Missionários da Luz
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Em todas as reuniões do grupo, junto ao qual funciona Alexandre, com atribuições de orientador, vários são os serviços que se desdobram sob a responsabilidade dos companheiros desencarnados. Nem sempre me foi possível estudá-los separadamente; todavia, respeito a alguns deles, não me furtei ao desejo forte de receber elucidações do respeitável instrutor. Um desses serviços era o de passes magnéticos, ministrados aos frequentadores da casa.
O trabalho era atendido por seis entidades, envoltas em túnicas muito alvas, como enfermeiros vigilantes. Falavam raramente e operavam com intensidade. Todas as pessoas, vindas ao recinto, recebiam-lhes o toque salutar e, depois de atenderem aos encarnados, ministravam socorro eficiente às entidades infelizes do nosso Plano, principalmente as que se constituíam em séquito familiar dos nossos amigos da Crosta.
Indagando de Alexandre, relativamente àquela seção de atividade espiritual, indicando-lhe os companheiros, em esforço silencioso, esclareceu o mentor, com a bondade de sempre:
— Aqueles nossos amigos são técnicos em auxílio magnético que comparecem aqui para a dispensação de passes de socorro. Trata-se dum departamento delicado de nossas tarefas, que exige muito critério e responsabilidade.
— Esses trabalhadores, — interroguei, — apresentam requisitos especiais?
— Sim, — explicou o mentor amigo, — na execução da tarefa que lhes está subordinada, não basta a boa vontade, como acontece em outros setores de nossa atuação. Precisam revelar determinadas qualidades de ordem superior e certos conhecimentos especializados. O servidor do bem, mesmo desencarnado, não pode satisfazer em semelhante serviço, se ainda não conseguiu manter um padrão superior de elevação mental contínua, condição indispensável à exteriorização das faculdades radiantes. O missionário do auxílio magnético, na Crosta ou aqui em nossa Esfera, necessita ter grande domínio sobre si mesmo, espontâneo equilíbrio de sentimentos, acendrado amor aos semelhantes, alta compreensão da vida, fé vigorosa e profunda confiança no Poder Divino. Cumpre-me acentuar, todavia, que semelhantes requisitos, em nosso Plano, constituem exigências a que não se pode fugir, quando, na Esfera carnal, a boa vontade sincera, em muitos casos, pode suprir essa ou aquela deficiência, o que se justifica, em virtude da assistência prestada pelos benfeitores de nossos Círculos de ação ao servidor humano, ainda incompleto no terreno das qualidades desejáveis.
Ouvindo as considerações do orientador, lembrei-me de que, de fato, vez por outra, viam-se nas reuniões costumeiras do grupo os médiuns passistas, em serviço, acompanhados de perto pelas entidades referidas. Vali-me, então, do ensejo para intensificar meu aprendizado.
— Os amigos encarnados, — perguntei, — de modo geral, poderiam colaborar em semelhantes atividades de auxílio magnético?
— Todos, com maior ou menor intensidade, poderão prestar concurso fraterno, nesse sentido, — respondeu o orientador, — porquanto, revelada a disposição fiel de cooperar a serviço do próximo, por esse ou aquele trabalhador, as autoridades de nosso meio designam entidades sábias e benevolentes que orientam, indiretamente, o neófito, utilizando-lhe a boa vontade e enriquecendo-lhe o próprio valor. São muito raros, porém, os companheiros que demonstram a vocação de servir espontaneamente. Muitos, não obstante bondosos e sinceros nas suas convicções, aguardam a mediunidade curadora, como se ela fosse um acontecimento miraculoso em suas vidas e não um serviço do bem, que pede do candidato o esforço laborioso do começo. Claro que, referindo-nos aos irmãos encarnados, não podemos exigir a cooperação de ninguém, no setor de nossos trabalhos normais; entretanto, se algum deles vem ao nosso encontro, solicitando admissão às tarefas de auxílio, logicamente receberá nossa melhor orientação, no campo da espiritualidade.
— Ainda mesmo que o operário humano revele valores muito reduzidos, pode ser mobilizado? interroguei, curioso.
