Mensagem do Amor Imortal (A)

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CAPÍTULO 5

A OVELHA PERDIDA

A paisagem humana fazia-se variegada em razão das diversas culturas, dos muitos comportamentos, das quase infinitas necessidades daqueles que compunham a multidão que seguia Jesus.

Nunca dantes algo acontecera com essas características, com as ruidosas manifestações de ansiedade, de alegria, de esperança de quase todo um povo. . .

A longa, a multissecular espera por um Messias havia afligido demasiadamente as massas sofredoras, deixando perplexidade e desconforto nos fariseus, nos saduceus, nos escribas, nos sacerdotes, que se encontravam distantes dos compromissos morais e espirituais que lhes diziam respeito.

A ardência das paixões crestara-lhes a alma ao longo dos tempos e o cinismo substituíra-lhes a fé legítima que um dia se enflorescera em alguns. A descrença era generalizada de tal forma que os seus eram comportamentos estranhos à conduta religiosa e somente adstritos às leis severas que elaboraram para afligir-se e para perseguir aqueles que destoavam dos seus códigos, alguns deles, na sua quase maioria, absurdos.

Essas normas não haviam sido feitas para dignificar ou moralizar os indivíduos, mas sim para os punir, matar- -lhes os ideais e reduzi-los à condição de animálias obedientes, incapazes de eleger o caminho por onde seguir. Eram antolhos que lhes aplicavam, que limitavam a visão, a fim de que os astutos administradores e intérpretes dos seus textos, conforme o eram, pudessem destacar-se na comunidade, explorando o desconhecimento por parte das suas vítimas, desfrutando de privilégios que aos outros negavam.

Viviam sempre à espreita de qualquer erro ou interpretação diferente em que outrem incidisse, a fim de descarregar a adaga que conduziam sempre pronta a cair sobre a vítima que era eleita, ceifando-lhe a razão de viver.

A astúcia que possuíam esses fiscais daqueles que se destacavam na comunidade era perversa e calculada, filha primogênita da inveja e da insegurança de que se revestiam.

Eram perseguidores inclementes, porque perseguidos em si mesmos pela insatisfação, pelo desprezo que se permitiam, pela inferioridade de que se sentiam objeto.

Jesus não poderia deixar de ser vítima da sua crueza e insistente perseguição.

A fim de O tentar, armavam ciladas cavilosas, propunham questões traiçoeiras, apresentavam problemas cujas soluções eram sempre comprometedoras.

Haviam-se tornado a sombra do Rabi, onde quer que Ele se encontrasse.

O Mestre, que os conhecia, apiedava-se da sua perversidade e ignorância das Leis de Deus, e os atendia com infinita compaixão e sabedoria, desconcertando-os; não, porém, os desanimando, excepcionalmente uma que outra vez, quando usou de grave energia.

De alguma forma ainda existirão no mundo por muitos séculos esses infelizes-infelicitadores, por cuja truculência intelectual e hipocrisia moral tentarão dificultar a marcha inevitável do progresso.

Os idealistas, os trabalhadores da verdade sofrê-los-ão por muito tempo, porquanto eles constituem o lado negativo da sociedade.


* * *

Em sentido oposto, aumentava cada vez mais o prestígio do jovem galileu, cujas palavras eram carregadas de misericórdia e de iluminação, sendo a Sua tolerância incomum e o Seu um amor dantes nunca experiênciado.

Ele fascinava pela beleza e porte altivo, sem soberba nem presunção.

Conseguia tornar-se ingênuo e puro como uma criança, enérgico e gentil conforme a circunstância, sem alterar a personalidade grandiosa.

Olhando as massas esmagadas sob mazelas volumosas, assinaladas pelas próprias limitações e asfixiadas no ar morbífico dos interesses subalternos, compreendia-as e dedicava-se a diminuir-lhes as grandes aflições.

Ele sabia que cada qual carregava a cadeia em que se retinha como decorrência da sua falta de integridade moral, em razão dos delitos praticados em algum momento próximo ou remoto, mas os encarcerados nas desditas não tinham condições de entender as razões da própria desgraça. Apiedava-se, portanto, sempre mais, enquanto aumentava o zelo e a ternura por todos.

