Mensagem do Amor Imortal (A)
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MORDOMOS, E NÃO DONOS
A incomparável balada rica de esperanças e de alegrias espraiava-se pelas terras distantes umas das outras, anunciando o Reino de Deus que logo mais se instalaria na Terra.
Vivia-se sob a escravidão política de Roma, ultrajante e destrutiva, da Lei judaica, sempre injusta em relação aos desafortunados do mundo, a insidiosa dominação dos rabinos, ambiciosos e insaciáveis, bem como sob o jugo da pobreza, das enfermidades, do abandono dos governantes. . .
O ser humano encontrava-se reduzido à mínima condição de alimária de carga, utilizado apenas quando submetido à sujeição dos poderosos.
Os campos despovoados, as searas abandonadas, as cidades regurgitantes de miseráveis, as praças abarrotadas de desocupados, de enfermos, de mutilados. . .
Os desvios de comportamento emocional e mental avolumavam-se em face da pressão dos sofrimentos diversos, misturando-se com as obsessões crucificadoras, formando uma sinfonia patética, ensurdecedora em todo lugar.
Na região da Galileia, porém, ante a placidez do mar, quebrada somente pelas tormentas periódicas, respirava-se ingenuidade, resignação e alguma fraternidade.
Ocorre que a pobreza desvestida de revolta e sem as angústias decorrentes das ansiedades de poder e de glória une os seus membros em relativa amizade, porque não se tendo o que invejar, nem competir, nem anelar, surge um clima de identificação de necessidades e de compreensão, que a todos atende no mesmo nível de relativa paz.
Foi, nesse cenário de gentes simples e desataviadas, que a sinfonia do Evangelho esplendeu em toda a sua majestade e beleza.
Entre pescadores que amavam a labuta do mar, vinhateiros que se afadigavam pelo cultivo da videira, curtidores de lã animal afeiçoados à fabricação tosca de tecidos, Ele encontrou o coração do povo que abriu a sua acústica para ouvir a melodia da esperança.
Israel estava cansado de rabis e profetas, afinal de contas, mais enfáticos e orgulhosos, guerreiros e presunçosos, que irmãos da plebe e companheiros dos sofredores.
Periodicamente, apareciam tonitruantes, belicosos, ameaçadores, exóticos, conclamando o povo à revolta, ao ódio, ao desforço pela miséria secularmente sofrida, sem oportunidade de dignificação.
Ele, não! Belo como o irradiar da manhã e puro como uma chama ardente, era afável e companheiro, misturando-se com os deserdados e com eles convivendo sem parecer-lhes melhor ou superior.
A Sua voz, embora forte em determinados momentos, era macia e quente aos ouvidos do desespero, apaziguando-o, o que permitia que a Sua palavra penetrasse qual música divina e se fixasse como unguento perfumado nos refolhos das almas.
Assim, conforme seria de esperar-se, a pouco e pouco foi se tornando conhecido e amado - esperança vigorosa daqueles que haviam perdido tudo, menos a identidade com Deus!
Não poucas vezes, contemplando as massas sedentas de paz e necessitadas de pão, Ele as induzia à confiança irrestrita em Deus, que veste de incomparáveis cores as aves dos céus e os lírios do campo, nutrindo de alimentos os primeiros e vitalizando os outros, a fim de que perfumem o ar. E o Seu verbo encorajava-as ao prosseguimento das lutas em que se afadigavam.
Apesar disso, era necessário insculpir nos seus corações os delineamentos do Reino de Deus, de modo que pudessem enfrentar as vicissitudes com fortaleza, superando-as e preparando-se para o futuro após a dissolução das formas orgânicas.
A arte insuperável de narrar história era um dos recursos pedagógicos mais enriquecedores de que se podia dispor, e todos os grandes pensadores utilizaram-se desse admirável mecanismo para expressar o seu pensamento.
Ele também assim o fez.
Ante as inseguranças e problemáticas do entendimento da ética-moral e dos deveres a todos impostos pela vida, Ele recorria às imagens vigorosas do cotidiano para que pudessem entender e vivenciar o mais valioso recurso de dignificação humana.