— Perfeitamente, — aduziu Alexandre, atencioso. — Desde que o interesse dele nas aquisições sagradas do bem seja mantido acima de qualquer preocupação transitória, deve esperar incessante progresso das faculdades radiantes, não só pelo próprio esforço, senão também pelo concurso de Mais Alto, de que se faz merecedor.
Não longe de nós, permaneciam os técnicos espirituais do auxílio magnético, em atividade metódica. Reconhecia-lhes nos trabalhos silenciosos um mundo novo de ensinamentos, convidando-me a experiências proveitosas; todavia, anotando as explicações do instrutor, ponderei quanto à possibilidade de contribuição pelo esclarecimento de algum amigo encarnado, em face do assunto, e perguntei:
— Quando na Crosta, envolvidos pelos fluidos mais densos, como poderemos desenvolver a capacidade radiante, depois da edificação de nossa boa vontade real, a serviço do próximo?
O orientador percebeu-me a intenção e elucidou, de pronto:
— Conseguida a qualidade básica, o candidato ao serviço precisa considerar a necessidade de sua elevação urgente, para que as suas obras se elevem no mesmo ritmo. Falaremos tão só das conquistas mais simples e imediatas que deve fazer, dentro de si mesmo. Antes de tudo, é necessário equilibrar o campo das emoções. Não é possível fornecer forças construtivas a alguém, ainda mesmo na condição de instrumento útil, se fazemos sistemático desperdício das irradiações vitais. Um sistema nervoso esgotado, oprimido, é um canal que não responde pelas interrupções havidas. A mágoa excessiva, a paixão desvairada, a inquietude obsidente, constituem barreiras que impedem a passagem das energias auxiliadoras. Por outro lado, é preciso examinar também as necessidades fisiológicas, a par dos requisitos de ordem psíquica. A fiscalização dos elementos destinados aos armazéns celulares é indispensável, por parte do próprio interessado em atender as tarefas do bem. O excesso de alimentação produz odores fétidos, através dos poros, bem como das saídas dos pulmões e do estômago, prejudicando as faculdades radiantes, porquanto provoca dejeções anormais e desarmonias de vulto no aparelho gastrintestinal, interessando a intimidade das células. O álcool e outras substâncias tóxicas operam distúrbios nos centros nervosos, modificando certas funções psíquicas e anulando os melhores esforços na transmissão de elementos regeneradores e salutares.
O mentor fez uma pausa mais longa, observando em mim o efeito de suas palavras, e concluiu:
— Levada a efeito a construção da boa vontade sincera, o trabalhador leal compreende a necessidade do desenvolvimento das qualidades a que nos referimos, porquanto, em contato incessante com os benfeitores desencarnados, que se valem dele na missão de amparo aos semelhantes, recebe indiretas sugestões de aperfeiçoamento que o erguem a posições mais elevadas.
As observações de Alexandre não podiam ser mais claras; contudo, aventurei-me ainda a ponderar:
— Consideremos, todavia, que surja a necessidade imediata de socorrer alguém, no Círculo dos encarnados, e examinemos a hipótese da imprescindibilidade dum instrumento humano. Imaginemos que não exista, de pronto, em derredor de nossa tarefa, o órgão completo e adequado à influenciação das potências superiores. Existirá, certamente, porém, ao nosso lado, um companheiro em condições comuns, que, mergulhado na ignorância, ainda não percebe os perigos a que expõe o próprio corpo, mas que se deixará aproveitar pelo nosso esforço espiritual em benefício de outrem. Será crível que não possa ser aproveitado?
O instrutor sorriu bondosamente, e considerou:
— Seria demasiado rigor. Em todo lugar onde haja merecimento nos que sofrem e boa vontade nos que auxiliam, podemos ministrar o benefício espiritual com relativa eficiência. Todos os enfermos podem procurar a saúde; todos os desviados, quando desejam, retornam ao equilíbrio. Se a prática do bem estivesse circunscrita aos Espíritos completamente bons, seria impossível a redenção humana. Qualquer cota de boa vontade e espírito de serviço recebe de nossa parte a melhor atenção.
Imprimiu Alexandre pequeno intervalo à palestra, e, depois de pensar um minuto, esclareceu:
— Quando nos referimos às qualidades necessárias aos servidores desse campo de auxílio, a ninguém desejamos desencorajar, mas orientar as aspirações do trabalhador para que a sua tarefa cresça em valores positivos e eternos.
