Missionários da Luz

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Capítulo V

Influenciação


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Notava, agora, a diferenciação do ambiente. Para nós outros, os desencarnados, a atmosfera interior impregnava-se de elementos balsâmicos, regeneradores. Cá fora, porém, o ar pesava. Acentuara-se-me, sobremaneira, a hipersensibilidade, diante das emanações grosseiras da rua. As lâmpadas elétricas semelhavam-se a globos pequeninos, de luz muito pobre, isolados em sombra espessa.

Aspirando as novas correntes de ar, observava a diferença indefinível. O oxigênio parecia tocado de magnetismo menos agradável.

Compreendi, uma vez mais, a sublimidade da oração e do serviço da Espiritualidade superior, na intimidade das criaturas.

A prece, a meditação elevada, o pensamento edificante, refundem a atmosfera, purificando-a.

O instrutor interrompeu-me as íntimas considerações, exclamando:

— A modificação, evidentemente, é inexprimível. Entre as vibrações harmoniosas da paisagem interior, iluminada pela oração, e a via pública, repleta de emanações inferiores, há diferenças singulares. O pensamento elevado santifica a atmosfera em torno e possui propriedades elétricas que o homem comum está longe de imaginar. A rua, no entanto, é avelhantado repositório de vibrações antagônicas, em meio de sombrios materiais psíquicos e perigosas bactérias de variada procedência, em vista de a maioria dos transeuntes lançar em circulação, incessantemente, não só as colônias imensas de micróbios diversos, mas também os maus pensamentos de toda ordem.


Enquanto ponderava o ensinamento ouvido, reparei que muitos agrupamentos de entidades infelizes e inquietas se postavam nas cercanias. Faziam-se ouvir, através das conversações mais interessantes e pitorescas; todavia, desarrazoadas e impróprias, nas menores expressões.

Alexandre indicou-me pequeno grupo de desencarnados, que me pareceram em desequilíbrio profundo, e falou:

— Aqueles amigos constituem a coorte quase permanente dos nossos companheiros encarnados, que voltam agora ao ninho doméstico.

— Quê? — Indaguei involuntariamente.

— Sim, — acrescentou o orientador cuidadoso, — os infelizes não têm permissão para ingressar aqui, em sessões especializadas, como a desta noite. Nas reuniões dedicadas à assistência geral, podem comparecer. Hoje, entretanto, necessitávamos socorrer os amigos para que o vampirismo de que são vítimas seja atenuado em suas consequências prejudiciais.

Impressionou-me a excelência de orientação. Tudo, naqueles trabalhos, obedecia à ordem preestabelecida. Tudo estava calculado, programado, previsto.


— Agora, — prosseguiu Alexandre, bem humorado, — repare na saída de nossos colaboradores terrestres. Observe a maneira pela qual voltam, instintivamente, aos braços das entidades ignorantes que os exploram.

Fiquei atento. Dispunham-se todos a deixar o recinto, tranquilamente.

À porta, junto de nós, começaram as despedidas entre eles:

— Graças a Deus! — Exclamou uma senhora de maneiras delicadas, — fizemos nossas preces em paz, com imenso proveito.

— Como me sinto melhor! — Comentou uma das amigas mais idosas, — a sessão foi um alívio. Trazia o espírito sobrecarregado de preocupações, mas, agora, sinto-me reconfortada, feliz. Acredito que me retiraram pesadas nuvens do coração. Ouvindo as orações e partilhando as tentativa de desenvolvimento para o serviço ao próximo, grande é o socorro que recebemos! Ah! Como Jesus é generoso.

Um cavalheiro de porte distinto adiantou-se, observando:

— O Espiritismo é o nosso conforto. Os compromissos que temos são muito grandes, diante da verdade. E não é sem razão que o Senhor nos colocou nas mãos as lâmpadas sublimes da fé. Em torno de nossos passos, choram os sofredores, desviam-se os ignorantes no extenso caminho do mal. Dos Céus chegam até nós ferramentas de trabalho. É necessário servir, intensamente, transformando-nos em colaboradores fiéis da Revelação Nova!

