Evangelho por Emmanuel, O – Comentários aos Atos dos Apóstolos

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Capítulo CXXVII

A manutenção da prisão em Cesareia

23 E ordenou ao centurião que o mantivesse [na prisão], tendo livre-custódia, não impedindo nenhum dos seus próprios de servi-lo. 24 Depois de alguns dias, chegando Félix com Drusila, sua própria mulher, que é judia, mandou chamar Paulo, e ouviu dele a respeito da fé em Jesus Cristo. 25 Dialogando ele sobre a justiça, o autocontrole e o julgamento vindouro, Félix ficou amedrontado e respondeu: por agora, vai-te; tendo ocasião, te chamarei; 26 ao mesmo tempo esperando que lhe seria dado dinheiro por Paulo. Por isso também mandava trazê-lo frequentemente para conversar com ele. 27 Ao se completarem dois anos, Félix recebeu como sucessor Pórcio Festo; querendo agradar com favores os judeus, Félix deixou Paulo encarcerado. — (At 24:23)


[…] Os anciães morderam os lábios. Debalde o sumo-sacerdote solicitou a continuação dos trabalhos. O mandatário de Roma não modificou o ponto de vista e a grande assembleia dissolveu-se, com imenso pesar dos israelitas constrangidos a regressar, extremamente desapontados.

Félix, entretanto, passou a considerar o prisioneiro com maior deferência. No dia seguinte, foi visitá-lo, concedendo-lhe permissão para receber os amigos na sala do expediente. Depreendendo que Paulo gozava de grande prestígio entre e perante todos os seguidores da doutrina do profeta nazareno, imaginou, desde logo, tirar algum proveito da situação. Cada vez que o visitava, surpreendia-lhe maior acuidade mental, a interessá-lo pela sua palestra viva e palpitante de observações sábias, no conceito e na experiência da vida.


Certo dia, o governador abordou jeitosamente o prisma dos interesses pessoais, insinuando-lhe a vantagem da sua libertação, de maneira a atender às aspirações da comunidade cristã, a que emprestava tanto relevo. Paulo, porém observou resoluto:

— Não sou tanto de vossa opinião. Sempre considerei que a primeira virtude do cristão é estar pronto para obedecer à vontade de Deus, em qualquer parte. Certo, não estou detido à revelia de sua assistência e proteção, e desta forma acredito que Jesus julga melhor conservar-me prisioneiro, nos dias que correm. Servi-Lo-ei, pois, como se estivesse em plena liberdade de corpo.

— Entretanto, continuou Félix, sem coragem para ferir diretamente o ponto —, vossa independência não seria coisa muito difícil.

— Como assim?

— Não tendes amigos ricos e influentes em todos os recantos provinciais? — interrogou o preposto governamental, de maneira ambígua.

— Que desejais dizer com isso? — perguntou o Apóstolo por sua vez.

— Creio que se conseguísseis o dinheiro suficiente para atender aos interesses pessoais de quantos hajam de funcionar no processo, estaríeis completamente livre da ação da justiça, dentro de poucos dias.


Paulo compreendeu as insinuações mal veladas e nobremente revidou:

— Percebo agora. Falais de uma justiça condicionada ao capricho criminoso dos homens. Essa justiça não me interessa. Ser-me-á preferível conhecer a morte no cárcere, a servir de obstáculo à redenção espiritual do mais humilde dos funcionários de Cesareia. Dar-lhes dinheiro em troca de uma independência ilícita, seria habituá-los ao apego dos bens que lhes não pertencem. Minha atividade seria, então, um esforço reconhecidamente perverso. Além do mais, quando temos a consciência pura, ninguém nos pode tolher a liberdade e eu me sinto aqui tão livre como lá fora, na praça pública.

O governador recebeu a observação franca e áspera, disfarçando o seu enleio. A lição humilhava-o duramente e, desde então, desinteressou-se da causa. Já havia, porém, comentado, entre os amigos mais íntimos, a privilegiada inteligência do prisioneiro de Cesareia e, daí a dias, sua jovem esposa Drusila manifestava-lhe o desejo de conhecer e ouvir o Apóstolo. A seu mau grado, não podendo esquivar-se, acabou por levá-la à presença do ex-rabino.