Nesse momento, aproximou-se um dos companheiros em serviço, pedindo a cooperação de Alexandre em determinado setor.
Ele atendeu, gentil. No entanto, antes de separar-se de mim, conduziu-me ao reduzido grupo de entidades que se encarregavam dos passes e, apresentando-me ao amigo que chefiava o trabalho, explicou, generoso:
— Anacleto, nosso irmão André Luiz, que exerceu funções de médico na última experiência terrestre, estimaria receber alguns esclarecimentos, quanto aos serviços de sua especialidade. Desde já, agradeço tudo o que você fizer por ele.
O diretor daquele departamento de auxílio acolheu-me fraternalmente e, fosse porque estava em trabalho ativo ou porque se dava a poucas palavras, convidou-me, sem perda de tempo, às observações diretas das atividades sob sua chefia.
Delicadamente, colocou-me ao lado de uma senhora respeitável, que se localizara à mesa, não longe do orientador da casa.
— Vejamos esta irmã, — exclamou Anacleto, prontificando-se ao auxílio afetuoso, — observe-lhe o coração e, principalmente, a válvula mitral.
Detive-me em acurado exame da região mencionada e, efetivamente, descobri a existência de tenuíssima nuvem negra, que cobria grande extensão da zona indicada, interessando ainda a válvula aórtica e lançando filamentos quase imperceptíveis sobre o nódulo sino-auricular. Expus ao novo amigo minhas observações, ao que me respondeu:
— Assim como o corpo físico pode ingerir alimentos venenosos que lhe intoxicam os tecidos, também o organismo perispiritual pode absorver elementos de degradação que lhe corroem os , com reflexos sobre as células materiais. Se a mente da criatura encarnada ainda não atingiu a disciplina das emoções, se alimenta paixões que a desarmonizam com a realidade, pode, a qualquer momento, intoxicar-se com as emissões mentais daqueles com quem convive e que se encontrem no mesmo estado de desequilíbrio. Às vezes, semelhantes absorções constituem simples fenômenos sem maior importância; todavia, em muitos casos, são suscetíveis de ocasionar perigosos desastres orgânicos. Isto acontece, mormente quando os interessados não têm vida de oração, cuja influência benéfica pode anular inúmeros males.
Indicou o coração de carne da irmã presente e continuou:
— Esta amiga, na manhã de hoje, teve sérios atritos com o esposo, entrando em grave posição de desarmonia íntima. A pequena nuvem que lhe cerca o órgão vital representa matéria mental fulminatória. A permanência de semelhantes resíduos no coração pode ocasionar-lhe perigosa enfermidade. Atendamos ao caso.
Sempre sob minha observação, Anacleto assumiu nova atitude, dando-me a entender que ia favorecer suas expansões irradiantes e, em seguida, começou a atuar por imposição. Colocou a mão direita sobre o epigastro da paciente, na zona inferior do esterno e, com surpresa, notei que a destra, assim disposta, emitia sublimes jatos de luz que se dirigiam ao coração da senhora enferma, observando-se nitidamente que os raios de luminosa vitalidade eram impulsionados pela força inteligente e consciente do emissor. Assediada pelos princípios magnéticos, postos em ação, a reduzida porção de matéria negra, que envolvia a válvula mitral, deslocou-se vagarosamente e, como se fora atraída pela vigorosa vontade de Anacleto, veio aos tecidos da superfície, espraiando-se sob a mão irradiante, ao longo da epiderme. Foi então que o magnetizador espiritual iniciou o serviço mais ativo do passe, alijando a maligna influência. Fez o contato duplo sobre o epigastro, erguendo ambas as mãos e descendo-as, logo após, morosamente, através dos quadris até aos joelhos, repetindo o contato na região mencionada e prosseguindo nas mesmas operações por diversas vezes. Em poucos instantes, o organismo da enferma voltou à normalidade.
Eu estava admirado. E como o assunto envolvia problemas espirituais de elevada significação, assim que o instrutor terminou o trabalho, indaguei:
— Perdoe-me a pergunta, mas, na hipótese de não se socorrer esta irmã, da colaboração de uma casa espiritista, como se haveria com a doença oculta? Estaria ao abandono?