— Exatamente! — Concordou uma das interlocutoras, comovida com a exortação, — temos grandes obrigações, não devemos perder tempo. A doutrina confortadora dos Espíritos é o nosso tesouro de luz e consolação. Oh! Meus amigos, como necessitamos trabalhar! Jesus chama-nos ao serviço, é imprescindível atender.

Reconhecendo os característicos de gratidão e louvor da palestra, expressei sincera admiração, exaltando a fidelidade dos cooperadores da casa. Demonstravam-se fervorosos na fé, confiantes no futuro e interessados na extensão dos benefícios divinos, considerando as dores e necessidades dos semelhantes.

Vendo-me as expressões encomiásticas, Alexandre observou, sorrindo:

— Não se impressione. O problema não é de entusiasmo e sim de esforço persistente. Não podemos dispensar as soluções vagarosas. Raros amigos conseguem guardar uniformidade de emoção e idealismo nas edificações espirituais. Vai para nove anos, com algumas interrupções, que me encontro em concurso ativo nesta casa e, mensalmente, vejo desfilar aqui as promessas novas e os votos de serviço. Ao primeiro embate com as necessidades reais do trabalho, reduzido número de companheiros permanece fiel à própria consciência. Nas horas calmas, grandes louvores. Nos momentos difíceis, disfarçadas deserções, a pretexto de incompreensão alheia. Sou forçado a dizer que, na maioria dos casos, nossos irmãos são prestativos e caridosos com o próximo, em se tratando das necessidades materiais, mas quase sempre continuam sendo menos bons para si mesmos, por se esquecerem de aplicação da luz evangélica à vida prática. Prometem excessivamente com as palavras, todavia, operam pouco no campo dos sentimentos. Com exceções, irritam-se ao primeiro contato com a luta mais áspera, após reafirmarem os mais sadios propósitos de renovação e, comumente, voltando cada semana ao núcleo de preces, estão nas mesmas condições, requisitando conforto e auxílio exterior. Não é com facilidade que cumprem a promessa de cooperação com o Cristo, em si próprios, base fundamental da verdadeira iluminação.


Porque Alexandre silenciara, observei atenciosamente os circunstantes. Ainda se achavam todos eles, os encarnados, irradiando alegria e paz, colhidas na rápida convivência com os benfeitores invisíveis. Da fronte de cada um, emanavam raios de espiritualidade surpreendente.

Num gesto significativo, o instrutor esclareceu:

— Eles ainda se encontram sob as irradiações do banho de luz a que se submeteram, através do serviço espiritual com a oração. Se conseguissem manter semelhante estado mental, pondo em prática as regras de perfeição que aprendem, comentam e ensinam, fácil lhes seria atingir positivamente o nível superior da vida; entretanto, André, como nós, que em outros tempos fomos inexperientes e frágeis, eles, agora, ainda o são também. Cada hábito menos digno, adquirido pela alma no curso incessante dos séculos, funciona qual entidade viva, no universo de sentimentos de cada um de nós, compelindo-nos às regiões perturbadas e oferecendo elementos de ligação com os infelizes que se encontram em nível inferior. Examine os nossos amigos encarnados, com bastante atenção.

Contemplei-os com interesse. Trocavam gentilmente as últimas saudações da noite, demonstrando luminosa felicidade.

— Acompanhemos o grupo onde se encontra o nosso irmão mais fortemente atacado pelas inquietações do sexo, — exclamou o orientador, proporcionando-me valiosa experiência.

O rapaz, em companhia de uma senhora idosa e de uma jovem, que logo percebi serem sua mãe e irmã, punha-se de regresso ao lar.

Movimentamo-nos, seguindo-os de perto.

Alguns metros, além do recinto, onde se reuniam os companheiros de luta, o ambiente geral da via pública tornava-se ainda mais pesado.

