Vozes do Grande Além
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Noite de finados
Terminávamos nossas lides espirituais da noite de 3 de novembro de 1955, quando notável surpresa nos felicitou os corações.
Pela primeira vez em nossa casa, o Espírito Augusto dos Anjos, o inesquecível poeta paraibano, se utilizou das faculdades psicofônicas do médium, transmitindo-nos o poema aqui transcrito, por ele pronunciado com inflexão de profunda emotividade e grande beleza.
Finados. Noite. Em lúgubres acentos, Passa ululando horrenda ventania, Cantochão estendendo a névoa fria Na cidade dos vermes famulentos. Avançam larvas com medonha fúria, Insensíveis ao fausto das legendas, Congestionando o chão aberto em fendas, No pungente festim da carne espúria. Dormem anjos de pedra sobre as lousas… Dos mausoléus ao solo miserando, Choram rosas e goivos, irmanando A poeira da carne e o pó das cousas. De aprimorados nichos e capelas Que definem o brio dos coveiros, Envolvendo ciprestes e salgueiros, Sai o cheiro de morte que há nas velas. O doloroso pio das corujas, Como sinal soturno em fim de festa, Da glória humana é tudo quanto resta Nos mármores que guardam cinzas sujas. Ao nosso olhar, no quadro em desconforto, Estranhos círios luzem comovidos: São as preces vazadas nos gemidos De quem sofre no mundo amargo e morto. São as flores do pranto agro e sem nome Que a saudade verteu, desfalecida, Atrelada à esperança de outra vida Para a vida de angústia que a consome. Aqui, apelos desconsoladores Lembram noivas e mães infortunadas… Mais além, petições desesperadas Trazem consigo o fel das grandes dores. Desce, porém, do Espaço almo e profundo A luminosa e bela romaria Dos mortos que renascem na alegria Em socorro dos mortos deste mundo. Chamas divinas da Divina Chama, Entrelaçam-se em torno à Terra obscura, Despertando os que jazem na amargura Dos sepulcros carnais de treva e lama. Trazem cantando o lábaro fremente Do amor universal que tudo aquece, Clamando para a dor da humana espécie: — Somos filhos de Deus eternamente. Finados!… Grita a morte estranha e crua Na química fatal do transformismo. Mas, transposto o cairel do grande abismo, Eis que a Vida Infinita continua… |
AUGUSTO DOS ANJOS — Grande poeta brasileiro. Nasceu no Estado da Paraíba e desencarnou no Estado de Minas Gerais.
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