— De modo algum, — respondeu Anacleto, sorrindo. — Há verdadeiras legiões de trabalhadores de nossa especialidade amparando as criaturas que, através de elevadas aspirações, procuram o caminho certo nas instituições religiosas de todos os matizes. A manifestação de fé não se limita a simples afirmação mecânica de confiança. O homem que vive mentalmente, visceralmente, a religião que lhe ensina a senda do bem, está em atividade intensa e renovadora, recebendo, por isto mesmo, as mais fortes contribuições de amparo espiritual, porquanto abre a porta viva da alma para o socorro de Mais Alto, através da oração e da posição ativa de confiança no Poder Divino.
O novo companheiro indicou a irmã que se libertara da desastrosa influenciação e esclareceu, depois de uma pausa:
— Nossa amiga está procurando a verdade, cheia de sincera confiança em Jesus. Ovelha fustigada pela tempestade do mundo e inexperiente na esfera do conhecimento, volta-se para o Divino Pastor, como a criança frágil, sequiosa do carinho materno. Estivesse orando numa igreja católica romana ou num templo budista, receberia o socorro de nossa Esfera, por intermédio desse ou daquele grupo de trabalhadores do Cristo. Naturalmente aqui, no seio de uma organização indene das sombras do preconceito e do dogmatismo, nosso concurso fraternal pode ser mais eficiente, mais puro, e as suas possibilidades de aproveitamento são muito mais vastas. É preciso assinalar, porém, que os auxiliadores magnéticos transitam em toda parte, onde existam solicitações da fé sincera, distribuindo o socorro do Divino Mestre, dentro da melhor divisão de serviço. Onde vibre o sentimento sincero e elevado, aí se abre um caminho para a Proteção de Deus.
A elucidação fez-me grande bem pela revelação de imparcialidade na distribuição dos bens de nosso Plano. Entretanto, outra pergunta ocorreu-me, de imediato.
— Todavia, meu amigo, — considerei, — admitamos que esta nossa irmã fosse estranha a qualquer atividade de ordem espiritual. Imaginemo-la sem fé, sem filiação a qualquer escola religiosa e sem qualquer atestado de merecimento na prática da virtude. Ainda assim, receberia o benefício dos passes libertadores?
Anacleto, com aquela bondade paciente que eu conhecia em Alexandre, observou:
— Se fosse uma criatura de sentimentos retos, embora infensa à religião, em suas meditações naturais receberia auxílio, não obstante menor, pela sua incapacidade de recepção mais intensa das nossas energias radiantes; mas, se ficasse integralmente mergulhada nas sombras da ignorância ou da maldade, permaneceria distante da colaboração de ordem superior e as suas forças físicas sofreriam desgastes violentos e inevitáveis, pela continuidade da intoxicação mental. Quem se fecha às ideias regeneradoras, fugindo às leis da cooperação, experimentará as consequências legítimas.
Satisfeito com as elucidações recebidas, reconheci que não me competia interromper o curso dos trabalhos, tão somente para satisfazer minha curiosidade pessoal.
O novo companheiro dirigiu-se a diferente setor.
Postávamo-nos, agora, ao lado de um cavalheiro idoso, para cujo organismo Anacleto me reclamou atenção.
Analisei-o acuradamente. Com assombro, notei-lhe o fígado profundamente alterado. Outra nuvem, igualmente muito escura, cobria grande parte do órgão, compelindo-o a estranhos desequilíbrios. Toda a vesícula biliar permanecia atingida. E via-se, com nitidez, que os reflexos negros daquela pequena porção de matéria tóxica alcançavam o duodeno e o pâncreas, modificando o processo digestivo. Alguns minutos de observação silenciosa davam-me a conhecer a extrema perturbação de que o órgão da bile se sentia objeto. As células hepáticas pareciam presas de perigosas vibrações.
Enderecei ao amigo espiritual meu olhar de admiração.
— Observou? — Disse ele, bondosamente, — toda perturbação mental é ascendente de graves processos patológicos. Afligir a mente é alterar as funções do corpo. Por isso, qualquer inquietação íntima chama-se desarmonia e as perturbações orgânicas chamam-se enfermidades.
