Capítulo XVI

A palavra do companheiro


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Por mais que tentem os mensageiros espirituais descrever a grandeza das demonstrações da alma eterna aos ouvidos do homem que se demora no mundo, jamais encontrarão recursos com que expressem a realidade.

Submetido a salutares limitações, o Espírito encarnado é incapaz de traduzir a beleza celeste. A sensibilidade educada na ciência ou na virtude percebe-a qual relâmpago fugaz, tentando aprisioná-la no verbo, no som ou na cor, acessíveis à apreciação humana; todavia, os artifícios da inteligência não bastam para a fixação da claridade divina.

Entre o êxtase e o assombro, notei que a estrela se transformava lentamente. Da nebulosa radiante alguém se destacou, nítido e reconhecível para mim.

Era o magnânimo Bittencourt Sampaio, cuja expressão resplandecente constituía o que imagino num ser angélico.

Cercavam-no vastas auréolas rutilantes.

Surpreendido e envergonhado, busquei recuar, mas não consegui. Tentei ajoelhar-me, mas Guillon sustentou-me nos braços.

Sem gestos convencionais, sem qualquer atitude que denotasse afetação, saudou a assembleia e encaminhou-se para mim, pronunciando frases que eu não merecia…



Pousando a destra sobre a minha fronte, continuou, com nobreza e sinceridade:

— Jacob, fizeste bem, anunciando as próprias faltas neste plenário fraterno!

A Infinita Sabedoria instala tribunais para julgar aqueles que não a conhecem, porque a ignorância reclama lições às vezes rudes dos planos exteriores, mas os filhos do conhecimento santificante condenam ou salvam a si mesmos.

Os surdos voluntários exigem fenômenos ruidosos no terreno da expiação, para que se lhes desenvolva a acústica; e os cegos desse jaez pedem medidas espetaculares nos círculos da dor, a fim de que se lhes dilate a visão…

Para nós, porém, que aceitamos a graça da Revelação Divina, semelhantes providências se fazem inúteis.

A própria consciência lavra em nós irrevogáveis arestos.

Somos o fruto de nossa sementeira.

Erramos e acertamos, aprendendo, corrigindo e aprimorando sempre, até à conquista do Supremo Equilíbrio.

Não te prendas, pois, às sombras destrutivas do remorso ou da queixa.

Quem terá passado incólume nos precipícios das paixões humanas, senão o Mestre Amado e Senhor Nosso? Que aprendiz terá alcançado todos os ensinamentos de uma só vez?

Acalma o coração de discípulo e concentra as tuas esperanças nos dias abençoados do futuro!

A morte para todos nós, que ainda não atingimos os mais altos padrões de Humanidade, é uma pausa bendita na qual é possível abrir-nos à prosperidade nos princípios mais nobres. Entesouraremos aqui para distribuir mais tarde bênçãos de vida imortal nas obscuras Esferas da reencarnação. Respiraremos agora a harmonia e a paz a que fomos arrebatados, a fim de conduzirmos, depois, o seu sublime estandarte entre os companheiros que, ainda presos à carne, dormem nas trevas da discórdia e da ilusão.

Somos células da Humanidade militante em busca da Humanidade redimida.

Herdeiros de muitos séculos de experiência carnal, é impraticável a definitiva ascensão dum dia para outro.

É indispensável planejar o bem e realizá-lo, semear a felicidade e colhê-la, à custa de trabalho pessoal no suor e no sacrifício.

Descerra o pensamento ao orvalho do bom ânimo! Não te detenhas na aflição vazia!

Regressaremos à escola da aplicação, na carne distante, e faz-se preciso amealhar energias novas para as recapitulações imprescindíveis.



Verificando-se ligeiro intervalo na palavra amorosa e venerável, desejei perguntar-lhe quanto à continuidade de meus trabalhos, em vista dos informes que ali recebera do Irmão Andrade; todavia, antes que me expressasse verbalmente, confirmou, generoso:

— Desdobrar-se-á o serviço doravante em companhia dos mesmos associados de abençoada luta.

