Evangelho por Emmanuel, O – Comentários aos Atos dos Apóstolos
Versão para cópiaTempestade e naufrágio no mar
12 Sendo o porto impróprio para a invernada, a maioria deliberou zarpar dali, para invernar em Fenice, um porto de Creta - se de algum modo pudessem chegar [lá] - que dava para sudoeste e para noroeste. 13 E, depois de soprar suavemente o vento sul, supondo haverem alcançado o objetivo, levantaram [âncora], costeando Creta mais de perto. 14 Entretanto, não muito depois, lançou-se contra ela [Creta] um vento tufônico, chamado Euro-aquilão. 15 Sendo o navio arrebatado e não podendo fazer frente ao vento, rendendo-nos, éramos arrastados. 16 Singrando sob a proteção de uma ilhota chamada Cauda, conseguimos com dificuldade recolher o bote. 17 Levantando-o, usaram cordas de segurança para cingir o navio; e, temendo ficarmos à deriva em Sirte, baixaram o aparelho, sendo assim arrastados. 18 No [dia] seguinte, violentamente sacudidos [pela tempestade], faziam a descarga [do navio]. 19 E no terceiro atos [dia], com as próprias mãos, arrojaram a armação do navio. 20 Não aparecendo nem o sol nem [as] estrelas durante muitos dias, e caindo sobre nós uma grande tempestade, dissipava-se, por fim, toda a esperança de sermos salvos. 21 Então, havendo muita abstinência de alimento, Paulo, pondo-se de pé no meio deles, disse: ó Varões, era necessário terem-me obedecido, e não navegar de Creta, para ganhar este dano e perda. 22 Mas, agora, vos recomendo ter ânimo, pois não haverá nenhuma perda de vida, entre vós, apenas do navio. 23 Pois, nesta noite, se apresentou a mim um anjo de Deus, de quem [eu] sou e a quem [eu] sirvo, 24 dizendo: Paulo, não temas! É necessário que te apresentes perante César, e eis que Deus concedeu-te [gratuitamente] todos quantos navegam contigo. 25 Por isso, animai-[vos], Varões! Pois creio em Deus que assim sucederá, do modo como me foi dito. 26 É necessário, porém, sairmos de curso em [direção a] alguma ilha. 27 Quando chegou a décima-quarta noite, enquanto estávamos à deriva no [Mar] Adriático, por volta da meia-noite, os marinheiros suspeitaram aproximar-se deles alguma terra. 28 E, lançando a sonda, encontraram vinte braças; passado um pouco mais [de tempo], lançando a sonda novamente, encontraram quinze braças. 29 Temendo, porém, que ficássemos à deriva, não em [algum] lugar, mas defronte a lugares rochosos, lançaram da popa quatro âncoras, orando para chegar o dia. 30 Os marinheiros, porém, a pretexto de irem lançar âncoras da proa, procuravam fugir do navio, baixando o bote no mar. 31 Paulo disse ao centurião e aos soldados: Se eles não permanecerem no navio, vós não podereis ser salvos. 32 Então os soldados cortaram as cordas do bote, deixando ele se afastar. 33 Enquanto não raiava o dia, Paulo exortava a todos a tomarem alimento, dizendo: hoje [é] o décimo-quarto dia que permaneceis sem nada receber, esperando sem alimento. 34 Por isso, [eu] vos exorto a tomarem alimento, pois isso é para a vossa salvação, já que nenhum fio da vossa cabeça se perderá. 35 Depois de dizer essas [coisas], tomou o pão, rendeu graças a Deus na presença de todos, partiu-o e começou a comer. 36 Eles, ficando todos animados, também ingeriram alimento. 37 Éramos, todas as almas no navio, duzentos e setenta e seis. 38 Saciados de alimento, tornaram mais leve o navio, lançando o trigo no mar. 39 Quando se fez dia, não reconheciam a terra, mas perceberam uma enseada com praia, para a qual deliberavam dirigir o navio, se fosse possível. 40 Atirando as âncoras, deixaram-nas no mar, desatando ao mesmo tempo as amarras dos lemes; e, içando ao vento a vela frontal, mantiveram firme [o navio] em direção à praia. 41 Enroscando-se em um lugar entre duas correntes de água, encalharam a nau; a proa, fixando-se, permanecia imóvel, mas a popa quebrava-se pela violência [das águas]. 42 O plano dos soldados era matar todos os prisioneiros, para que nenhum deles fugisse, nadando. 43 O centurião, querendo salvar a Paulo, impediu-os desse plano, e ordenou sair para a terra, em primeiro lugar, lançando-se [ao mar], os que sabiam nadar. 44 E os demais, uns sobre tábuas, outros sobre alguns destroços do navio. E sucedeu assim que todos chegaram salvos sobre a terra. — (At
A viagem continuou entre receios e esperanças. O próprio centurião estava agora convencido da inoportunidade da arribada em Kaloi-Limenes, porque, nos dois dias que se seguiram ao conselho do Apóstolo, as condições atmosféricas melhoraram bastante. Logo, porém, que se fizeram ao mar alto, rumo a Fênix, um furacão imprevisto caiu de súbito. De nada valeram providências improvisadas. A embarcação não podia enfrentar a tempestade e forçoso foi deixá-la à mercê do vento impetuoso, que a arrebatou para muito longe, envolta em denso nevoeiro. Começaram, então, padecimentos angustiosos para aquelas criaturas insuladas no abismo revolto das ondas encapeladas. A tormenta parecia eternizar-se. Havia quase duas semanas que o vento rugia incessante, destruidor. Todo o carregamento de trigo foi alijado, tudo que representava excesso de peso sem utilidade imediata, foi tragado pelo monstro insaciável e rugidor!