Colocou a destra amiga sobre a fronte do cavalheiro e acrescentou:
— Este irmão, portador dum temperamento muito vivo, está cheio dos valores positivos da personalidade humana. Tem atravessado inúmeras experiências em lutas passadas e aprendeu a dominar as coisas e as situações com invejável energia. Agora, porém, está aprendendo a dominar a si mesmo, a conquistar-se para a iluminação interior. Em semelhante tarefa, contudo, experimenta choques de vulto, porquanto, dentro de sua individualidade dominadora, é compelido a destruir várias concepções que se lhe figuravam preciosas e sagradas. Nesse empenho, os próprios ensinamentos do Cristo, que lhe serve de modelo à renovação, doem-lhe no íntimo como marteladas, em certas circunstâncias. Este homem, no entanto, é sincero e deseja, de fato, reformar-se. Mas sofre intensamente, porque é obrigado a ausentar-se de seu campo exclusivo, a caminho do vasto território da compreensão geral. No círculo dos conflitos dessa natureza, vem lutando, desde ontem, dentro de si mesmo, para acomodar-se a certas imposições de origem humana que lhe são necessárias ao aprendizado espiritual, e, no esforço mental gigantesco, ele mesmo produziu pensamentos terríveis e destruidores, que segregaram matéria venenosa, imediatamente atraída para o seu ponto orgânico mais frágil, que é o fígado. Ele, porém, está em prece regeneradora e facilitará nosso serviço de socorro, pela emissão de energias benéficas. Não fosse a oração, que lhe renova as forças reparadoras, e não fosse o socorro imediato de nossa Esfera, poderia ser vítima de doenças mortais do corpo. A permanência de matéria tóxica, indefinidamente, na intimidade deste órgão de importância vital, determinaria movimentos destruidores para os glóbulos vermelhos do sangue, complicaria as ações combinadas da digestão e perturbaria, de modo fatal, o metabolismo das proteínas.
Anacleto fez uma pausa mais longa, sorriu cordialmente e acentuou:
— Isto, porém, não acontecerá. Na luta titânica em que se empenha consigo mesmo, a vontade firme de acertar é a sua âncora de salvação.
Permanecia tão surpreso com o ensinamento, que não ousei dirigir-lhe qualquer interrogação.
Anacleto continuou de pé e aplicou-lhe um passe longitudinal sobre a cabeça, partindo do contato simples e descendo a mão, vagarosamente, até à região do fígado, que o auxiliador tocava com a extremidade dos dedos irradiantes, repetindo-se a operação por alguns minutos. Surpreendido, observei que a nuvem, de escura, se fizera opaca, desfazendo-se, pouco a pouco, sob o influxo vigoroso do magnetizador em missão de auxílio.
O fígado voltou à normalidade plena.
Mais alguns minutos e nos encontramos diante de uma senhora grávida, em sérias condições de enfraquecimento.
Anacleto deteve-se mais respeitoso.
— Aqui, — disse ele, sensibilizado, — temos uma irmã altamente necessitada de nossos recursos fluídicos. Profunda anemia invade-lhe o organismo. Em regime de subalimentação, em virtude das dificuldades naturais que a rodeiam de longo tempo, a gravidez constitui para ela um processo francamente doloroso. O marido é parcamente remunerado e a esposa é obrigada a vigílias, noite a dentro, a fim de auxiliá-lo na manutenção do lar. A prece, porém, não representa para este coração materno tão somente um refúgio. A par de consolações espontâneas, ela recolhe forças magnéticas de substancial expressão que a sustentam no presente drama biológico.
Em seguida, indicou a região do útero e ponderou:
— Observe as manchas escuras que cercam a organização fetal.
Efetivamente, aderindo ao saco de líquido amniótico, viam-se microscópicas nuvens pardacentas vagueando em várias direções, dentro do sublime laboratório de forças geradoras.
Dando-me a perceber seu fundo conhecimento da situação, Anacleto continuou:
— Se as manchas atravessarem o líquido, provocarão dolorosos processos patológicos em toda a zona do epiblasto. E o fim da luta será o aborto inevitável.
