Astronautas do Além
Versão para cópiaA paralítica
Horas antes de nossa reunião pública, com quatro irmãos que se achavam em nossa companhia, fomos a cidade vizinha visitar uma criança doente. Não longe da casa em que reside a pequenina enferma, encontramos uma senhora paralítica, em recanto quase isolado de extensa zona rural que nos solicitou orarmos com ela por alguns momentos.
Muito simpática e sofredora, vivendo da caridade pública e sem qualquer parente, a situação dela realmente nos comoveu muito.
Voltamos para a nossa reunião. E, depois de nossa habitual visita a alguns lares de irmãos nossos, passamos ao desenvolvimento das tarefas da noite.
O Evangelho Segundo o Espiritismo nos ofereceu a exame a formosa página intitulada Uma realeza terrestre, no capítulo II, () assinada por entidade espiritual que se reportava às lutas que encontrara na posição altamente destacada que usufruiu na Terra.
A comunicação foi carinhosamente estudada por uma de nossas irmãs presentes. E, no encerramento da reunião, o poeta Epifânio Leite nos trouxe o soneto com dedicatória expressiva. Ele mesmo, o poeta desencarnado, informou-nos por audição, referir-se à paralítica em penúria material que havíamos visitado horas antes.
(Versos dedicados à venerável irmã que conhecemos na realeza terrestre, há quatro séculos. Culta, não espalhou os benefícios da inteligência. Amiga incondicional dos amigos e inimiga implacável dos adversários. Generosa para com os áulicos abastados é indiferente às vítimas da penúria. Embora destacasse as vantagens da paz, incentivou, quanto pôde, as guerras de conquista e ambição. Agradecida aos vassalos obedientes, perseguia, até à morte, quantos não lhe observassem as diretrizes. Amada e odiada, alcançou o Mais Além, e, à frente da verdade, preocupou-se com a redenção própria. Regressou à Terra, várias vezes, apagando-se devagar, quanto ao brilho terreno que ostentava, até que rogou a prova final, em que a identificamos presentemente, habilitando-se no corpo enfermo e disforme, em acentuada penúria, para a ascensão próxima à Espiritualidade Superior. A essa irmã admirável e valorosa, capaz de omitir-se e sofrer até a integral reparação da própria grandeza em si mesma, oferecemos aqui a nossa pálida homenagem, desejando-lhe plena vitória em Jesus e com Jesus.)
Vejo-te, soberana, aos painéis da memória! O trono te emoldura a face de outras eras… Oprimes sem temor, espancas onde imperas, Fulges no fausto vão de vaidade ilusória!… A paixão te esfogueia a fome de vanglória, Exilas e destróis, humilhas e encarceras… Vem a morte, no entanto, entre forças austeras, E largas sob a cinza a pompa transitória! Foi-se o tempo… Hoje achei-te em catre duro e estreito, Paralítica e só, parafusada ao leito!… Chorei ao ver-te a choça e o triste quarto em ruínas! Mas louvo o fel de agora ante o sol do futuro… Pela dor subirás ao reino do amor puro Em teu carro estelar de açucenas divinas! |
É fácil dizer que esse episódio decorre de sugestão. Chico Xavier acredita na reencarnação, impressionou-se com a paralítica e inconscientemente procurou explicar o caso. Na sessão espírita caiu em transe e do seu inconsciente aflorou através da escrita automática o soneto e sua dedicatória. Se perguntarmos como explicar a abertura do Evangelho na página aplicável ao caso, é fácil apelar para a influência do meio, mas toda esta explicação não passaria de um arranjo hipotético, sem qualquer prova objetiva. Simples fabulação pseudo-científica.
Na Doutrina Espírita não há fabulações dessa espécie. Há fatos e comprovações: a mediunidade estudada e experimentada desde Kardec até hoje, comprovando a sua realidade através de resultados positivos, além das comprovações vindas da própria área científica, materialista, através das pesquisas metapsíquicas e parapsicológicas; a reencarnação submetida a,o mesmo processo; a psicografia analisada em seus dois aspectos, o anímico (escrita automática) e o espirítico (escrita psíquica de autores espirituais identificados rigorosamente). Além disso, a convergência diária e universal das provas em todo o mundo.
Onde entra o poeta Epifânio Leite na fabulação inconsciente? Como e por que surgiu na memória subliminar de Chico Xavier? E como essa imagem fantasiosa conseguiu imitar o estilo do poeta? Sabemos que Epifânio Leite é quase totalmente desconhecido e que o médium não é nenhum especialista em poesia e história, literária. Confrontando esse episódio com muitos outros da bibliografia espírita e das ciências psíquicas, não temos razão para duvidar da sua veracidade. A hipótese espírita se confirma no testemunho universal dos fatos. Legitima-se cientificamente através de estudos e pesquisas — espíritas e não espíritas — no correr de mais de um século.
Léon Denis definiu a dor como “uma lei de equilíbrio e educação”. Vemos nesse episódio a ação dessa lei através de quatro séculos. E não vemos Deus castigando a ex-soberana, mas ela mesma se submetendo à lei de equilíbrio para alcançar por meio da dor a compreensão e o sentimento de humanidade que lhe faltaram no passado.
Epifânio Leite de Albuquerque nasceu e morreu em Fortaleza, Ceará (1891-1942). Autor do livro de poesias “Escada de Jacó”, membro da Academia Cearense de Letras, foi juiz de Direito em Baturité, no mesmo Estado. Sua poética se caracteriza pelo rigor formal e a delicadeza de sentimentos.
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