Traços de Chico Xavier
Versão para cópia
Traços Pitorescos
A partir de 1932, com a publicação do Parnaso de Além-Túmulo, Chico Xavier passou a ser uma figura constante na literatura espírita. Hoje, na realidade, é ma figura de expressão histórica. No decorrer de meio século, desde que nele despontou a faculdade mediúnica, o admirado e humilde médium de Pedro Leopoldo, como então se dizia (e hoje se diz de Uberaba), a pessoa de Chico Xavier tornou-se um ponto de convergência indiscriminada pois, à procura dele, como até hoje, concentravam-se pessoas de todos os níveis sociais e por motivos diversos: sofredores do corpo e do espírito, na maioria dos casos; jornalistas, à procura de assuntos para reportagem ou entrevistas; críticos literários, querendo "tirar a limpo" a questão da autoria espiritual de suas obras; gente desajustada psicologicamente, a pedir orientação; casais em conflito, com o lar ameaçado de desmoronamento, apelando para Chico Xavier a fim de encontrar um meio de reconciliação. E a ninguém deixou ele de dar o lenitivo de uma palavra consoladora.
Se é verdade que muitos procuraram Chico Xavier para pedir consultas sobre assuntos corriqueiros e problemas irrelevantes, também é verdade que outros, muitos outros, têm seus motivos sérios, seus dramas, suas preocupações e angústias deprimentes.
A obra mediúnica de Chico Xavier já constitui uma literatura de vulto, abrangendo diversos campos, como a poesia, o romance, a elucidação filosófica, a dissertação histórica, a discussão de temas científicos, o ensaio moral, a mensagem, que refulge em toda a sua produção, recebida do Alto.
À luz desse quadro de realizações, há um aspecto que podemos chamar de pitoresco em Chico Xavier. Pitoresco, ao pé da letra, é simplesmente aquilo que pode ser retratado na tela, no livro, perfil, etc; mas também há o pitoresco no sentido especial de originalidade ou expressão própria. É o caso, por exemplo, da confluência de vários estilos na obra de Chico Xavier.
Do mesmo modo, seus trabalhos mediúnicos são de caráter muito variado, pois tanto recebe comunicações poéticas, quanto comunicações relativas à ciências, algumas vezes com termos técnicos, inevitavelmente.
Em tudo, porém, se fixa uma ideia dominante, o fio de unidade, podemos dizer assim, justamente porque, embora discorrendo sobre matérias tão distanciadas entre si, toda a obra, em seus conjunto, tem um objetivo maior e permanente: transmitir a mensagem da Espiritualidade conclamando os homens para a compreensão e o amor, a despeito de todas as dessemelhanças de ordem técnica, social cultural, religiosa, etc.
Muito já se escreveu, nestes últimos anos, sobre a obra mediúnica de Francisco Cândido Xavier, mas não se pode falar a respeito das obras sem considerar a posição do homem que é o instrumento dessa imensa produção.
Como pessoa humana, Chico Xavier revela abertamente duas características impressionantes: a paciência e a resistência física. Sobrepondo-se às exigências físicas, ele atende, pacientemente, a quantos o cercam, nas palestras ou reuniões públicas, sem falar no atendimento constante nas sessões do Centro. Sinceramente, às vezes, eu fico com pena do Chico. . .
Como é que um homem, que não é mais moço, vem para uma reunião, concentra-se, recebe comunicações e, logo em seguida e de pé - veja-se bem - fica atendendo à verdadeira multidão em fila, até altas horas, entrando pela madrugada?. . .
Todos querem falar com Chico, querem apertar-lhe a mão, pedir-lhe um conselho, trazer-lhe um livro para ser autografado por ele. E Chico, sempre sereno, sem se alterar, sem demonstrar a mínima inquietação, vai atendendo um por um, sem levar em conta o relógio, como se fosse uma criatura de ferro e não de carne e osso.
É certo que não há de faltar a indispensável cobertura espiritual, pois um médium, como ele, nunca está sozinho, mas o esforço humano é intenso e extenuante.
Já houve uma reunião, por exemplo, em que a fila de autógrafos terminou lá pelas três da madrugada. E ele já havia, na mesma noite, tomado parte em solenidade, tendo recebido uma comunicação um tanto longa.