Três entidades de sombrio aspecto, absolutamente cegas para com a nossa presença, em vista do baixo padrão vibratório de suas percepções, acercaram-se do trio sob nossa observação.

Encostou-se uma delas à senhora idosa e, instantaneamente, reparei que a sua fronte se tornava opaca, estranhamente obscura. Seu semblante modificou-se. Desapareceu-lhe o júbilo irradiante, dando lugar aos sinais de preocupação forte. Transfigurara-se de maneira completa.

— Oh! Meus filhos, — exclamou a genitora, que parecia paciente e bondosa, — por que motivo somos tão diferentes no decurso do trabalho espiritual? quisera possuir, ao retirar-me de nossas orações coletivas, o mesmo bom ânimo, a mesma paz íntima. Isso, porém, não acontece. Ao retomar o caminho da luta prática, sinto que a essência das preleções evangélicas persevera dentro de mim, mas de modo vago, sem aquela nitidez dos primeiros minutos. Esforço-me sinceramente por manter a continuação do mesmo estado dalma; entretanto, algo me falta, que não sei definir com precisão.

Nesse momento, as duas outras entidades, que ainda se mantinham distanciadas, agarraram-se comodamente aos braços do rapaz, que ofereceu aos meus olhos o mesmo fenômeno. Embaciou-se-lhe a claridade mental e duas rugas de aflição e desalento vincaram-lhe as faces, que perderam aquele halo de alegria luminosa e confiante. Foi então que ele respondeu, em voz pausada e triste:

— É verdade, mamãe. Enormes são as nossas imperfeições. Creia que a minha situação é pior. A senhora experimenta ansiedade, amargura, melancolia… É bem pouco para quem, como eu, se sente vítima dos maus pensamentos. Casei-me há menos de oito meses, e, não obstante o devotamento de minha esposa, tenho o coração, por vezes, repleto de tentações descabidas. Pergunto a mim mesmo a razão de tais ideias estranhas e, francamente, não posso responder. A invencível atração para os ambientes malignos confunde-me o espírito, que sinto inclinado ao bem e à retidão de proceder.

— Quem sabe, mano, está você sob a influenciação de entidades menos esclarecidas? — Considerou a jovem, com boas maneiras.

— Sim, — suspirou o rapaz, — por isso mesmo, venho tentando o desenvolvimento da mediunidade, a fim de localizar a causa de semelhante situação.

Nesse instante, o orientador murmurou, desveladamente:

— Ajudemos a este amigo através da conversação.

Sem perda de tempo, colocou a destra na fronte da menina, mantendo-a sob vigoroso influxo magnético e transmitindo-lhe suas ideias generosas. Reparei que aquela mão protetora, ao tocar os cabelos encaracolados da jovem, expedia luminosas chispas, somente perceptíveis ao meu olhar. A menina, a seu turno, pareceu mais nobre e mais digna em sua expressão quase infantil e respondeu firmemente:

— Neste caso, concordo em que o desenvolvimento mediúnico deve ser a última solução, porque antes de enfrentar os inimigos, filhos da ignorância, deveríamos armar o coração com a luz do amor e da sabedoria. Se você descobrisse perseguidores invisíveis, em torno de suas atividades, como beneficiá-los cristãmente, sem a necessária preparação espiritual? A reação educativa contra o mal é sempre um dever nosso, mas antes de cogitar dum desenvolvimento psíquico, que seria talvez prematuro, deveremos procurar a elevação de nossas ideias e sentimentos. Não poderíamos contar com uma boa mediunidade sem a consolidação dos nossos bons propósitos; e para sermos úteis, nos reinos do Espírito, cabe-nos aprender, em primeiro lugar, a viver espiritualmente, embora estejamos ainda na carne.

A resposta, que constituíra para mim valiosa surpresa, não provocou maior interesse em ambos os interlocutores, quase neutralizados pela atuação dos vampiros habituais.

Mãe e filho deixavam perceber funda contrariedade, em face das definições ouvidas. A palavra da menina, cheia de verdadeira luz, desconcertava-os.

