Há Flores no Caminho
Versão para cópiaA superior justiça
As duas faces das paixões humanas ali se configuravam, inconfundíveis: a violência, na sua agressividade infrene, ululante, destruidora, e a fuga, açodada pela fraqueza moral, batendo em retirada, sem dignidade.
A praça enorme, ensolarada, estava deserta.
O Sol dardejante se encontrava em triunfo.
Há pouco, agitava-se a mole quase assassina, sedenta de sangue, transferindo para uma vítima inerme as próprias debilidades e frustrações.
Não poucas vezes, a agressão resulta de um processo psicológico de transferência da culpa, íntima, que se vê refletida noutrem, naquele que, em erro, caiu nas armadilhas do conhecimento público.
Não se sentindo encorajado para rechaçar as imperfeições, lapidando as arestas grosseiras da personalidade enferma, o agressor descarrega no próximo toda a vergonha que o aturde, a imensa insânia em que estertora.
Fora a ocorrência, há pouco sucedida.
O vozerio cedera lugar ao silêncio, quase incômodo; a fúria caíra diluindo-se em modorra, em afastamento discreto. . .
Daquele lado, se apedrejavam as adúlteras, lapidando-se pelo crime a que foram levadas por fatores mui variados.
No entanto, a voz serena e grave do estranho fulminara os agressores.
Nem sempre vige a pureza nos atos das criaturas, mas a aparência puritana tem neles primazia.
Aos seus ouvidos ecoavam as blasfêmias; no corpo cansado as bofetadas e os primeiros golpes sofridos agora doíam.
Pessoa alguma lhe parecia conhecer os dramas íntimos, as úlceras purulentas em que se dilacerava. . . "— Ninguém te condenou? — Ele interrogara, triste e profundo. — Nem eu tampouco te condeno. . . " Ela, então, reflexionava, emocionada.
Depois de sentir-Lhe a compaixão e ouvir-Lhe a voz, uma fulminante transformação ocorria no seu mundo interior. "Donde O conhecia? — inquiriu-se. — Ele não seria o esperado, Aquele que mudaria a dureza da Lei, substituindo-a pela benevolência da recuperação?" Passeando a memória pelas cenas de há pouco, reviu o esposo, espumejante, na fragilidade da sua suprema ignorância ofendida. "Ele jamais lhe indagara das lágrimas que tragava, salgadas, em silêncio. "Não se deixando escusar do delito, sabia que tombara, por lhe faltarem os valores para a resistência. "Não caíra, no entanto, a sós. "O esposo, soberbo, nunca lhe brindara ternura. Egoísta, jamais se recordara de aquecê-la com a solidariedade e o amor. Transitava ao seu lado, mais escrava do que companheira, enquanto lhe eram negados entendimento e amizade. . . "Em soledade, deixou-se sonhar, embriagando-se sob o excesso de ilusão, até que tombou nas garras do sedutor venal!".
Naquele instante recordou-se do falcão que a arrojara no abismo, despedaçando-lhe a alma.
Evocou as palavras ardentes e as promessas vãs com que ele a seduzira. "No báratro que se estabelecera, — pensou, triste — no flagrante lavrado pela perfídia do próprio marido, descobriu-se mais a sós do que nunca. . . "Sequer esperou apoio; nem se atreveu a pedi-lo. "O ladrão da sua honra se evadira, amedrontado, deixando-a no aspérrimo testemunho. . . "Talvez, agora estivesse apoiando os quase lapidadores, no grupo dos que pugnam pela dignidade e são os fomentadores dos crimes. " Subitamente explodiu-lhe como um raio, na mente em febre, a frase imorredoura: "— Não tornes a pecar!" Assustou-se e espraiou o olhar pela praça ardente, em ouro solar.
Estava a sós, como sempre: de forma, porém, diversa, como nunca dantes.
Percebia que não fora condenada nem mesmo por Ele, mas compreendeu, que também não fora absolvida.
Ele não a censurara ou punira, mas também não a inocentara.
O erro é sombra na luz de quem delinque.
A enfermidade representa distúrbio no equilíbrio do organismo que a carrega.
A mulher adúltera, emocionada, renascendo dos escombros, descobriu a magnitude da lição do Rabi: devia reparar o erro, a fim de quitar a dívida perante a própria e a Consciência Divina.
Levantar-se para ser feliz, era o impositivo do momento.
Igualmente não lhe cumpria guardar ressentimento ou mágoa daqueles que, anatematizados, quiseram ferreteá-la em alucinado desforço homicida.
Não lhe cumpria condenar os seus julgadores precipitados, os furibundos justiceiros carentes de equilíbrio, de paz.
Durante as Festas dos Tabernáculos, naquele outubro, descendo do monte das Oliveiras, na direção da cidade, Jesus demonstrou a grandeza da Sua mensagem, a sabedoria do Seu reino, a excelsa magnitude do Seu julgamento.
Ninguém que se encontre investido do direito de atirar pedras, malsinar, perseguir. . .
A Boa Nova, em plenitude de ação, se instalava nos corações do futuro, desde então, em poemas de amor e perdão, de misericórdia e esperança em superior justiça.
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João 8:11
E ela disse: Ninguém, Senhor. E disse-lhe Jesus: Nem eu também te condeno: vai-te, e não peques mais.
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