Palavras Sublimes

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Capítulo XII

A fé


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Na Terra tudo é instável, tudo é mesquinho. E se há nesse mundo algo que perdure através das idades, que não desmorone como os monumentos levantados pela vaidade humana, que se não aniquile ao sopro da volubilidade dos homens, que se não afogue nos sorvedouros das misérias terrestres, é, por certo, o clarão imorredouro . Sem a fé, todos os caminhos são escuros; à sua luz, tudo se aclara, ou desobscurece.

Busque-se aí o que o mundo considere o seu mais precioso tesouro, o que constitua os fatos de uma civilização em seus apogeus, a máxima expressão materializada do pensamento dos homens, monumentos de arte que espelhem a evolução de um povo, e, comparando-os à fé que devassou os mistérios sombrios das florestas, afrontando emboscadas e perigos, resplandecendo sobre as eras que se escoaram, acima das dores que acometem a humanidade, fora da instabilidade das realizações mundanas, ver-se-á que as cidades se esboroam com o tempo e a arte envelhece com os decênios, e as civilizações desaparecem no abismo dos séculos.

A fé persiste, constantemente nova, rejuvenescida a cada hora que passa, transpondo as barreiras dos anos, imortalizada, porque é emanação divina que o Espírito assimila e absorve. Não desabrocha no mundo, é dádiva de Deus aos que a buscam. Simboliza a união da alma com o que é divino, a aliança do coração com a divindade do Senhor!

Há quem assevere que a fé mais pura engendra o fanatismo mais subserviente. Falacíssima é a argumentação de quem assim pondera, porque a fé não cega a razão; antes, aclara-a para a compreensão do amor a Deus. Utilizam-se, capciosamente, desses ensinamentos falsificados os propagadores do ateísmo, iconoclastas do altar esplendoroso do coração, onde se entroniza a essência divinizada da fé. Mas acontece que se julgam tanta grandiosidade pelo prisma amesquinhado da sua incurável miopia, como um objeto nulo e prejudicial, não saberão enxergar que enquanto a religião, ou a fé, cria um fanático, a irreligião esteriliza milhares de corações, insinuando os assassínios, os suicídios e todas as pragas que assolam a humanidade. Enquanto a religião faz surgir alvoradas em trevas densas, sustentando as energias para as lutas espirituais, apontando o Céu como recompensa às agruras da Terra, alimentando as fibras da alma para os martírios, demonstrando a misericórdia imensa do Todo-Poderoso, a descrença quase sempre cobra despotismos. Onde o segredo do sacrifício sublime do Crucificado? Na fé que o abrasava!

Remontando a todos os tempos, veremos a fé como archote divino, clareando os trilhos desconhecidos aos primeiros passos da humanidade. Afigura-se-me que ao “Fiat lux” do Criador seguiu-se o seu esplendor celeste. Foi ela o canto da vitória, segredado do Alto aos mártires do Cristianismo, tornando-os conquistadores da láurea imortal da suprema glória, o conforto dos corpos, semelhantes a vergônteas dissecadas da árvore da vida, dos anacoretas isolados nos desertos, a salientarem aos povos da época a necessidade de abstinência dos gozos mundanos, com as suas austeras mortificações. Foi ela a inspiração dos monges ilustres, que na soledade e no silêncio das suas celas de dor interpretam as leis sagradas. Ela tem sido o hífen que une as almas dos justos ao Eterno, o fogo purificador dos Espíritos, o amparo dos vacilantes nas orlas dos abismos, a força miraculosa que engendra a confiança dos homens no Artífice do Universo e em Seu poder.

Enquanto ri a irreligião despreocupada, a fé trabalha. Trabalhar é orar. A fé está entre o trabalho e a oração. Ao nascer, mal bruxuleia nas incognoscíveis profundezas do espírito, a fé se sente no dever de trabalhar, de integrar-se no ritmo maravilhoso de tudo o que opere para fecundação abençoada da luz no Universo. E a caridade imaterial, porque a caridade que se concretiza é sempre o raio mirífico projetado pela fé! São estas as duas virtudes gêmeas, os dois oceanos de luz a inundarem de alegria o coração da espiritualidade. Onde se aliam, e se fundem irmãmente, gravam em indeléveis caracteres o poema da perfeição! Edificaram o seu ninho na alma de escol do iluminado de Assis e a Úmbria tornou-se um clarão para a Cristandade. Encontram-se dentro da religiosidade de São Francisco Xavier, o pobre de Deus, que, humilhado e esquecido, vencendo possantes óbices com a sua coragem espartana, filha da sua fé de apóstolo, conquistou nas Índias, com o seu singelo crucifixo, centenas de almas para o seio bendito do Cristianismo.

Percorrendo-se o mundo de um a outro extremo, ver-se-ão as realizações ciclopes da fé em seus múltiplos aspectos, colimando uma única finalidade: a demonstração da sabedoria e do amor do Todo-Poderoso, resplendente na Terra, desde as mais remotas civilizações, nos antigos impérios e nas longínquas povoações dos primeiros homens!

Reverbero celeste dos eremitas da antiga Thebaida, nas lições da sagrada Bíblia, no divino entusiasmo dos evangelistas, nas mãos que ergueram mosteiros nos Alpes como pousos confortadores, acenando aos aflitos fustigados pela tempestade, na palavra esclarecida dos pescadores de almas que se embrenhavam, envolvidos no seu halo radioso e confiantes na Providência Divina, pelos sertões ínvios e inóspitos do Brasil e da África, conduzindo o ensinamento do Cristo às tribos selváticas.

A religião tem sido a luz do mundo. A irreligião é humana, mas a religião, origem de todas as ideias sãs que exortam o homem aos grandes deveres que o unem a Deus e ao próximo, tem causa na fé, na essência indefinível do amor do Eterno.

Os homens, não raras vezes, a malsinam, classificando-a de freio que os fere e subjuga. Desconhecem esse elo sacrossanto que os prende à Divindade e que lhes evita a queda nos tenebrosos orcos das suas impenitências. Habituaram-se a ver sempre as esquírolas apodrecidas da polpa de um fruto sem lhe perceberem as parte sadias. A malícia os compele perenemente a divisar o mal onde reside o bem mais puro.

É assim que olvidam o santuário dos seus corações para se apagarem a exterioridades malsãs, encobrindo a luz que lhes ofusca as vistas para verem somente as fasquias da treva, que se multiplicam com o número dos seus pecados para içarem as bandeiras do mal em todos os tempos. Este o enorme erro do mundo: o aniquilamento da fé em Deus. Combatê-la é propagar a morte, espalhá-la é oferecer a vida e a paz aos semelhantes, desdobrando alvoradas de luz na Terra.

É para esse desiderato que se agita o mundo dos Espíritos, que, vexilários da causa da verdade, se movimentam, qual poderoso exército, entre os homens, esclarecendo-os, derramando as verdades celestiais sobre os seus companheiros de exílio, reconstruindo o magnífico edifício da fé e da religião, a cuja sombra bendita e dulcificante descansará um dia a humanidade sofredora, livre do sistema envenenado da irreligião e do materialismo destruidor.





Reformador — 16 de maio de 1936.



Ferraz de Macedo
Francisco Cândido Xavier

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