— Não tem você bastante idade, minha filha, — exclamou, contrafeita, a velha genitora, — não pode, pois, opinar neste assunto.

E como boa cultivadora de sofrimentos antigos, acentuou:

— Quando você atravessar os caminhos que meus pés já cruzaram, quando vierem as desilusões sem esperança, então observará como é difícil manter a paz e a luz no coração!

— E se algum dia, — falou o rapaz, melancólico, — experimentar as lutas que já conheço, verá que tenho motivos de queixa contra a sorte e que não me sobram outros recursos senão permanecer no círculo das indecisões que me assaltam. Faço quanto posso por desvencilhar-me das ideias sombrias e vivo a combater inesperadas tentações; no entanto, sinto-me longe da libertação espiritual necessária. Não me falta vontade, mas…

Alexandre, que havia retirado a destra de sobre a fronte da jovem, informou, atendendo-me à perplexidade:

— O amigo que se uniu à nossa irmã foi seu marido terrestre, homem que não desenvolveu as possibilidades espirituais e que viveu em tremendo egoísmo doméstico. Quanto aos dois infelizes, que se apegam tão fortemente ao rapaz, são dois companheiros, ignorantes e perturbados, que ele adquiriu em contato com o meretrício.

Diante do meu espanto, o instrutor prosseguiu, explicando:

— O ex-esposo não concebeu o matrimônio senão como união corporal para atender conveniências vulgares da experiência humana e, em vista de haver passado o tempo de aprendizado terreno sem ideais enobrecedores, interessado em fruir todas as gratificações dos sentidos, não se sente com bastante força para abandonar o círculo doméstico, onde a companheira, por sua vez, somente agora, depois da desencarnação dele, começa a preocupar-se com os problemas concernentes à vida espiritual. Quanto ao rapaz, de leviandade em leviandade, criou fortes laços com certas entidades ainda atoladas no pântano de sensações do meretrício, das quais se destacam, por mais perseverantes, as duas criaturas que ora se lhe agarram, quase que integralmente sintonizadas com o seu campo de magnetismo pessoal. O pobrezinho não se apercebeu dos perigos que o defrontavam, e tornou-se a presa inconsciente de afeiçoados que lhe são invisíveis, tão fracos e viciados quanto ele próprio.


— E não haverá recurso para libertá-los? indaguei, emocionado.

O orientador sorriu paternalmente e considerou:

— Mas quem deverá romper as algemas, senão eles mesmos? Nunca lhes faltou o auxílio exterior de nossa amizade permanente; no entanto, eles próprios alimentam-se uns aos outros, no terreno das sensações sutis, absolutamente imponderáveis para os que lhes não possam sondar o mecanismo íntimo. É inegável que procuram, agora, os elementos de libertação. Aproximam-se da fonte de esclarecimento elevado, sentem-se cansados da situação e experimentam, efetivamente, o desejo de vida nova; contudo, esse desejo é mais dos lábios que do coração, por constituir aspiração muito vaga, quase nula. Se, de fato, cultivassem a resolução positiva, transformariam suas forças pessoais, tornando-as determinantes, no domínio da ação regeneradora. Esperam, porém, por milagres inadmissíveis e renunciam às energias próprias, únicas alavancas da realização.

— Mas não poderíamos provocar a retirada dos vampiros inconscientes? — Perguntei.

— Os interessados, — explicou Alexandre, a sorrir, — forçariam, por sua vez, a volta deles. Já se fez a tentativa que você lembrou, no propósito de beneficiá-los de modo indireto, mas a nossa irmã se declarou demasiadamente saudosa do companheiro e o nosso amigo afirmou, intimamente, sentir-se menos homem, levando humildade à conta de covardia e tomando o desapego aos impulsos inferiores por tédio destruidor. Tanto expediram reclamações mentais que as suas atividades interiores constituíram verdadeiras invocações; e, em vista do vigoroso magnetismo do desejo constantemente alimentado, agregaram-se-lhes, de novo, os companheiros infelizes.