Judia de origem, Drusila não se contentou, qual fizera o marido, com simples indagações superficiais. Desejosa de sondar-lhe as ideias mais profundas, pediu-lhe um comentário geral da nova doutrina que esposara e procurava difundir.

Perante destacadas figuras da Corte Provincial, o valoroso Apóstolo dos gentios fez brilhante panegírico do Evangelho, ressaltando a inolvidável exemplificação do Cristo e os deveres do proselitismo que repontava de todos os recantos do mundo. A maioria dos ouvintes escutava-o com evidentes mostras de interesse; mas, quando ele começou a falar da ressurreição e dos deveres do homem em face das responsabilidades no mundo espiritual, o governador fez-se pálido e interrompeu a pregação.

— Por hoje basta! — disse com autoridade. — Meus familiares poderão ouvir-vos de outra feita, se lhes aprouver, pois quanto a mim não creio na existência de Deus.


Paulo de Tarso recebeu a observação com serenidade e respondeu com benevolência:

— Agradeço a delicadeza da vossa declaração e todavia, senhor governador, ouso encarecer-vos a necessidade de ponderar o assunto, porque, quando um homem afirma não aceitar a paternidade do Todo-Poderoso, é que, em regra, se arreceia do julgamento de Deus.

Félix lançou-lhe um olhar raivoso e retirou-se com os seus, prometendo a si próprio deixar o prisioneiro entregue à sua sorte.

À vista disso, embora respeitado pela franqueza e lealdade, Paulo houve de amargar dois anos de reclusão em Cesareia, tempo esse aproveitado em relações constantes com as suas igrejas bem-amadas. Inumeráveis mensagens iam e vinham, trazendo consultas e levando pareceres e instruções.


A esse tempo, o ex-doutor de Jerusalém chamou a atenção de Lucas para o velho projeto de escrever uma biografia de Jesus, valendo-se das informações de Maria; lamentou não poder ir a Éfeso, incumbindo-o desse trabalho, que reputava de capital importância para os adeptos do Cristianismo. O médico amigo satisfez-lhe integralmente o desejo, legando à posteridade , rico de luzes e esperanças divinas. Terminadas as anotações evangélicas, o espírito dinâmico do Apóstolo da gentilidade encareceu a necessidade de um trabalho que fixasse as atividades apostólicas logo após a partida do Cristo, para que o mundo conhecesse as gloriosas revelações do Pentecostes, e assim se originou o magnífico relatório de Lucas, que é — .


Não obstante a condição de prisioneiro, o convertido de Damasco não relaxou o trabalho um só dia, valendo-se de todos os recursos ao seu alcance, em favor da difusão da Boa Nova.

O tempo corria célere. Os israelitas, no entanto, nunca desistiram do primitivo plano de eliminar o valoroso campeão das verdades do Céu. O governador foi abordado várias vezes, sobre a oportunidade de reenviar o encarcerado a Jerusalém; entretanto, ao lembrar-se de Paulo, a consciência lhe vacilava. Além do que por si mesmo observara, ouvira o tribuno Cláudio Lísias que lhe falara do ex-rabino com indisfarçável respeito. Mais por medo dos poderes sobrenaturais atribuídos ao Apóstolo, que por dedicação aos seus deveres de administrador, resistiu a todas as investidas dos judeus, mantendo-se firme no propósito de custodiar o acusado, até que surgisse o ensejo de um julgamento mais ponderado.


Dois anos de prisão contava a folha corrida do grande amigo dos gentios. Uma ordem imperial transferira Félix para a administração de outra província. Sem esquecer a mágoa que a franqueza de Paulo lhe causara, fez questão de o abandonar à própria sorte.

O novo governador, Pórcio Festo, chegou a Cesareia em meio de ruidosas manifestações populares. […]




(Paulo e Estêvão, FEB Editora., pp. 425 a 427. Indicadores 49 a 56)



Emmanuel
Francisco Cândido Xavier

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Atos 24:23

E mandou ao centurião que o guardassem em prisão, tratando-o com brandura, e que a ninguém dos seus proibisse servi-lo ou vir ter com ele.

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