Os Círculos de vida que povoamos agora, são de prosseguimento.

Na experiência humana, temos a semeadura. Na vida espiritual que nos é acessível começa a colheita.

O favoritismo não existe para o Governo Universal. A Infinita Sabedoria somente nos assinala, através da Lei.

Há Espíritos que se preparam no mundo para a bendita primavera de trabalho pacífico na Esfera superior e há outros que se encaminham, voluntariamente, para o inverno de angústias e trevas, em seguida à perda do corpo.

Todos aqueles que, de alguma sorte, estiveram em tua companhia na fraterna comunhão de interesses espirituais, constituem a legião afetiva, junto da qual seguirás caminho afora na distribuição de amor, luz e verdade.

Nossa ação mental nas estreitas linhas da existência física é simples ensaio para os serviços que nos aguardam a cooperação depois da morte. Sobressaem ao redor de nós multidões necessitadas de iluminação redentora.

É imprescindível não desanimar, nem estacionar. Conquistaste valiosas possibilidades de servir, pelos conhecimentos que adquiriste e, se os negócios materiais terminaram com o atestado de óbito passado ao velho corpo, as tarefas edificantes prosseguem ativas, reclamando-te dedicação.

Somos a caravana que jamais se dissolve. Mãos entrelaçadas no labor do bem, não repousaremos senão no Mestre que, de perto, nos segue a boa vontade.

É necessário, Jacob, encontrar a paz dentro de nós mesmos, na batalha pela vitória da luz, quanto o Senhor a demonstrou, perseguido e crucificado.

Longe de nós o descanso destrutivo dos que procuram o Céu sem as credenciais do Reino Divino em si mesmos.



Compadecendo-se de minhas lágrimas copiosas, ergueu-me o rosto com a destra e, fitando-me bondosamente, continuou:

— Lamentas não possuir, por enquanto, mais amplo desenvolvimento da luz interna; contudo, qualquer desalento de nossa parte, no esforço salvador, significa reação indébita de nossa vontade caprichosa contra os soberanos e justos desígnios de Cima.

Não nos detenhamos para examinar a exiguidade dos nossos recursos. Dilatemo-los, utilizando as possibilidades que Jesus nos confiou. Nas tropelias da agitação carnal, quase sempre nos esquecemos das virtudes suscetíveis de ser encontradas nos trilhos apagados e anônimos do vale. Nossa visão, em tais circunstâncias, jaz concentrada sobre o cume da organização social provisória a que servimos e da imaginária montanha das terrestres honrarias, coroada embora de vantagens respeitáveis, e esperamos o bem-estar e o prazer, a sagacidade e o domínio, as facilidades temporárias e as considerações fantasiosas ao nosso personalismo menos digno, olvidando completamente, às vezes, os dons sagrados do dever humilde e desconhecido.

Cedendo à impulsividade que nos preside aos instintos primitivistas, despreocupamo-nos de adquirir simplicidade e amor, paciência e renúncia, resignação e esperança, dádivas de vida eterna que o Herói Celestial nos ofertou aos pés da cruz!

Impressionamo-nos com o Salvador, nas claridades sublimes da Ressurreição, mas ignoramos o Mestre Crucificado.

Agrada-nos dispor, aborrece-nos obedecer.

Buscamos a autoridade, desdenhamos a disciplina.

Exercemos severo exame sobre os atos alheios, sem qualquer vigilância ao próprio coração.

Entendemo-nos perfeitamente com o ruído e com a leviandade do mundo que nos cerca os sentidos inferiores, mas raramente nos comunicamos com o Espírito Sublime do Cristo na própria consciência.

Sabemos cair depressa, contudo, dificilmente nos decidimos a levantar.

Adornamo-nos com as flores de um dia e perdemos os frutos da eternidade.