Comovidíssimo, contemplei o quadro divino daquela mãe sacrificada, unida à organização espiritual daquele que lhe seria o filho no porvir. Foi o chefe da assistência magnética que me arrebatou daquela silenciosa admiração, explicando:
— Não obstante a fé que lhe exorna o caráter, apesar dos seus mais elevados sentimentos, nossa amiga não consegue furtar-se, de todo, à tristeza angustiosa, em certas circunstâncias. Há seis dias permanece desalentada, aflita. Dentro de algum tempo, o esposo deve resgatar um débito significativo, faltando-lhe, porém, os recursos precisos. A pobre senhora, contudo, além de suportar a carga de pensamentos destruidores que vem produzindo, é compelida a absorver as emissões de matéria mental doentia do companheiro, que se apoia na coragem e na resignação da mulher. As vibrações dissolventes acumuladas são atraídas para a região orgânica, em condições anormais e, por isso, vemo-las congregadas como pequeninas nuvens em torno do órgão gerador, ameaçando, não só a saúde maternal, mas também o desenvolvimento do feto.
Estupefato, ante os novos ensinamentos, reparei que Anacleto chamou um dos auxiliares, recomendando-lhe alguma coisa.
Logo após, muito cuidadosamente, atuou por imposição das mãos sobre a cabeça da enferma, como se quisesse aliviar-lhe a mente. Em seguida, aplicou passes rotatórios na região uterina. Vi que as manchas microscópicas se reuniam, congregando-se numa só, formando pequeno corpo escuro. Sob o influxo magnético do auxiliador, a reduzida bola fluídico-pardacenta transferiu-se para o interior da bexiga urinária.
Intensificando-me a admiração, o novo companheiro, dando os passes por terminados, esclareceu:
— Não convém dilatar a colaboração magnética para retirar a matéria tóxica de uma vez. Lançada no excretor de urina, será alijada facilmente, dispensando a carga de outras operações.
Foi então que se aproximou de Anacleto o servidor a quem me referi, trazendo-lhe uma pequenina ânfora que me pareceu conter essências preciosas.
O orientador do serviço tomou-a, zeloso, e falou:
— Agora, é preciso socorrer a organização fetal. A alimentação da genitora, por força de circunstâncias que independem de sua vontade, tem sido insuficiente.
Anacleto retirou do vaso certa porção de substância luminosa, projetando-a nas vilosidades uterinas, enriquecendo o sangue materno destinado a fornecer oxigênio ao embrião.
Expressando minha profunda admiração pelo concurso eficiente de que fora testemunha, considerou o generoso auxiliador:
— Não podemos abandonar nossos irmãos na carne, ao sabor das circunstâncias, mormente quando procuram a cooperação precisa através da prece. A oração, elevando o nível mental da criatura confiante e crente no Divino Poder, favorece o intercâmbio entre as duas Esferas e facilita nossa tarefa de auxílio fraternal. Imensos exércitos de trabalhadores desencarnados se movimentam em toda parte, em nome de Nosso Pai. Em vista disto, meu irmão, o homem de bem encontrará, depois da morte do corpo, novos mundos de trabalho que o esperam e onde desenvolverá, infinitamente, o amor e a sabedoria, de que possui os germens no coração.
Em seguida, Anacleto passou a atender um cavalheiro, cujos rins pareciam envolvidos em crepe negro, tal a densidade da matéria mental fulminante que os cercava. Aplicou-lhe passes longitudinais, com muito carinho, e, finda a operação, observou-me:
— Um dia, compreenderá o homem comum a importância do pensamento. Por agora, é muito difícil revelar-lhe o sublime poder da mente.
O chefe da assistência magnética ia estender-se, talvez, em considerações educativas, mas um dos cooperadores do serviço aproximou-se e notificou-lhe, atencioso:
— Estimaria receber a sua orientação num caso de “décima vez”. Trata-se do nosso conhecido, que apresenta graves perturbações no baço.
Extremamente surpreendido, acompanhei Anacleto, que se dirigiu para um dos recantos da sala.
À nossa frente estava um cavalheiro idoso, que o orientador examinou com atenção. Por minha vez, observei-lhe o fígado e o baço, que acusavam enorme desequilíbrio.