Para imortalizar o Seu ensinamento e demonstrar a profundeza do Seu amor, além dos atos de misericórdia transformados em socorro, falava-lhes por parábolas, recurso pedagógico resistente ao tempo e às distorções humanas da inteligência, podendo sobreviver a todas as interpolações e caprichos dos futuros narradores, interessados somente em atraí-lO ou detê-lO no cárcere das suas crenças e interesses mesquinhos.

Assim, as pérolas rutilantes dos ensinamentos eram oferecidas em abundância, com simplicidade incomum e com exatidão de conteúdo sempre inalterado.


* * *

Porque sempre O vissem entre os infelizes, aqueles que realmente d’Ele precisavam, os fariseus e os escribas murmuravam, dizendo:

—Este recebe pecadores, e come com eles.

Necessário recordar-se que os pecadores não eram outros, senão os seus próprios irmãos. A censura, portanto, objetivava ferir Aquele que os socorria, já que eles não o faziam, acusando-os de pecados, a fim de os manterem distantes das suas burras recheadas e dos seus lares confortáveis. Abominando-os, desejavam fazer crer que também Deus assim agiria, e fugiam para a hipócrita acomodação de consciência adormecida.


Sem lhes dar a importância que se atribuíam como ocorre com todo aquele que é fátuo, o Mestre prosseguia no Seu ministério, porém, advertindo-os, narrou:

— Qual de vós é o homem que, possuindo cem ovelhas, e perdendo uma delas, não deixa as noventa e nove no deserto, e não vai após a perdida até que a encontrei Ele sabia que aquele povo agrícola e pastoril, especialmente naquela região, havia experimentado essa ocorrência que acontece amiúde.

Usando uma linguagem através de imagens conhecidas, haveria probabilidade de permanecer o ensinamento por tempo indeterminado.


Assim, prosseguiu: E achando-a, põe-na sobre os ombros, cheio de júbilo, e chegando a casa, reúne os amigos e vizinhos e lhes diz:

— Alegrai-vos comigo, porque achei a minha ovelha que se havia perdido.

A beleza oculta na simplicidade da narrativa comovia os ouvintes e todos exultavam. Grande número daqueles ouvintes havia experimentado essa incomum alegria, recordando-se com emoção.

E sempre razão de felicidade encontrar-se algo que se perdeu, especialmente se é amado, se tem vida, se faz parte da vida.


Nesse momento, Ele sorri jovial, e conclui a parábola:

— Digo-vos que assim haverá maior alegria no céu por um pecador que se arrepende, do que por noventa e nove justos que não necessitam de arrependimento.

Os hipócritas receberam a bordoada de que necessitavam para despertar da incúria e dos descalabros que se permitiam.

É certo que o médico existe porque pululam as enfermidades, e o remédio é o recurso especializado para facultar o retorno da saúde.

Como, então, combater-se o doente e não a doença, o desfalecente e não as causas que a geram? Somente a crueldade possui mecanismo de razão para adotar comportamento de tal natureza, ou o despeito frio e calculado, com sórdidos objetivos de perturbação.

Jesus sempre pairava acima das multidões que O buscavam, embora descesse até todos e até cada um, bem como àqueles que O anatematizavam, fossilizando no lodo da ignorância e da estultice.

Sempre mergulhava no rumo dos infelizes sem mesclar-se com eles e repartia Sua sabedoria com os néscios que se supunham inteligentes e poderosos, mantendo-se inalterável, o que os desconcertava.


* * *

Ainda hoje prossegue direcionando o Seu amor a fim de encontrar as ovelhas tresmalhadas que transitam sem rumo pelos tortuosos caminhos do mundo de testemunhos e de reparação, buscando erguê-las, sem reprimendas nem exigências, propondo-lhes somente a renovação interior, a integração no espírito do Bem, a fim de que se libertem da rebeldia e das torpes necessidades a que se aferram.


Viena-Áustria, em 13. 03. 2003.


AMÉLIA RODRIGUES



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Lucas 15:2

E os fariseus e os escribas murmuravam, dizendo: Este recebe pecadores, e come com eles.

lc 15:2
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Lucas 15:6

E, chegando a casa, convoca os amigos e vizinhos, dizendo-lhes: Alegrai-vos comigo, porque já achei a minha ovelha perdida.

lc 15:6
Detalhes Capítulo Completo Perícope Completa