Habituamo-nos a pedir as bênçãos do Eterno e, quando as recebemos, dispomo-nos a dormir indefinidamente.

Enchemos a Terra de palavras brilhantes, esquecidos de que a vitória no bem é mais concreta naqueles que ouvem o conselho sábio e o aplicam.

É por isto, meu amigo, que chegamos sem lâmpada própria às eminências da vida, incapazes de contemplar o brilho solar pela nossa deficiência de luz.

Todavia, o Todo-Misericordioso jamais nos cerra as portas do serviço de elevação. Aqui também encontrarás as bênçãos do atrito, no aproveitamento das quais acenderás a própria lanterna para a jornada.

Sem as qualidades que nos santifiquem o caráter, dignifiquem a personalidade, espiritualizem o raciocínio e iluminem o coração, é impraticável a felicidade nos mais gloriosos mundos.

A lâmpada pode ser acanhada e pobre; no entanto, se possui material equilibrado e perfeito para sintonizar-se com a Sede da Força, produzirá luz e beleza em silêncio.

Renovemo-nos, assim, aprimorando as nossas possibilidades interiores para que nos comuniquemos com o Supremo Doador da Vida, através dos fios invisíveis de amor que o ligam com o Universo Infinito.

Deixa, Jacob, que rujam tempestades do mundo, esquece as recordações violentas do passado, emerge do “homem velho” e caminha para o Alto! Irradiar-se-á, então, tua luz brilhante e pura!

Amemos o trabalho transformador! A vida nada deve aos inúteis.

Somos ramos da Videira Divina e a nossa felicidade exige a seiva imortal que procede das raízes profundas. Sem esse alimento, convertemo-nos em galhos secos e improdutivos.

Atravessa, corajoso, esta hora de transição. Reanima-te no Senhor e não desfaleças!…



Em seguida, como se desejara subtrair-nos à ideia de cerimonial, passou a conversar naturalmente conosco. Referiu-se aos companheiros que lhe compartilham as atividades na Esfera em que se encontra e entabulou particular palestra com Guillon sobre o evangelismo no Brasil e as angústias do mundo moderno.

Mais quatro entidades ligadas ao fraternal mensageiro se materializaram em figura harmoniosa e fulgurante.

Abraçaram-me com carinho e cantaram com os meninos-orientadores um hino suave consagrado a Jesus.

Em torno de mim, os doces entusiasmos da Boa Nova, traçavam-se planos de sagrada cooperação com o Cristo. Reportavam-se os amigos presentes às multidões de Espíritos fanatizados no mal e aos sofredores desencarnados de todos os matizes, examinando recursos para esclarecê-los, ampará-los e auxiliá-los; mas, apesar do interesse com que lhes registrava os projetos de renovação redentora, não tinha comigo senão lágrimas de compunção e reconhecimento.

Outros cânticos se fizeram ouvir comoventes e formosos e quando Bittencourt Sampaio e os dele se despediram num deslumbramento de júbilo, senti o princípio de uma revolução interior, de profundas consequências em meu futuro. Perdera, momentaneamente, a curiosidade doentia que me orientara até ali. A claridade dos outros acentuara-me a obscuridade. Minha inquietação característica centralizara-se. — Por que avançar no conhecimento cerebral, de alma às escuras? Cabia-me mudar de rumo. Na realidade, fora agraciado pela benevolência de muitos amigos que me rodeavam o espírito de atenção e ternura, mas nos recessos de meu ser jaziam os sinais de minha inadaptação ao Reino do Senhor que eu ambicionava servir; antes de estendê-lo aos outros, tornava-se indispensável construí-lo dentro de mim. Embora a beleza inesquecível daquela noite de amor, as graças recebidas confirmavam-me, no fundo, as primeiras impressões de que eu não passava de um mendigo de luz.




Irmão Jacob
Francisco Cândido Xavier


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