A figura de Paulo foi encarada com veneração. A tripulação do navio não podia esquecer o seu alvitre. O piloto e o comandante estavam confundidos e o prisioneiro tornara-se alvo de respeito e consideração unânimes. O centurião, principalmente, permanecia constantemente junto dele, crente de que o ex-rabino dispunha de poderes sobrenaturais e salvadores. O abatimento moral e o enjoo espalharam o desânimo e o terror. O Apóstolo generoso, no entanto, acudia a todos, um por um, obrigando-os a se alimentarem e confortando-os moralmente. De quando a quando, soltava o verbo eloquente e, com a devida permissão de Júlio, falava aos companheiros da hora amarga, procurando identificar as questões espirituais com o espetáculo convulsivo da Natureza:
— Irmãos! — dizia em voz alta para a assembleia estranha, que o ouvia transida de angústia — eu creio que tocaremos breve a terra firme! Entretanto, assumamos o compromisso de jamais olvidar a lição terrível desta hora. Procuraremos caminhar no mundo qual marinheiro vigilante, que, ignorando o momento da tempestade, guarda a certeza da sua vinda. A passagem da existência humana para a vida espiritual assemelha-se ao instante amarguroso que estamos vivendo neste barco, há muitos dias. Não ignorais que fomos avisados de todos os perigos, no último porto que nos convidava a estagiar, livres de acidentes destruidores. Buscamos o mar alto, de própria conta. Também Cristo Jesus nos concede os celestes avisos no seu Evangelho de Luz, mas, frequentemente optamos pelo abismo das experiências dolorosas e trágicas. A ilusão, como o vento sul, parece desmentir as advertências do Salvador, e nós continuamos pelo caminho da nossa imaginação viciada; entretanto, a tempestade chega de repente. É preciso passar de uma vida para outra, a fim de retificarmos o rumo iniludível. Começamos por alijar o carregamento pesado dos nossos enganos cruéis, abandonamos os caprichos criminosos para aceitar plenamente a vontade augusta de Deus. Reconhecemos nossa insignificância e miséria, alcança-nos um tédio imenso dos erros que nos alimentavam o coração tal como sentimos o nada que representamos neste arcabouço de madeiras frágeis, flutuante no abismo, tomados de singular enjoo, que nos provoca náuseas extremas! O fim da existência humana é sempre uma tormenta como esta, nas regiões desconhecidas do mundo interior, porque nunca estamos apercebidos para ouvir as advertências divinas e procuramos a tempestade angustiosa e destruidora, pelo roteiro de nossa própria autoria.
A assembleia amedrontada ouvia-lhe os conceitos, empolgada de inominável pavor. Observando que todos se abraçavam, confraternizando-se na angústia comum, continuava:
— Contemplemos o quadro dos nossos sofrimentos. Vede como o perigo ensina a fraternidade imediata. Estamos aqui, patrícios romanos, negociantes de Alexandria, plutocratas de Fenícia, autoridades, soldados, prisioneiros, mulheres e crianças… Embora diferentes uns dos outros, perante Deus a dor nos irmana os sentimentos para o mesmo fim de salvação e restabelecimento da paz. Creio que a vida em terra firme seria muito diferente, se as criaturas lá se compreendessem tal como acontece aqui, agora, nas vastidões marinhas.
Alguns sopitavam o despeito, ouvindo a palavra apostolar, mas a grande maioria acercava-se, reconhecendo-lhe a inspiração superior e desejosa de confugir-se à sombra da sua virtude heroica.
Decorridos catorze dias de cerração e tormenta o barco alexandrino atingiu a Ilha de Malta. Enorme, geral alegria; mas, o comandante, ao ver afastado o perigo e sentindo-se humilhado com a atitude do Apóstolo durante a viagem, sugeriu a dois soldados o assassínio dos prisioneiros de Cesareia, antes que pudessem evadir-se. Os prepostos do centurião assumiram a paternidade desse alvitre, mas Júlio se opôs, terminantemente, deixando perceber a transformação espiritual que o felicitava agora, à luz do Evangelho redentor. Os presos que sabiam nadar atiraram-se à água corajosamente; os demais agarravam-se aos botes improvisados, buscando a praia.
(Paulo e Estêvão, FEB Editora., pp. 442 a 444. Indicadores 5 a 9)
Este texto está incorreto?
Veja mais em...
Atos 27:12
E, como aquele porto não era cômodo para invernar, os mais deles foram de parecer que se partisse dali para ver se podiam chegar a Fênix, que é um ponto de Creta que olha para a banda do vento da África e do Coro, e invernar ali.
Detalhes Capítulo Completo Perícope Completa