O Coronel João Conrado,

Solteiro mas setentão,

Amontoava dinheiro

Com verdadeira paixão.

A morte levara o pai

Para as surpresas do Além;

Morava com mãe e irmã,

Não queria mais ninguém.

Companheiros lhe diziam:

— Conrado, no que te sobre

Medite nas desventuras

Do chamado irmão mais pobre…

No entanto, ele respondia:

— Para mim a Caridade

É mentira em muita gente

E capa de falsidade.

Certa manhã, um menino,

Tremendo ao frio que o corta,

Subiu a escada de acesso

E, inquieto, lhe bate à porta.

Ele ergueu-se, impaciente,

Mostrando os olhos em brasa.

E usando gestos violentos,

Abriu a porta da casa.

— Mas, quem é? E o jovem disse:

— Não se lembra? Eu sou Medeiros,

Venho pedir ao senhor

Dar-me os quarenta cruzeiros…

— Por que isso? — diz Conrado

Seu pedido é um disparate…

Clama o pequeno: — Estou certo,

Porque sou seu engraxate.

— Limpei-lhe oito sapatos,

A cinco cruzeiros cada,

Oito vezes cinco vezes

São minha conta esperada.

— Trabalho com meus amigos

Na pracinha, aqui em frente,

Desculpe se lhe aborreço…

Minha mãe está doente.

— O senhor vai me entender

E sei que vai perdoar-me…

Preciso de meu dinheiro…

Peço ao senhor sem alarme…

Conrado vociferou:

— Você parece intrujão…

Não vou lhe dar meu dinheiro,

Nem lhe dou satisfação!…

De olhar triste e lacrimoso,

Misturando espanto e dor,

O garoto reiterou:

— Tenho mãe com muito amor…

Gritou Conrado, raivoso:

— Você vai me conhecer,

Vou contar-lhe numa sova,

Tudo o que vai receber.

Vendo-lhe o punho cerrado

E prevendo o que viria,

O menino pensa em surra

E se põe em correria…

Conrado também correu

Para esmurrá-lo, a preceito,

Cobriu-se de um paletó

E seguiu insatisfeito.

Entretanto, viu-se, às pressas,

De força debilitada

E caiu sem atenção,

Logo, ao princípio da escada.

Rolou degraus, alguns metros,

De maneira estonteada,

E ergueu-se, à feição de louco,

Fronte suja e ensanguentada.

Conduzido a tratamento,

Escolhendo o que fazia,

O sangue se lhe escoava

Numa forte hemorragia.

O sangue por vários pontos

Aumentava hemorragias

E embora os muitos cuidados,

Faleceu em cinco dias.

Morreu recordando a queda

Maldizendo os trambolhões…

Não pagou alguns cruzeiros,

Mas, para encontrar a morte,

Pagou quarenta milhões.