidade para lhe contar: eu vou voltar de Amambai, pilotando o avião.
A emoção de D. Lena fez com que seu mano, a partir daquele instante, não acrescentasse qualquer outra palavra.
— Seu tio, Sr. Wander ficara impaciente, aguardando o retorno do sobrinho, por saber que ele voltaria sem a assistência do piloto amigo.
— O garoto Bettarello Júnior deveria ter viajado com o tio, mas, por motivo de força maior, teve que ficar.
— Estava chuvoso o tempo, no dia da última viagem de José Roberto, no seu atual período reencarnatório.
— Conceituado fazendeiro, José Roberto, com o Curso Secundário completo, chegara a iniciar o Curso de Química, em Campinas.
— Era Católico, tomando-se cursilhista, nos seus dois últimos anos de vida física.
— Segundo o Sr. Toninho Bettarello, oito anos antes, ele — José Roberto — lhe dissera que tinha vontade de ser espírita, mas que preferia prosseguir no Catolicismo, já que estava encaminhando os filhos nesse caminho.
— Estava com viagem marcada; com toda a família, para os Estados Unidos da América do Norte, dois dias depois.
— Sofrendo de problema renal, de longa duração, chegou a se submeter a cirurgia nessa área, além de ter feito sonoterapia, em São Paulo, e cateterismo cardíaco, em São José do Rio Preto.
— Era muito caridoso, principalmente, nos seus três últimos anos de permanência na Terra.
Que Jesus, o Divino Amigo, possa continuar abençoando José Roberto e toda a sua família, na 5ida Maior, e que nós outros, os reencarnados, possamos permanecer firmes na Seara do Bem, cumprindo fielmente os nossos deveres, sob o manto protetor da Misericordiosa Justiça Divina.
“Através do médium Chico Xavier, José Roberto envia mensagem de conforto aos seus familiares”, Diário da Franca, de 30 de julho de 1980.
“Mensagem de José Roberto: fonte é das mais dignas “, Diário da Franca, Ano VIII — Nº 2324, Franca, 5 de agosto de 1980.
Francisco Cândido Xavier, André Luiz, , Federação Espírita Brasileira, Rio de Janeiro, 1ª edição, 1957, pp. 236-246.
Ernesto Bozzano, Os Enigmas da Psicometria — Dos Fenômenos de Telestesia, Tradução de M. Quintão, Federação Espírita Brasileira, Rio de Janeiro, 1949, pp. 94-96.
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