Vida em vida

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Capítulo XXX

Encontro inesquecível


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A nossa reunião em preces começara.

Em derredor, a névoa densa…

Éramos oito irmãos, ante a presença

Da inteligência rara

De antigo delinquente,

Que precisava rumo diferente.


Finda a nossa oração,

O Instrutor exclamou, emocionado:

— Escuta, meu irmão,

Agora, és nosso convidado

Para a escola do amor.

Em nome de Jesus, cuja paz nos alcança,

Rogamos-te esquecer os gestos de vingança

Que exerces sobre humilde lar terreno,

Hoje quase desfeito

Sem que a piedade te penetre o peito,

Semelhante a motor sustentado a veneno…


Uma estranha e estridente gargalhada

Ecoou, sob a névoa desolada.


— Nunca! — disse o infeliz, mal disfarçando a ira,

— Não me faleis de amor, essa eterna mentira,

Farei justiça pelas próprias mãos.

Estou cansado de preceitos vãos.

Ingênuos pregadores, que dizeis

De tudo o que sofri no relho da injustiça?

Das mistificações de vossas duras leis,

Das crenças que ostentais com virtude postiça?

Ninguém me arrancará do ódio que me escolta,

Quero ser a vingança, o rebate, a revolta…


Pobre órfão de mãe, sem pai que me quisesse,

Para sobreviver doente, exausto e roto,

Fiz-me rato de esgoto,

Embora o homem, meu pai, amplamente soubesse

Que eu tinha sob os pés o abismo por destino…

Fui ladrão e assassino,

Temível salteador

Respondendo a sarcasmo o fel de minha dor!…


Ante a pausa pequena,

O Instrutor indagou em voz serena:

— E Deus, irmão? Que fizeste de Deus?

— Eu preferi trilhar a estrada dos ateus

— Replicou, apressado, o Espírito infeliz —

— Se há Deus também é um Pai que não me quis;

Sei que saí da morte e existo em outro Plano,

Mas não quero ilusões do pensamento humano!…


— E o bem? Não queres crer na prática do bem? —

— Disse o Orientador, paciente e amigo —

— Não desejamos obrigar-te,

Quanto possas, porém, modifica-te e vem

Ao caminho do amor que é sempre o nosso abrigo,

A doar-nos socorro em qualquer parte.


— Tolice!… — proclamou a rebelde entidade

O bem aduba o mal em toda a Humanidade,

A prática do bem sugere desacatos,

É a galinha a sofrer na desova de ingratos.


Notando-lhe a feição empedernida,

O nosso grupo em prece ao Criador da Vida

Pediu por ele apoio e proteção.

Assim que terminou a singela oração


Que o nosso Condutor em pranto formulara,

Veio do Azul Imenso uma luz rosicler

Que se fez, entre nós, simpática mulher…

Abraçou-nos sorrindo, em júbilo e tristeza,

Dirigindo-se após ao rude sofredor,

Falou-lhe em doce voz, repassada de amor:

— Filho, Deus te abençoe!… — E o pobre a ouvi-la,

Qual se atendesse, enfim, a invencível comando,

Cambaleou sem força e gritou, soluçando:

— Mãe, generosa mãe, rever-te me aniquila…

Não me retenhas, mãe! A treva me reclama,

Fita-me o peito em fel, a converter-se em lama…

Sou apenas um monstro, acusado e infeliz!…


Ela, porém, sentou-se, linda tal qual era,

Colocou-lhe a cabeça no regaço

E parecendo um anjo, acalmando uma fera, a lhe

[apontar a imensidão do Espaço:

— Filho, és meu ideal, o mais belo e o mais santo;

Não te sintas a sós, eu nunca te amei tanto

Quanto agora que estás desolado e sozinho.

Não te creias no mal, és um filho dos Céus,

Deus não cria em ninguém o estigma dos réus.

A vida nos fará renovado caminho.

Erraste, filho meu, mas as faltas que tens

Resgataremos nós com nossos novos bens.

Retornarei à Terra e seguirás comigo,

Viveremos num lar singelo, claro e amigo;

Conforme a proteção de Afetos 1mortais,

Terás comigo o amor de meus futuros pais…

No tempo em que eu dormir e pequenina for

Serás junto a meu berço,

Meu fiel companheiro e maior defensor…

E, em regressando a ser a menina-criança,

Estarás junto a mim por meu sonho-esperança.

Nos bebês que eu tiver, em brinquedos do lar,

Sei que te embalarei com canções de ninar;

E ao tornar-me mulher, sem qualquer empecilho,

Serás, então, de novo,

Ante a bênção de Deus, meu tesouro e meu filho…

Não chores mais. Agora, é o fim da longa espera,

Raiará para nós a nova primavera…

Não te importem a luta, o esforço, a prova e a dor!…

Todo lugar é Céu onde está nosso amor!…


Calou-se a mãe sublime. E, entre nós, em seguida,

Ergueu-se a sustentá-lo com ternura,

Qual se o pobre lhe fosse a própria vida.

Depois, a despedir-se, a nobre criatura,

Na carícia de luz, que das mães se descerra,

Partiu a carregá-lo, em direção da Terra.


Nosso Mentor, em voz pausada e enternecida,

Agradeceu aos Céus a tarefa cumprida.

E, qual se me encontrasse, em reunião qualquer,

Exclamei, a chorar, em êxtase profundo:

— Sê louvado, meu Deus, porque deste à mulher

A chave para a vida e a redenção do Mundo!…




Maria Dolores
Francisco Cândido Xavier

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