Somente Amor

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Capítulo XX

Recordação de Barrabás


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Expirara, por fim, o Mestre Nazareno.

Cessara a gritaria… O Céu, dantes sereno,

De improviso apresenta a sombra que o invade…

Anuncia-se enorme tempestade.


Raros amigos

Permanecem no monte.

Cristo agora está morto,

Pendera-se-lhe a fronte

Despegada do lenho…

Tudo ali era pó, tristeza, desconforto…


Nisso, um homem tristonho e maltrapilho,

Qual mendigo varando a névoa espessa,

Abeira-se da cruz… É Barrabás

Que exibe extensa chaga na cabeça,

Sanguinolenta nódoa adquirida

Na enfermiça prisão que lhe amargara a vida,

Sem arrimo e sem paz.


O pobre delinquente

Que tivera o favor da multidão

Obtendo perdão,

Em lugar de Jesus,

Parou ali, fitando longamente

O réu crucificado.


“Por que motivo fora o Cristo condenado?”

— Em solilóquio amargo, refletia —

“Não era Cristo o Sol do novo dia

O Grande Prometido anunciado?…”


Enquanto se ralava em pensamento,

Pequena gota de suor sangrento

Veio do morto a ele,

Em movimento subitâneo,

Talvez trazida pelo vento

Ao lhe pousar no crânio…


“Oh! prodígio dos Céus!…”

— exclamou Barrabás

E levando à cabeça as mãos inquietas,

Ajuntou assombrado:

“Que vejo aqui? Estou recuperado!…

Este amigo dos pobres Galileus

Terá vindo de Deus?…

A chaga que eu trazia em sangue e lodo

Foi curada de todo…”


E, erguendo mais a voz ao Céu, marcado a trevas

Exaltou-se, fremente:

“Agradeço-te, oh! Deus Onipotente

À inesperada graça a que me levas,

Curaste-me ao suor de teu Messias

A ferida cruel que me arrasava os dias,

Não só isto, porém

Oh! Deus do Eterno Bem!…

Não quiseste salvar quem falava em teu nome

E fizeste-me livre novamente,

Ante a comprovação de toda gente…

Não há condenação que me busque ou me tome

Sinto-me, agora, oh! Deus, em plena luz,

Colocaste-me acima de Jesus!…

Matei, furtei, prejudiquei… No entanto,

Vejo-me sob a força de teu manto…

A ti, Grande Jeovah, o meu louvor sem fim,

Desprezaste a Jesus e libertaste a mim!…”


E tomado de orgulho,

Insensível de todo ao crescente barulho

Dos trovões e do vento em derredor,

Com terrível acento

Ele bradou ao firmamento:

— “Fala, grande Jeovah, o que já sei…

Abatido Jesus, conforme a Lei,

Livre, tal qual me vejo,

Serei eu o maior?”


Entretanto, um dos anjos de alto nível

Que velava na tarde inesquecível,

Representando os Céus, ao pé da cruz,

Tomou a forma humana e disse:— “Barrabás,

Não nos roubes a paz,

Nem blasfemes, à frente de Jesus!…

Toda vida é missão perante Deus

Que a Lei de Deus pode alterar,

Reconstruir, mudar ou recompor

Nos princípios do amor!…

Mas ouve, meu irmão,

Entre a tua existência e a senda do Senhor

A diferença é ilimitada,

Aos chamados do Pai, eis que Jesus se eleva

Em liberdade plena, à Vida Soberana,

Quanto a ti, Barrabás, na estrada humana,

Continuas cativo às correntes da treva

Que entreteceste, em torno de ti mesmo…

Jesus resplenderá nos cimos do Universo

Teu destino, porém, mostra rumo diverso…

No indulto que tiveste, ante aplausos embora,

Guarda a certeza disto: —

Não mereces morrer para ser livre agora…

Com o amparo do Cristo,

Seguirás para a frente, a passo tardo,

Suportarás o fardo

Dos remorsos de fel a que te algemas…

O Senhor buscará nas Alturas Supremas

Os sóis livres do Eterno Alvorecer

A Pátria dos Heróis, ridente e linda…

Quanto a ti, Barrabás, é cedo ainda

Para buscar o Além… O resgate é dever…

Segue, querido irmão,

À procura da própria redenção,

Necessitas dá Terra…

É preciso aprender…”


Barrabás, assustado, pôs-se em pranto,

E vergado de dor, angústia e espanto,

Viu-se no temporal rude e violento;

Preso às cadeias do arrependimento…

E agora mais em si, mais solitário

Desceu chorando as pedras do Calvário;

E espancado a granizo, a pensar e a sofrer,

Falava, a sós consigo, alarmado e abatido:

— “Graças te dou, meu Deus, por haver compreendido!…

Necessito da Terra … É preciso aprender!…”




Maria Dolores
Francisco Cândido Xavier

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