Muitos, por necessidade, entram na fila porque precisam realmente de orientação ou de um conselho, outros, porque desejam conhecê-lo em pessoa; outros, porque fazem questão de levar um autógrafo como lembrança e assim por diante.
Tudo isso é humano e tem seu lado afetivo, muito apreciável. Mas nem por isso deixa de haver, às vezes, alguma insistência que bem poderia ser evitada em benefício do próprio Chico e das pessoas que estão aguardando a sua vez.
É o caso de pessoas que, embora a fila esteja grande demais, envolvem o médium de tal forma, relatando problemas, expondo situações complexas, sem se preocuparem com o tempo, como se somente elas tivessem de ser atendidas. E Chico Xavier, com a calma inalterável, faz o que pode em tais situações; mas precisamos pensar um pouco na pessoa do médium, que também necessita repouso.
Então, além da produção mediúnica, que é a maior do gênero, quer do ponto de vista quantitativo, quer do ponto de vista qualitativo, Chico Xavier tem, ainda, uma resistência física como poucos homens de sua idade.
Como obra mediúnica, indiscutivelmente, a de Chico Xavier é a maior, pelo número de livros e mensagens, como ainda pela versatilidade dos assuntos.
É verdade que alguns livros de Chico Xavier ainda suscitam discussão ou reservas, não por causa do médium, mas devido à natureza dos assuntos.
Determinadas assertivas, de origem extra-humana, certamente ainda necessitam de tempo, pois os espíritos, como ensina o Espiritismo, também emitem opiniões próprias. Não é pelo fato de ser opinião de um espírito que tal ou qual declaração deva ser tomada incondicionalmente como um princípio definitivo.
O tempo - não faz mal repetir o conselho da experiência - é sempre bom guia. O médium, entretanto, continua a cumprir sua trabalhosa e meritória missão, recebendo e transmitindo o que vem do Alto.
Nestes cinquenta anos de atividades mediúnicas, Chico Xavier já consolou muito, já instruiu muito através de seus livros, mas é difícil avaliar, em termos estatísticos, o número exato das pessoas que beberam ensinamentos nas obras por ele recebidas e, hoje, estão transformadas, porque aprenderam a ver a vida por outro prisma, muito mais claro e mais racional.
Outras, que absorveram as leituras de André Luiz, Emmanuel, por exemplo, ficam incógnitas, porque têm receio de enfrentar os preconceitos e as conveniências sociais. Não importa, pois o mais importante é que a luz da sabedoria se espalhe em todas as latitudes.
Por ser médium - é uma contingência da faculdade mediúnica perante os homens - Chico Xavier não pode evitar certos exageros. Os exageros podem chegar à idolatria pessoal, como podem provocar suposições contraditórias. Que culpa teria Chico Xavier, por exemplo, de se dizer, lá uma vez por outra, que, depois da obras de Emmanuel e André Luiz, não há mais necessidade da Codificação de Allan Kardec? São manifestações puramente esporádicas, nas quais se revela, sem tirar nem por, a demonstração de completo desconhecimento da Doutrina.
Mas não é Chico Xavier que deve intervir em tais discussões e por as coisas nos devidos lugares. Sua missão está a salvo das interpretações precipitadas.
O trabalho do médium, seja qual for o tipo de atividade que lhe seja destinado, vale pelos frutos que se espalham e perduram, porque são frutos do espírito. Que frutos? Glória literária, evidência social, vantagens materiais? Claro que não. Mas os frutos do dever cumprido, quase sempre recebendo o látego da crítica ferina de adversários sistemáticos do Espiritismo.
Nenhum médium, quando compenetrado de deus deveres, fica incólume a tais adversidades.
Mas o bem sempre vence, apesar de todas as sombras e todos os espinhos. O médium não é um santo, como não é um ser puro, mas um instrumento escolhido para experiências difíceis. Por isso, o médium precisa muito de apoio espiritual. Chico Xavier já recebeu muito e já deu muito.
Entretanto, ainda precisa de compreensão e solidariedade, pois a missão mediúnica não parou nos livros já publicados.
Deolindo Amorim, Jornal Espírita, São Paulo