— Mas vivem assim imantados uns aos outros, em todos os lugares? — Indaguei.

— Quase sempre. Satisfazem-se, mutuamente, na permuta contínua das emoções e impressões mais íntimas.

Preocupado em fazer algum bem, ponderei:

— Quem sabe poderíamos conduzir estas entidades ao devido fortalecimento? Não será razoável doutriná-las, incentivando-as ao equilíbrio e ao respeito próprio?

— Semelhante recurso, — falou Alexandre, complacente, — não foi esquecido. Essa providência vem sendo efetuada com a perseverança e o método precisos. Todavia, tratando-se de um caso em que os encarnados se converteram em poderosos ímãs de atração, a medida exige tempo e tolerância fraternal. Temos grande número de trabalhadores, consagrados a esse mister, em nosso Plano, e aguardamos que a semeadura de ensinamentos dê seus frutos. De qualquer modo, esteja convicto de que toda a assistência tem sido prestada aos amigos sob nossa observação. Se ainda não avançaram, todos eles, no terreno da espiritualidade elevada, isto só se verifica em razão da fraqueza e da ignorância a que vivem voluntariamente escravizados. Colhem o que semeiam.


Nesse instante, fixamos novamente a atenção na palestra que se desdobrava:

— Faço o que posso, — repetia o rapaz, em desalento, — entretanto, não consigo obter a tranquilidade interior.

— Ocorre comigo o mesmo fato, — observava a genitora, em tom triste. — Minhas únicas melhoras se verificam por ocasião de nossas preces coletivas. Em seguida, as piores emoções me assaltam o espírito. Vivo sem paz, sem apoio. Oh! Meus filhos, é cruel rolar assim, pelo mundo, como náufrago sem orientação!

— Compreendo-a, mamãe, — tornou o filho, como que satisfeito por alimentar as impressões nocivas que lhe ocupavam a mente, — compreendo-a, porque as tentações me transformam a vida num cipoal de sombras espessas. Não sei mais que fazer para resistir aos pensamentos amargos. Ai de nós, se o Espiritismo não houvesse chegado aos nossos destinos como sagrada fonte de sublimes consolações!

Nesse momento, Alexandre colocou novamente a destra sobre a fronte da jovem, que lhe traduziu o pensamento, em tom de respeito e carinho:

— Concordo em que o Espiritismo é nosso manancial de consolo, mas não posso esquecer que temos na Doutrina a bendita escola de preparação. Se permanecermos arraigados às exigências de conforto, talvez venhamos a olvidar as obrigações do trabalho. Creio que os instrutores da verdade espiritual desejam, antes de tudo, a nossa renovação íntima, para a vida superior. Se apenas buscarmos consolação, sem adquirir fortaleza, não passaremos de crianças espirituais. Se procurarmos a companhia de orientadores benevolentes, tão só para o gozo de vantagens pessoais, onde estará o aprendizado? acaso não permanecemos, aqui na Terra, em lição? Teríamos recebido o corpo, ao renascer, apenas para repousar? É incrível que os nossos amigos da Esfera superior nos venham suprimir a possibilidade de caminhar por nós mesmos, usando os próprios pés. Naturalmente, não nos querem os benfeitores do Além para eternos necessitados da casa de Deus e, sim, para companheiros dos gloriosos serviços do bem, tão generosos, fortes, sábios e felizes quanto eles já o são.

E modificando a inflexão de voz, desejosa de demonstrar a ternura filial que lhe vibrava nalma, acentuou:

— Mamãe sabe como lhe quero bem, mas alguma coisa, no fundo da consciência, não me permite comentar as nossas necessidades senão assim, ajustando-me aos elevados ensinamentos que a Doutrina nos gravou no coração. Não posso compreender Cristianismo sem a nossa integração prática nos exemplos do Cristo.