(. . .) E as parábolas espocavam dos Seus lábios como flores do campo, naturais e formosas.
Uma delas informava que se tratava de um homem rico, que possuía um mordomo, que foi acusado de estar utilizando em benefício próprio bens que não lhe pertenciam.
E porque tudo indicasse a realidade infeliz da sua conduta, o amo chamou-o e pediu-lhe que prestasse contas da sua mordomia, porquanto já não tinha condições de merecer fé nem respeito.
Surpreendido pela atitude severa do amo, o infiel começou a conjecturar a respeito do futuro que lhe estava reservado, constatando não possuir recursos para o exercício de outra função, que lhe exigisse esforço e luta. Então, desonesto como era, convidou um dos devedores do seu patrão e perguntou-lhe:
— Quanto deves ao meu senhor?
Informado que era cem cados de azeite, propôs-lhe que anotasse apenas metade, comprometendo-se a pagá-los.
O mesmo fez em relação a outro devedor, que informou ser cem coros de trigo, indicando-lhe que anotasse apenas oitenta e não deixasse de pagá-los.
Com essa atitude, o sagaz agradou aos devedores, que lhe ficaram amigos, mas também poupou o seu senhor de grandes prejuízos, garantindo-lhe o recebimento de parte das dívidas.
Em face dessa astúcia, o amo também o estimou, porque essa atitude era compatível com aqueles outros desonestos que se comportavam da mesma maneira, muito diferente Aos filhos da luz.
Após silenciar por um pouco, a fim de que os ouvintes pudessem captar o conteúdo do ensinamento, Ele arrematou enfático:
— Granjeai amigos por meio das riquezas da injustiça; para que, quando estas vos faltarem, vos recebam eles nos tabemáculos eternos.
Quem é fiel no pouco, também é fiel no muito; quem é injusto no pouco, também é injusto no muito.
Se, pois, nas riquezas injustas não fostes fiéis, quem vos confiará as verdadeiras?
E se no alheio não fostes fiéis, quem vos dará o que é vosso?
Ele fez uma grande pausa, perpassando o olhar sobre a massa em meditação, logo prosseguindo:
— Nenhum servo pode servir dois senhores; porque ou há de odiar a um e amar ao outro, ou há de dedicar-se a um e desprezar o outro. Não podeis servir a Deus e às riquezas.
Os fariseus, que eram gananciosos, ouviam todas essas coisas e zombavam dele.
As riquezas da injustiça constituem os recursos que a sagacidade consegue, amealhando para outrem enquanto acumula também para si.
Impossibilitado de ser honrado no cumprimento dos deveres que lhe dizem respeito, o indivíduo utiliza-se dos bens que pode reunir, compensando a própria astúcia com os valores que supõe pertencer-lhe.
Esse comportamento reserva-lhe meios de sobrevivência para o futuro, mas não lhe granjeia a paz de consciência, pelo reconhecer da falibilidade moral e defecção espiritual.
Esse treinamento da honra ao lado dos pequenos valores, de alguma forma prepara-o para as grandes conquistas de que se verá a braços, a serviço do Senhor da Vinha, Aquele que é a Justiça e Soberania.
Torna-se indispensável aprender a servi-lO mediante os bens da avareza, da transitoriedade, do comércio terreno, no qual a maioria se equivoca, dando-Lhe prioridade e significação.
A sua posição enfrenta, então, duas alternativas, a que diz respeito ao mundo imediato e aquela que se refere à transcendência.
Quem deseje a eterna, certamente terá que despojar- -se da ambição enganosa dos valores transitórios, porque em serviço da autoiluminação, necessita despojar-se de toda sombra interior, enquanto caminha pela senda humana.
Mordomos, todos o somos dos haveres divinos, que nos cumpre prestar contas com fidelidade, a fim de sermos credores da confiança em relação aos eternos recursos da Paternidade Celeste.
Paramirim-BA, em 21. 06. 2004.
AMÉLIA RODRIGUES
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