Sementeira de Paz

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Capítulo XCVIII

André Luiz

27/10/1948


Meu caro Rômulo, Deus abençoe você, conferindo-lhe ao coração muita paz e saúde, otimismo e bom-ânimo.

Sinto o perfume das flores da noite de 27 e lembro com saudade a presença de Maria, porque, embora estejamos todos unidos pelos laços espirituais, é sempre doce ao coração, em certos momentos, auscultar a emotividade do grupo inteiro. Renovo-lhes, porém, aqui, os meus votos de muita felicidade, esperando no Senhor Jesus possam vocês receber largos anos de bendita atividade na Terra.

Louvo o interesse que o seu espírito centraliza no trabalho em formação. Essas páginas de rasgam horizontes novos e descerram quadros que surpreendem sem ferir o olhar, porque dosadas com infinita cautela fraternal. O que vocês podem depreender dos assuntos em foco é que não é tão fácil a subida para o Céu. Os raios de nossa própria vida cercam-nos em todas as direções e marcam-nos a alma, onde estivermos. Poderes profundos guardam os patrimônios terrestres e a luta, no drama evolutivo, não se limita a questões de palavras. Quisera poder trazer-lhes tudo o que, de novo, tem sido ofertado à minha alma, entretanto, estou limitado aos caracteres humildes que definem o verbo humano. Para quem ultrapassou a fronteira próxima, o noticiário é invariavelmente difícil. Estamos, além da morte do corpo, à maneira de trabalhadores libertos que viessem falar da amplitude da vida aos companheiros que se demoram confinados à estreiteza de um pátio. Somos obrigados a usar os mesmos símbolos de outro tempo, circunscrever-nos às mesmas palavras e cuidar de não nos excedermos muito em qualquer comentário, a fim de evitarmos o julgamento em desacordo com a realidade. Vejamos, por exemplo, o nosso caso em reuniões como esta. Não obstante guardar experiências que se vão dilatando com os dias, sinto-me compelido a retomar a mesma fraseologia de outra época, amparar-me num lápis e não desejar imprimir notícias, embora carinhosas, apressadamente, de modo a não prejudicar-nos os interesses mútuos, dentro da compreensão desejável. Grande é a luta, meu filho, por alcançarmos novas metas e o nosso esforço de superação dos limites no “conhecido” há de ser incessante. Por isso mesmo, aprecio-lhe o devotamento ao estudo edificante em nossas atuais linhas de realização espiritual, porque, através de suas indagações silenciosas e de suas meditações constantes, é-me possível carrear para seu conhecimento, operando de mente a mente, os grãos de ciência nova que vou entesourando pouco a pouco, à maneira da ave que voa longe sem esquecer o amoroso ninho. E alegro-me toda vez que lhe encontro a palavra sediada nesses assuntos da edificação eterna, porquanto o verbo bem conduzido, quando substancioso, é um campo favorável à sementeira de nossa cooperação espiritualizante. Encha seus dias de pensamentos e palavras renovadoras, porque, desse modo, seus atos vão deslocando o eixo da vida para zonas superiores.

É muito fácil falar em Paraíso, mas muito difícil sair do chão. Não desejamos instalar em vocês qualquer noção de superioridade apressada e sou daqueles que reconhecem no serviço ao chão ministério dos mais dignos neste mundo para benefício do Universo. Entretanto, aqui me refiro à nossa necessidade de idealismo santificante, de alimento divino para divinizar a vida que vivemos, em qualquer Plano.

Felizmente, para nós, fomos agraciados com extenso material de estudo dentro da lei e da lógica associadas, e se é verdade que a nossa responsabilidade cresceu nossas alegrias não são menores. Grande é o nosso tesouro para a eternidade e devemos rejubilar-nos em lhe reconhecendo a sublime expressão. Longo é o caminho e precisamos edificar ainda muito.

No setor de nossos problemas domésticos, será necessário dizer que estamos a postos colaborando em favor do nosso amigo General Aurélio. O quadro orgânico vem apresentando modificações mínimas, todavia, a sua tela espiritual vai se iluminando gradativamente. Maria e Wanda fizeram bem tornando ao convívio dele por mais alguns dias. Por mais se lhe oculte a sensibilidade no manto admirável da fortaleza digna com que recebeu a modificação, experimenta grande necessidade de ternura. Somos todos egressos da juvenilidade e não podemos avançar sem os recursos confortadores das bases. E as bases ainda pertencem ao amor, ao carinho, à abnegação com que somos seguidos de perto por aqueles que amamos. Esperemos os dias porvindouros. Vamos fazendo pelo estimado enfermo quanto nos é possível à limitada influenciação.

De seus trabalhos magnéticos, que posso definir como sendo “nossos”, guardo a melhor esperança, com vistas ao presente e ao futuro, considerando não só as possibilidades em mão, mas também algo que já temos efetuado em mais de três anos de ação pública e ativa. Você verá, meu filho, que aquela sementeira nos dará extensa lavoura. O seu trabalho crescerá muitíssimo e não só eu que lhe acompanho com “olhos de pai”, mas também amigos e benfeitores nossos, encaram, com muito interesse, o lançamento das bases do grande serviço que aguardamos de seu concurso, em porvir próximo. Observará então, conosco, a alegria da ação benéfica presidida pelo “devotamento invisível”, com a nossa colaboração. A vida é uma luz que se mantém num vasto sistema de cooperativismo, em que, desde o átomo até o astro, cada elo fornece alguma coisa aos elos que lhe são próximos e nós recebemos a dádiva de transfundir em nossas mãos abençoada energia do Poder Maior, em favor dos nossos semelhantes e de nós mesmos.

Sua saúde, felizmente, vai bem. Necessário não esquecer, de quando a quando, os nossos “elementos amigos” da homeopatia, com a proveitosa observação de regime simples em alimentação, mas nesse terreno não preciso estender-me, porque você se vai convertendo em excelente médico de si mesmo. Prossiga, qual vem fazendo, ajudando-se com energia e valor. O trabalho é a bênção que desintegra qualquer espécie de neblina das zonas inferiores, clareando-nos os horizontes.

Trabalhemos felizes, e que Jesus nos abençoe. Muito desejava estender-me mais intensa e extensivamente em derredor dos serviços a que nos consagramos, todavia, devo parar aqui.

Deus o abençoe e lhe multiplique as forças na batalha de cada dia. Forte é aquele que sabe servir sempre no bem de todos e sinto-me feliz identificando-lhe a coragem e a firmeza no esforço diário pela edificação geral.

Com um forte abraço, de coração a coração, guarde as saudades do papai,




Nota da organizadora: em referência ao livro Libertação, psicografado por Francisco Cândido Xavier e ditado por André Luiz. Foi editado pela FEB em 1949.



A. Joviano
Francisco Cândido Xavier

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