Quando se Pretende falar da Vida

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CAPÍTULO 2
Ilustração tribal

I - Mensagens de Roberto Muszkat


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Querida mãezinha Sonia, a paz esteja em nós.

Enfim, algumas palavras. Tantos dias de ansiedade.

Mamãe, não chore mais. Estou bem. A vida na Terra apresenta pontos finais em quaisquer trechos.

As existências são como as páginas no livro do tempo.


Algumas são curtas, tão curtas que terminam com pontos de interrogação. Será este o meu caso e tempo virá em que

conheceremos com mais segurança as causas dos problemas graves que chegam de improviso.

Rogo-lhe calma. Idêntico pedido endereço ao papai David.

Não se culpe, querida Mãezinha, por havermos escolhido o tempo favorável à intervenção de que me reconhecia necessitado. Se o seu coração querido opinasse contra, teria eu lutado para obter-lhe a aprovação. E conseguiria. O nosso amigo Dr. Rezende fez em máximo em meu benefício. (1)

(1) Otorrinolaringologista que operara o Roberto. Aliás, não houve qualquer vínculo causal entre a cirurgia e o inusitado incidente.

Sinto muito haver deixado em família e no círculo dos amigos tantas opiniões contraditórias. Não pensem que um simples descongestionante das vias nasais me impusesse o desenlace. (2)

(2) Roberto faleceu, como já dissemos, vítimado por choque anafilático, após instilarão de tópico nasal, três dias depois da cirurgia a que se submetera, quando já se encontrava em casa.

O corpo trazia o motor estragado. Corpo jovem; no entanto, me pareceu, quando compreendi a situação com mais clareza, que eu estava usando um instrumento, cujas cordas essenciais jaziam quase que inválidas.

Por aí, Mãezinha, conquanto os avanços da Cardiologia, muita gente acredita que figura de atleta é documento de isenção para o ato final da experiência humana. Mas os enganos são muitos, nesse sentido. Coronárias como que se quebram ou se retraem num momento e a fïbrilação do músculo-rei se faz acompanhar de imediato, com o despejo do dono ou usufrutuário da casa corpórea em que se vive na área dos homens.

Pois, foi o que sucedeu. Com intervenção ou sem intervenção, aquele foi o momento da ordem de regresso. Lamento que dúvidas pairassem no problema, no entanto, venho pede-lhe serenidade e conformação.

Lembrem-se, o papai e seu carinho maternal, que temos o Ricardo, o Renato, a Rosana, a Rachel e o Moises por nossos queridos acompanhantes e espero que deixem de lado a tristeza negativa para facearmos a realidade com espírito de compreensão.

Minha transposição de plano foi rápida. Um desmaio, um sono invencível, um tempo indefinido de quase inconsciência total com pesadelos que se referiam à separação e, depois, o despertar.

Despertar molhado de lágrimas porque me foi impossivel não chorar com o sofrimento de seu carinho e com as lutas e perguntas de todos de nossa casa e de nossa família.

A princípio, julguei houvesse voltado ao hospital para qualquer corrigenda, entretanto, essa ilusão perdurou por tempo estreito. Em meio de enfermeiros e médicos que se mostravam amigos, reconheci a presença da Vovó Rachel (3) que parecia desejar substituí-la junto de mim.

(3) Rachel Golcman, avó materna, falecida em 16 de dezembro de 1957.

A vovó explicou-me com doçura as verdades novas a que procurei me adaptar. Naturalmente, a saudade de casa era um espinho cravado na raiz do sorriso de conformação que me via impelido a sustentar; e os dias se passaram.

Tenho ouvido as suas preces e as suas reflexões, especialmente as que a sua dedicação formula, recordando-me a presença. E posso dizer-lhe que a vida continua.

As limitações são muitas para o intercâmbio. Naturalmente, é compreensível que eu tenha prometido, por exemplo, ao Vovô Moszek Aron (4) e a outros amigos dele que me acolheram, que escreveria sem criar qualquer quadro menos feliz. Estou aqui na condição do aluno que prometeu não chorar e nem lastimar-se na prova de competência e devo fazer isso da melhor maneira.

(4) Moszek Aron Muszkat, avô paterno, cujo falecimento ocorreu a 28 de janeiro de 1966.

Estou procurando meios de retomar meus estudos, porquanto, aqui não nos faltam recursos para isso e desejo dedicar-me ao amparo dos doentes no mundo, por muito tempo, especialmente para estar mais perto de sua presença, de meu pai e dos meus irmãos.

É justo que assim faça e conto com o seu apoio. Seu apoio e a assistência de meu pai, nesse sentido, se constituem da paz e da conformação com que aceitem comigo os fatos consumados.

Meu avô Moszek já me esclareceu que meu tempo deveria ser curto e estou satisfeito. Mais tarde, cogitarei de saber o porquê dessa duração assim ligeira. E descobriremos as razões de toda a ocorrência, porque DEUS é o Senhor Eterno e ao pronunciar, escrevendo o Santo Nome, tenho o meu coração repleto de confiança na Lei.

Mãezinha, auxilie-me com a sua paciência e considere-me vivo porque a verdade é que prossigo na mesma personalidade de filho agradecido, sem que fenômeno algum me desfigurasse o amor e o devotamento aos pais queridos e ao abençoado lar de que nasci.

Muitas lembranças a todos, com grande abraço a meu pai. Se conseguirmos instalar no formoso coração dele, pelo menos, um pouco de esperança e certeza em minha sobrevivência, estou satisfeito.

E com o carinho da vovó Rachel que me auxilia a escrever, entrego-lhe todo o coração de seu filho.


ROBERTO MUSZKAT, 10 Agosto 1979



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