Capítulo XVII

Na Escola de Iluminação


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Infinita é a bondade do Senhor que não força a criatura e espera sempre!

Se fosse fustigado pelos amigos com palavras rudes, logo após a desencarnação; se me relembrassem descaridosamente os erros, talvez me refugiasse na própria resistência, acentuando as sombras que me dominavam a alma. Provavelmente inventaria recursos contra o serviço da luz. As advertências, todavia, alcançavam-me, silenciosas. A assistência de minha filha, os cuidados do Irmão Andrade, as palestras de Guillon e o devotamento de Bittencourt Sampaio transbordavam amor que renova e eleva sem alarde.

Ninguém me humilhava. Ao invés disso, de todos recebia incentivo à melhoria própria. Salutares modificações me alegravam, penetrando-me o coração, sem ruído.

Em razão de tudo isso, no dia imediato ao entendimento com Bittencourt, no grande santuário, trazia o espírito mergulhado em reflexões graves e profundas.

Como receber companheiros para o trabalho se me sentia inapto e obscuro? No íntimo, pretendia absorver-me em preocupações esmagadoras, ganhar tempo aprendendo e servindo; no entanto, nos recessos da consciência perseverava a lembrança daquele ensinamento evangélico alusivo ao “cego guiando cegos”. (Mt 15:14) Não. Não deveria precipitar-me. Convinha meditar em oração, suplicando ao Senhor acréscimo de visibilidade espiritual. Era inadiável o meu reajustamento, antes de entregar-me a novas empresas.



Nesse estado dalma, recebi a visita intencional de Guillon, que me asseverou não ignorar quanto me ocorria. Atribuiu-me as dificuldades à transitória inadaptação à vida espiritual e aconselhou-me um curso rápido numa das escolas de iluminação, existentes ali.

E como eu lhe pedisse ajuda, explicou-me, sorridente, que encaminharia a solução do problema com o Irmão Andrade, esclarecendo, leal:

— Nesse serviço novo, Jacob, procure ser menino outra vez. Não guarde ideias preconcebidas. Esqueça o homem de negócios que foi, olvide a sua posição de comandante com subordinados e pessoas agradecidas à sua disposição. Chega sempre o momento em que nos cabe devolver ao Senhor as dádivas que nos empresta a título precário. De mente lavada e fresca, você aprenderá melhor o sentido da vida real. Saber recomeçar aqui é uma ciência agradável e ao mesmo tempo complexa.

Ouvi-lhe atentamente o conselho e depois de breve combinação com a filha, fui conduzido pelo Irmão Andrade a uma das dependências do mesmo templo que visitáramos na véspera.

Algumas dezenas de Espíritos aí se achavam em contato com os instrutores.

Notei que as aulas iam animadas; todavia, não se revestiam de caráter solene e por esse motivo tornava-se difícil destacar professores e aprendizes.

Tudo simples e cordial.

Primava o ambiente pela expressão acolhedora.

Dissertações graves, em fraternidade envolvente.

Andrade confiou-me à proteção do gabinete administrativo e afastou-se, depois de explicar que me dedicaria ao aprendizado de apenas algumas semanas, por ser detentor de certa bagagem de conhecimentos elevados recolhidos na Esfera carnal, considerando-se que a maioria dos companheiros ali estacionados nas lições diuturnas, disputavam, por enquanto, alguns recursos rudimentares da espiritualidade superior.



Vendo-me a sós com o instrutor que me atendia, surpreendido gravei suas palavras estimulantes e afáveis.

Revelava-se sinceramente interessado em auxiliar-me.

