Pelos Caminhos de Jesus

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CAPÍTULO 11

A CEGUEIRA MAIOR

Considerada uma das cidades mais antigas da Terra, Jerico, em árabe conhecida como Arihã, na Jordânia, é um verdadeiro oásis entre as regiões áridas em que se situa.

Suas fontes jorram cantantes e transparentes, enquanto os leques de tamareiras oscilam aos ventos brandos do entardecer, contrastando com as laranjeiras luxuriantes e quase sempre em flor.

Surgida no período neolítico, aproximadamente no sétimo milênio a.C., era cercada de muralhas fortes, que, não obstante, foram reconstruídas cerca de dezesseis vezes apenas no terceiro milênio a.C.

Conforme a tradição, Josué a teria conquistado, derrubando-lhe as fortes defesas ao som das suas trombetas e quando lhe arremessou de encontro a sua lança, por volta dos anos 1400:1260 - a.C.

Posteriormente, a regular distância, Herodes reconstruiu-a com beleza e jardins, preservando-lhe o prestígio de cidade amena, em razão do clima de que desfrutava.

Inúmeras vezes Jesus transitou pela agradável e festiva Jerico.

Centro comercial e agrícola próspero, era passagem quase obrigatória entre a Galileia e Jerusalém.

Sempre que ali esteve, a multidão, fascinada pelo Seu verbo e feitos, acompanhou-O.

As notícias, ganhando o volume das emoções das testemunhas, aureolavam-nO com fantasias e absurdos, provocando suspeição e maldade dos permanentes invejosos.

A verdade, porém, superava os exageros, e quantos se sentiam tocados por Ele, entregavam-se a diferente curso de vida, jamais volvendo ao que eram...

Certamente, os seguidores anelavam pela Terra, enquanto Ele promulgava o "Reino dos Céus".

Ele era o amanhecer diferente; e os homens, o crepúsculo de uma Era.

Ele se fazia a juventude, rica de esperanças; e os seguidores, a velhice das paixões.

Ele revestia-se de saúde, e os necessitados envergavam as doenças e os vícios.

Ele se espraiava em luz, enquanto os que O cercavam se debatiam em trevas...

Não deixava de ser um paradoxo estranho.

(...) E assim, Ele incendiou o velho mundo, dos compromissos mesquinhos, ensejando a visão ditosa da liberdade espiritual.


* * *

Jerico O recebia com entusiasmo.

A alegria da terra ressequida, quando beijada pelo orvalho, era o que se sentia na cidade quando Ele chegava. Como se aragem branda empurrasse o calor asfixiante para longe, era a sensação que Sua presença produzia.

Não apenas os desafortunados lhe requisitavam a atenção, em face da miséria econômica, senão os poderosos, igualmente portadores da miséria de natureza moral.

Havia, em Jerico, um conhecido mendigo, filho de Timeu, por isso chamado Bartimeu, que era cego. (Marcos 10:46-52. Vide em Primícias do Reino, de nossa autoria, o Capítulo "Zaqueu, o rico de humildade")


* * *

Sentado, à margem da estrada, carpia a treva em que se encontrava mergulhado, rogando esmolas.

A esperança abandonara-o, substituída pela dor que nele fez morada.

Os largos anos de sombra marcaram-no de desencanto, e o desprezo que sofria tornara-o um morto que respirava num corpo cansado.

Nenhum ideal, forma alguma de alegria acenavam-lhe vida.

A monotonia da própria desdita não lhe piorava o quadro de infortúnio, ou motivo outro algum retirava-o para uma ambição de alvíssaras.

A marcha dos desiludidos é sempre assinalada pela sombra mesclada de sombras.

Não, porém, naquele dia...

A notícia da chegada de Jesus à cidade deixara-o excitado, expectante.

No máximo da amargura luzia-lhe uma claridade de esperança, um fiapo de fé, que passou a constituir-lhe estímulo que já não conhecia desde há muito.

Estava mergulhado nestas reflexões de alento, quando escutou a multidão pronunciar o nome de Jesus de Nazaré.

Todo ele se comoveu.

Aquela era a sua oportunidade, a última. Ouvira falar d’Ele e acreditava, na imensa descrença em que se aturdia, na Sua força restauradora.


Rompeu o silêncio, e a voz do desespero gritou pela sua boca:

— "Jesus, Filho de Davi, tem piedade de mim! " Em vez de provocar a compaixão dos que passavam, o egoísmo deles repreendeu-o, pedindo-lhe compostura, exigindo-lhe quietação.

Tinham o Mestre e queiram-nO para si, sem facultar a mesma bênção aos demais.


O infeliz, todavia, sem temer, com a coragem dos desesperados, prosseguiu, rogando:

— "Jesus, Filho de Davi, tem piedade de mim! " O Senhor, sentindo-lhe a ansiedade e a fé, compadeceu-se dele e pediu que o chamassem, trazendo-o à Sua presença.

Mudara-se a paisagem emocional.


Os acompanhantes, estimulando o cego, já lhe acenavam esperança, afirmando:

— "Coragem, levanta-te, que Ele te chama".

Desejavam mais um fato, sempre um fato novo.

O diálogo foi de encantamento.

— "Que queres que te faça! " -, inquiriu Jesus.

— "Rabboni, que eu veja! " -, respondeu-Lhe o cego.

Naquele rápido minuto, que sintetizava toda a vida nas sombras, ele quis gritar, mas se deteve paralisado.

— "Vai — impôs-lhe o Mestre a tua fé te salvou! " Bartimeu não teve tempo sequer para reflexionar, pois a voz, vibrante e rica de harmonias, penetrando-lhe a acústica da alma, fez que lhe explodisse a claridade nos olhos apagados e ele enxergou.

A luz dourada do Sol, o verde da vida, as cores variadas da festa do dia e do sorriso dos homens dominaram-no, impondo-lhe a sinfonia das lágrimas.

A dor do momento inusitado, fizeram-se a adaptação e a alegria da visão em festa de beleza.

Quando ele quis agradecer, o Mestre se havia afastado.

Nunca Ele recebia o reconhecimento dos beneficiários do Seu Amor.

Bartimeu é o símbolo dos cegos espiritualmente, em todos os tempos.

Jerico é ainda o mundo moderno.

Pede-se-Lhe que cure e recusa-se a saúde que Ele oferece.

Anela-se pela Sua presença, enquanto Ele é repelido pela astúcia e ambição humana.

Buscando a paz que Ele representa, os homens fomentam a guerra em que se consomem.

São os mesmos cegos espirituais que têm Jesus e, porque sem fé, não O buscam, ou, quando Ele chega rejeitam-nO.

Esta é a cegueira maior e pior, porque da alma rebelde, ingrata e insatisfeita.



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Marcos 10:46

Depois foram para Jericó. E, saindo ele de Jericó com seus discípulos, e uma grande multidão, Bartimeu, o cego, filho de Timeu, estava assentado junto do caminho, mendigando.

mc 10:46
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