Em virtude de o instrutor haver interrompido a operação magnética e porque me encontrasse perplexo ante a facilidade com que a menina lhe recebia os pensamentos, quando observara tanta complexidade nos serviços de psicografia, expus ao orientador amigo as indagações que me assaltavam o espírito.

Sem titubear, Alexandre explicou:

— Aqui, André, observa você o trabalho simples da transmissão mental e não pode esquecer que o intercâmbio do pensamento é movimento livre no Universo. Desencarnados e encarnados, em todos os setores de atividade terrestre, vivem na mais ampla permuta de ideias. Cada mente é um verdadeiro mundo de emissão e recepção e cada qual atrai os que se lhe assemelham. Os tristes agradam aos tristes, os ignorantes se reúnem, os criminosos comungam na mesma esfera, os bons estabelecem laços recíprocos de trabalho e realização. Aqui temos o fenômeno intuitivo, que, com maior ou menor intensidade, é comum a todas as criaturas, não só no plano construtivo, mas também no círculo de expressões menos elevadas. Temos, sob nossos olhos, uma velha irmã e seu filho maior completamente ambientados na exploração inferior de amigos desencarnados, presas de ignorância e enfermidade, estabelecendo perfeito comércio de vibrações inferiores. Falam sob a determinação direta dos vampiros infelizes, transformados em hóspedes efetivos do continente de suas possibilidades fisicopsíquicas. Permanece também sob nossa análise uma jovem que, presentemente, atingiu dezesseis anos de nova existência terrestre. Suas disposições, contudo, são bastante diversas. Ela consegue receber nossos pensamentos e traduzi-los em linguagem edificante. Não está propriamente em serviço técnico da mediunidade, mas no abençoado trabalho de espiritualização.

E indicando a mocinha, cercada de maravilhoso halo de luz, acrescentou:

— Conserva, ainda, o seu vaso orgânico na mesma pureza com que o recebeu dos benfeitores que lhe prepararam a presente reencarnação. Ainda não foi conduzida ao plano de emoções mais fortes, e as suas possibilidades de recepção, no domínio intuitivo, conservam-se claras e maleáveis. Suas células ainda se encontram absolutamente livres de influências tóxicas; seus órgãos vocais, por enquanto, não foram viciados pela maledicência, pela revolta, pela hipocrisia; seus centros de sensibilidade não sofreram desvios, até agora; seu sistema nervoso goza de harmonia invejável, e o seu coração, envolvido em bons sentimentos, comunga com a beleza das verdades eternas, através da crença sincera e consoladora. E, além disso, não tendo débitos muito graves do pretérito, condição que a isenta do contato com as entidades perversas que se movimentam na sombra, pode refletir com exatidão os nossos pensamentos mais íntimos. Vivendo muito mais pelo espírito, nas atuais condições em que se encontra, basta a permuta magnética para que nos traduza as ideias essenciais.

— Isto significa, — perguntei, — que esta jovem é bastante pura e que continuará com semelhantes facilidades, em toda a existência?

Alexandre sorriu e observou:

— Não tanto. Ela ainda conserva os benefícios que trouxe do Plano espiritual e as cartas da felicidade ainda permanecem nas suas mãos para extrair as melhores vantagens no jogo da vida, mas dependerá dela o ganhar ou perder, futuramente. A consciência é livre.

— Então, — continuei perguntando, — não seria difícil prepararem-se todas as criaturas para receberem a influenciação superior?

— De modo algum, — esclareceu ele, — todas as almas retas, dentro do espírito de serviço e de equilíbrio, podem comungar perfeitamente com os mensageiros divinos e receber-lhes os programas de trabalho e iluminação, independentemente da técnica do mediunismo que, presentemente, se desenvolve no mundo. Não há privilegiados na Criação. Existem, sim, os trabalhadores fiéis, compensados com justiça, seja onde for.

Fortemente emocionado com as observações ouvidas, senti que o meu pensamento se perdia num mar de novas e abençoadas ilações.




André Luiz
Francisco Cândido Xavier

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