Conduzindo-me a extenso recinto da organização, falou-me, alegre e franco:

— Você apreciará ensinamentos e valer-se-á das possibilidades da escola, com a eficiência precisa, em meio de Espíritos que lhe são desconhecidos até agora. Em matéria de aprendizado iluminativo, as afeições terrestres nem sempre ajudam. Comumente perturbam, aliás. A conquista de luz interior demanda certa violência aos interesses do “eu” e os parentes ou afins, por vezes, tocados de afeição exclusivista, provocam vibrações de piedade mal conduzida, de amor-próprio ferido, de melindres desnecessários e ciúmes nocivos. Isto, na maior parte das ocorrências, envolve a alma numa redoma de perigosa ilusão, tal como se um material isolante nos afastasse do clima real da vida. Cada qual de nós é um problema particular na Criação Divina. Enfrentemos corajosamente os nossos enigmas. Se é preciso libertar das zonas inferiores o coração, para religá-lo aos Planos mais elevados, tenhamos suficiente valor para fazê-lo. Em tarefa como a que se vai iniciar, a demora da mente nas fórmulas mais respeitáveis de retenção pode ser ruinosa.

Fitei o interlocutor, esperançoso e contente, e talvez porque me observasse o juvenil anseio de aprender com proveito, bateu-me paternalmente nos ombros e rematou, sorrindo:

— Seja feliz! Lembre-se de sua necessidade de transformação salutar e prossiga fortalecido e sereno.

Daí a instantes, tomava lugar entre os assistentes.

Nenhum conhecido. Nenhum laço que me fizesse retomar mentalmente o passado.

Soube, aliás, mais tarde, que esse característico da instituição é providencial.

Ainda não nos achamos num campo de amor equilibrado. A herança do “círculo consanguíneo”, da “simpatia incondicional”, do “grupo sectário” ou do “impulso preferencial” ainda nos acompanha intensamente à Esfera em que me reajusto. A autoridade superior nos permite conservar semelhante patrimônio em sua feição venerável de inclinação construtiva, durante o tempo que disputamos; todavia, no regime de aclaramento espiritual, é prudente agir contra qualquer situação exclusivista. Daí a conveniência da congregação de elementos neutros entre si, porque a amizade que aí se estabelece não tem os resquícios da paixão terrena que, mesmo em seu aspecto formoso e nobre dentro do qual é aproveitada na elevação de nível cultural e sentimental do mundo, funciona contra a harmonia da mente, sem a qual é impossível acender a própria luz.



Dentro em pouco, familiarizara-me no curso. Destina-se a organização ao suprimento de valores educativos aos Espíritos procedentes da Esfera carnal, mas sem grandes compromissos no desvio do bem.

É curioso notar que a maioria dos alunos se encontram na posição do homem necessitado de metal precioso, que houvesse demorado muito tempo, junto ao filão aurífero, esquecendo o próprio objetivo.

Os professores são incansáveis em esclarecer que na reencarnação temos o mais valioso instituto iluminativo, acentuando que, na realidade, todas as lutas terrestres objetivam redimir o Espírito e inflamá-lo de virtudes celestiais. Acrescentam, no entanto, que, chegado ao santuário do corpo físico, o homem olvida os imperativos de sua permanência nos vários degraus da preparação e passa a perseguir inutilidades ou vantagens efêmeras, quando se não arvora em observador tirânico ou impiedoso crítico dos próprios irmãos de luta. Vicia a mente na ociosidade, em face da gloriosa bênção recebida e, muita vez, abandona a escola da carne, em deploráveis condições morais, pelos débitos assumidos no mau uso do livre-arbítrio perante as leis inelutáveis que governam a vida.

Ao invés de respeitar o material de serviço redentor e mobilizá-lo em benefício de si mesmos, os aprendizes da sabedoria, na experiência terrena, inutilizam-no com indiferença, em prejuízo próprio, quando o não aproveitam, lastimavelmente, na perpetração de faltas criminosas. Porém, quando a alma se afasta do Plano carnal seguida de valores intercessores do devotamento fraterno, pela boa vontade que demonstrou no serviço aos semelhantes, é-lhe permitido frequentar as instituições iluminativas, além da morte, com possibilidades na ação prática, entre os núcleos de entidades inferiores.

Compreende-se, então, que todos os conflitos da luta carnal se revestem de sublimes finalidades.