— Lastimável! — Exclamou o chefe do auxílio, depois de longa perquirição. — Entretanto, apenas poderemos aliviá-lo. Agora, após dez vezes de socorro completo, é preciso deixá-lo entregue a si mesmo, até que adote nova resolução.
E, dirigindo-se ao auxiliar, acentuou:
— Poderá oferecer-lhe melhoras, mas não deve alijar a carga de forças destruidoras que o nosso rebelde amigo acumulou para si mesmo. Nossa missão é de amparar os que erraram, e não de fortalecer os erros.
Percebendo-me o espanto, Anacleto explicou:
— Nosso esforço é também educativo e não podemos desconsiderar a dor que instrui e ajuda a transformar o homem para o bem. Nas normas do serviço que devemos atender, nesta casa, é imprescindível ajuizar das causas na extirpação dos males alheios. Há pessoas que procuram o sofrimento, a perturbação, o desequilíbrio, e é razoável que sejam punidas pelas consequências de seus próprios atos. Quando encontramos enfermos dessa condição, salvamo-los dos fluidos deletérios em que se envolvem por deliberação própria, por dez vezes consecutivas, a título de benemerência espiritual. Todavia, se as dez oportunidades voam sem proveito para os interessados, temos instruções superiores para entregá-los à sua própria obra, a fim de que aprendam consigo mesmos. Poderemos aliviá-los, mas nunca libertá-los.
Depois de ligeira pausa e sentindo que eu não me atreveria a interromper-lhe os preciosos ensinamentos, Anacleto prosseguiu:
— Este homem, não obstante simpatizar com as nossas atividades espiritualizantes, é portador dum temperamento menos simpático, por extremamente caprichoso. Estima as rixas frequentes, as discussões apaixonadas, o império de seus pontos de vista. Não se acautela contra o ato de encolerizar-se e desperta incessantemente a cólera e a mágoa dos que lhe desfrutam a companhia. Tornou-se, por isso mesmo, o centro de convergência de intensas vibrações destruidoras. Veio ao nosso grupo em busca de melhoras, e, desde há muitas semanas, buscamos orientá-lo no serviço do amor cristão, chamando-lhe a consciência à prática de obrigações necessárias ao seu próprio bem-estar. O infeliz, porém, não nos ouve. Adquire ódios com facilidade temível e não percebe a perigosa posição em que se confina. Frequenta-nos há pouco mais de três meses e, durante esse tempo, já lhe fizemos as dez operações de socorro magnético integral, alijando-lhe as cargas malignas, não só dos pensamentos de angústia e represália que ele provoca nos outros; mas também dos pensamentos cruéis que fabrica para si. Agora, temos de interromper o serviço de libertação, por algum tempo. A sós com a sua experiência forte, aprenderá lições novas e ganhará muitos valores. Mais tarde, receberá, de novo, o socorro completo.
Profundamente edificado com o processo educativo, ousei perguntar:
— Qual a medida de tempo estipulada para os casos dessa natureza?
O interlocutor, porém, assumindo atitude discreta, contornou a pergunta e respondeu:
— Varia de acordo com os motivos. O efeito obedece à causa.
Anacleto prosseguiu auxiliando, enquanto eu me perdia em profundas considerações de ordem superior. Depois de partir os laços carnais, compreendemos, com mais clareza e intensidade, a função da dor no campo da justiça edificante. Aquela permanência de minutos, junto ao serviço de assistência magnética, renovava-me as concepções referentemente a socorros e corrigendas. O Senhor ama sempre, mas não perde a ocasião de aperfeiçoar, polir, educar…
Foi Alexandre que, ao reaproximar-se de mim, chamou-me à realidade. Os trabalhos haviam terminado.
Abraçando-me, às despedidas, Anacleto acentuou:
— Será sempre bem-vindo. Volte ao nosso setor, quando quiser. Seu concurso ser-nos-á valioso estímulo!…
Não encontrei expressões para corresponder-lhe à generosidade humilde, mas creio que o devotado auxiliar compreendeu-me o olhar de profundo reconhecimento.
E, acompanhando o meu instrutor, de volta à nossa colônia espiritual, reconheci que meu entendimento se dilatava, como se nova fonte de luz me borbulhasse no coração.
Este texto está incorreto?