Vozes do Grande Além

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Capítulo XXXI

Alcoólatra


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Reunião da noite de 12 de janeiro de 1956. Emocionadamente, o nosso grupo recebeu a visita de Joaquim Dias, pobre espírito sofredor que nos trouxe o doloroso relato de sua experiência da qual recolhemos amplo material para estudo e meditação.


Alcoólatra!

Que outra palavra existirá na Terra, encerrando consigo tantas potencialidades para o crime?

O alcoólatra não é somente o destruidor de si mesmo. É o perigoso instrumento das trevas, ponte viva para as forças arrasadoras da lama abismal.

O incêndio que provoca desolação aparece numa chispa.

O alcoolismo que carreia a miséria nasce num copinho.

De chispa em chispa, transforma-se o incêndio em chamas devoradoras.

De copinho a copinho, o vício alcança a delinquência.

Hoje, farrapo de alma que foi homem, reconheço que, ontem, a minha tragédia começou assim…

Um aperitivo inocente…

Uma hora de recreio…

Uma noite festiva…

Era eu um homem feliz e trabalhador, vivendo em companhia de meus pais, de minha esposa e um filhinho.

Uma ocasião, porém, surgiu em que tive a infelicidade de sorver alguns goles do veneno terrível, disfarçado em bebida elegante, tentando afugentar pequeninos problemas da vida e, desde então, converti-me em zona pestilencial para os abutres da crueldade.

Velhos inimigos desencarnados de nossa equipe familiar fizeram de mim seu intérprete.

A breve tempo, abandonei o trabalho, fugi à higiene e apodreci meu caráter, trocando o lar venturoso pela taverna infeliz.

Bebendo por mim e por todas as entidades viciosas que nos hostilizavam a casa, falsifiquei documentos, matando meu pai com medicação indevida, depois de arrojá-lo à extrema ruína.

Mais tarde, tornando-me bestial e inconsciente, espanquei minha mãe, impondo-lhe a enfermidade que a transportou para a sepultura.

Depois de algum tempo, constrangi minha esposa ao meretrício, para extorquir-lhe dinheiro, assassinando-a numa noite de horror e fazendo crer que a infeliz se envenenara usando as próprias mãos e, de meu filho, fiz um jovem salteador e beberrão, muito cedo eliminado pela polícia.

Réprobo social, colhia tão somente as aversões que eu plantava.

Muitas vezes, em relâmpagos de lucidez, admoestava-me a consciência:

— Ainda é tempo! Recomeça! Recomeça!

Entretanto, fizera-me um homem vencido e cercado pelas sombras daqueles que, quanto eu, se haviam consagrado no corpo físico à criminalidade e à viciação, e essas sombras rodeavam-me apressadas, gritando-me, irresistíveis:

— Bebe e esquece! Bebe, Joaquim!…

E eu me embriagava, sequioso de olvidar a mim mesmo, até que o delírio agudo me sitiou num catre de amargura e indigência.

A febre, a enfermidade e a loucura consumiram-me a carne, mas não percebi a visitação da morte, porque fui atraído, de roldão, para a turba de delinquentes a que antes me afeiçoara. Sofri-lhes a pressão, assimilei-lhes os desvarios e, com eles, procurei novamente embebedar-me.

A taverna era o meu mundo, com a demência irresponsável por meu modo de ser…

Ai de mim, contudo! Chegou o instante em que não mais pude engodar minha sede!…

A insatisfação arrasava-me por dentro, sem que meus lábios conseguissem tocar, de leve, numa gota do líquido tentador.

Deplorando a inexplicável inibição que me agravava os padecimentos, afastei-me dos companheiros para ocultar a desdita de que me via objeto.

Caminhei sem destino, angustiado e semilouco, até que me vi prostrado num leito espinhoso de terra seca…

Sede implacável dominava-me totalmente…

Clamei por socorro em vão, invejando os vermes do subsolo.

Palavra alguma conseguiria relatar a aflição com que implorei do Céu uma gota d’água que sustasse a alucinação de minhas células gustativas…

Meu suplício ultrapassava toda humana expressão…

Não passava de uma fogueira circunscrita a mim mesmo.

Começaram, então, para mim, as miragens expiatórias.

Via-me em noite fresca e tranquila, procurando o orvalho que caía do céu para dessedentar-me, enfim, mas, buscando as bagas do celeste elixir, elas não eram, aos meus olhos, senão lágrimas de minha mãe, cuja voz me atingia, pranteando em desconsolo:

— Não me batas, meu filho! Não me batas, meu filho!…

Devolvido à flagelação, via-me sob a chuva renovadora, mas, tentando sorver-lhe o jorro, nele reconhecia o pranto de meu pai, cujas palavras derradeiras me impunham desalento e vergonha:

— Filho meu, por que me arruinaste assim?

Arrojava-me ao chão, mergulhando meu ser na corrente poluída que o temporal engrossava sempre, na esperança de aliviar a sede terrível, mas, na própria lama do enxurro, encontrava somente as lágrimas de minha esposa, de mistura com recriminações dolorosas, fustigando-me a consciência:

— Por que me atiraste ao lodo? e por que me mataste, bandido?

De novo regressava ao deserto que me acolhia, para logo após me entregar à visão de fontes cristalinas…

Enlouquecido de sede, colava a boca ao manancial, que se convertia em taça de fel candente, da qual transbordavam as lágrimas de meu filho, a bradar-me, em desespero:

— Meu pai, meu pai, que fizeste de mim?

Em toda parte, não surpreendia senão lágrimas…

Arrastei-me pelos medonhos caminhos de minha peregrinação dolorosa, como um Espírito amaldiçoado que o vício metamorfoseara em peçonhento réptil…

Suspirava por água que me aliviasse o tormento, mas só encontrava pranto…

Pranto de meu pai, de minha mãe, de minha esposa e de meu filho a perseguir-me, implacável…

Alma acicatada por remorsos intraduzíveis, amarguei provações espantosas, até que mãos fraternas me trouxeram à bênção da oração…

Piedosos enfermeiros da Vida Espiritual e mensageiros da Bondade Divina, pelos talentos da prece, aplacaram-me a sede, ofertando-me água pura…

Atenuou-se-me o estranho martírio, embora a consciência me acuse…

Ainda assim, amparado por aqueles que vos inspiram, ofereço-vos o triste exemplo de meu caso particular para escarmento daqueles que começam de copinho a copinho, no aperitivo inocente, na hora de recreio ou na noite festiva, descendo desprevenidos para o desequilíbrio e para a morte…

E, em vos falando, com o meu sofrimento transformado em palavras, rogo-vos a esmola dos pensamentos amigos para que eu regresse a mim mesmo, na escabrosa jornada da própria restauração.




JOAQUIM DIAS — Amigo espiritual não identificado.



Joaquim Dias
Francisco Cândido Xavier


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