Na vida real do Espírito, o sofrimento perde o aspecto sombrio. Não é entendido tão somente por recurso expiatório ou regenerativo, mas também por bênção salvadora que aprimora e ilumina sempre. O homem agarrado ao prazer fácil de um minuto perde a bendita sementeira da eternidade. Somente por isso é que não extrai do obstáculo, da dor e da dificuldade o conteúdo de alegria imperecível que oferecem à alma.

Algo surpreendido, vim a saber que, se o solo bruto ajuda o lavrador e educa-o, através do trabalho que o melhora e enriquece, assim também as inteligências inferiores e rudes beneficiam os Espíritos superiores em conhecimento ou virtude, quando estes se interessam na dilatação de seus próprios poderes, tanto quanto numa agremiação escolar o lucro legítimo pertence àquele que ensina e se dedica à preparação de alunos distraídos ou ingratos.

Os casos agrupados na escola são dignos de menção especial. Os companheiros contam os mais interessantes episódios em matéria de fuga ao ensejo da felicidade definitiva. Escaparam ao tesouro da santificação íntima, deliberadamente, por infantil receio de sofrimentos e humilhações. Grandes e abençoadas oportunidades de subida a luminosas culminâncias foram perdidas; e agora, qual me ocorre, reparam o tempo menosprezado por intermédio de mais intenso labor.



Do acervo de primorosos livros, cuja existência me foi permitido observar, um dos instrutores retirou certa cartilha de afirmações sintéticas destinadas a despertar a mente, recomendando-me acurada meditação na leitura.

Dentre o conjunto, posso destacar algumas que interessam, de perto, aos companheiros que se dispuserem a receber minhas despretensiosas notícias:

“Cada Espírito é um mundo vivo com movimento próprio, atendendo às causas que criou para si mesmo, no curso do Tempo, gravitando em torno da Lei Eterna que rege a Vida Cósmica.”

“Dois terços das criaturas humanas encarnadas na Crosta da Terra demoram-se em jornada evolutiva da Irracionalidade para a Inteligência ou da Inteligência para a Razão; a terça parte restante acha-se em trânsito da Razão para a Humanidade. Fora do corpo terrestre, mas ligados ao mesmo Plano, evolutem bilhões de seres pensantes nas mesmas condições.”

“Em Esferas mais elevadas do planeta, outros bilhões de almas caminham da Humanidade para a Angelitude.”

“O processo de educação do Ser para a Divindade tem sua base no reencarnacionismo e no trabalho incessante.”

“O instituto das compensações funciona igualmente para todos.”

“Ninguém ilude as leia universais.”

“Os recursos de dignificação da individualidade permanecem ao dispor da comunidade planetária nas diversas escolas religiosas da Terra, escolas que se diferenciam no culto externo, de acordo com os impositivos de espaço e tempo, mas que, no fundo e em essência, se irmanam na Fonte da Eterna 5erdade, em que a integração da Alma com a Luz Divina se realiza por intermédio do Supremo Bem.”

“Jesus é o Ministro do Absoluto, junto às coletividades que progridem nos Círculos terrestres; os grandes instrutores do mundo, fundadores de variados sistemas de fé, representam mensageiros d’Ele, que nos governa, desde o princípio.”

“Toda criatura humana possui consigo as sementes da Sabedoria e do Amor; quando ambientar esses divinos germes dentro de si mesma e desenvolvê-los amplamente através dos séculos incessantes, conquistará as qualidades do Sábio e do Anjo, que se revelam na sublime personalidade dos Filhos de Deus, em maioridade divina.”


Enquanto no corpo de carne, muitas vezes apressadamente, como se devorasse qualquer alimento sem mastigá-lo — tomei conhecimento das instruções de ordem superior. Entretanto, ali, à vista das circunstâncias em que me encontrava, a leitura me obrigou a sérios pensamentos.




Irmão Jacob
Francisco Cândido Xavier

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III Joao 1:14

Espero, porém, ver-te brevemente, e falaremos de boca a boca.

3jo 1:14
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Mateus 15:14

Deixai-os: são condutores cegos: ora, se um cego guiar outro cego, ambos cairão na cova.

mt 15:14
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