Quando Voltar a Primavera

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CAPÍTULO 2

AS NÚPCIAS EM CANÁ

Os arqueólogos divergem quanto ao local em que teria ocorrido o sucesso. Aliás, isto não é importante. O incontestável é o fato em si mesmo, que passou à história do Evangelho, demorando-se como marco inconfundível dos novos tempos.

Narra-o João (João 2:1-11), em linguagem clara e precisa, sem retoques nem confusas imagens de retórica.

A ocorrência é comovedora, das mais belas.

A única em toda a Boa-nova que se dá em clima de alegria, na qual Jesus participa dos júbilos gerais, permite-se viver as alegrias transitórias do mundo... Possui um sentido profundo, guarda uma mensagem oculta, delicada, transcendente...

Era adar (Março). As chuvas do inverno haviam cessado. A terra estuante arrebentava-se em flores, enquanto os verdes cambiantes contrastavam com as pedras negras e o céu azul ferrete.

(...) Fazia frio pela manhã, o Sol abrasava ao meio-dia e a temperatura caía ao entardecer.

Ao longe a moldura líquida do lago transparente destacava-se, a seu turno, com a visão do monte Hermon coroado de neve alvinitente.

Vez que outra se escutavam as vozes da Natureza em orquestração poderosa, enquanto os cantos das rolas faziam duetos com o vento primaveril...

Betsaida situa-se a 208 metros abaixo do nível do mar, e Nazaré a quase 500 metros acima.

A aldeia poderia ter sido a taful Kef Kenna, entre bosques floridos e águas cantantes, próspera, encantadora. A subida lenta da montanha desde Betsaida era de 28 quilômetros aproximadamente, vencendo as escarpas pelos atalhos entre o Tabor e Djernaq a 10 quilômetros de Nazaré. A paisagem, todavia, fresca e agradável, diminuía a aspereza do caminho. (Há autores e estudiosos do Evangelho que asseveram ser o evento acontecido em Kir- bet Qana, onde hoje se encontram alguns escombros, situada a 14 quilômetros de Nazaré. Preferimos a primeira hipótese) Há dois meses que Ele saíra de Nazaré, deixando a carpintaria com as ferramentas em silêncio.

Há pouco Ele estivera em Betabara, no Jordão, e deixara-se batizar... Seguira logo depois ao grande testemunho das tentações.

Já havia convocado os primeiros companheiros, e os fatores propiciatórios do ministério se reuniam.

Maria se encontrava em Caná. Convidada, como foram Jesus e os discípulos, antecedera-O. Ele abraçou-a ao chegar com inaudita ternura. Ela O aguardava com ansiedade crescente e afeto desmedido.

A cena comovente estava assinalada pelas expectativas de felicidade da mãe saudosa que se renovava no carinho do filho terno que a afagaria.

Os abismos das distâncias fecham-se; entre eles a comunhão profunda com Deus se faz espontânea. Aqueles dois primeiros meses de separação eram o prenuncio da temporária e dorida distância terrena que se interporia depois entre os dois.

Ele deveria percorrer os caminhos ásperos dos homens, amando, não amado, enquanto ela O seguiria depois com a alma dilacerada por invisíveis e afiados punhais...

De certo modo seriam assim as vidas de todas as mães, em particular daquelas que doariam ao mundo os mártires, os heróis, os santos...

Estavam ao lado d’Ele, na ocasião, Filipe e Natanael que eram de Caná e O seguiram. Eram jovens e necessitavam de algo que os embriagasse de fé, a ponto de mais tarde poderem doar a vida, conforme o fizeram...

A festa nupcial convidativa iniciava-se em clima de expectativas, em circunstâncias felizes. Todas elas em Israel eram significativas.

Consoante os recursos financeiros e a posição social dos nubentes, demoravam de três a oito dias...

A cerimônia era grave, o compromisso responsável, de realce.

A noiva se fazia conduzida numa cadeira especial, obedecendo a velhos rituais, e as alegrias estrugiam em todos os participantes do cerimonial.

Os convidados, normalmente austeros, abstêmios e comedidos noutras ocasiões, em tais oportunidades tornavam-se bulhentos, pródigos em excesso...

Ao cair da tarde - quando as fímbrias de luz douravam o cabeço dos montes mais altos e o lusco-fusco da tarde-noite permitia a visão do lucilar das estrelas no alto —, as festas se iniciaram.

Os atos nupciais foram realizados já, e todos exultavam em efusivas saudações e brindes aos consortes.

Músicos e bailarinos convidados enchiam de melodias e movimento as pérgulas e alpendres, as salas amplas da casa onde todos se comprimiam.

As abluções se fizeram fartas conforme as severas recomendações da lei. Seis vasos de pedra com capacidade cada um para 2 ou 3 métrêtes (Métrête: medida grega que corresponde a 40 litros, aproximadamente) estiveram refertos.

Os convidados se banqueteavam com acepipes e guloseimas, frutos secos e peixes defumados, fritos, gordurosos, acebolados... As alegrias da mesa farta se misturavam às canções a ao vinho embriagante. Eram famosos os vinhedos da região, capitosos e diferentes.

Maria, diligente amiga da família, acompanhava as cenas e rejubilava-se com todos. A presença do filho era-lhe felicidade para o coração.

Sucedeu ao dia a noite serena e as festividades prosseguiram.

O vinho corre abundante.

Convidados retardatários chegavam e as paisagens da emoção se faziam renovadas.

No transcorrer das festas, Maria percebeu que o vinho não poderia atender à insaciedade de todos e recorreu, aflita, ao filho.

Ela sabia da Sua procedência, do Seu poder, e resolveu interceder junto a Ele pela família.

De certa forma será ela desde ali a perene intercessora perante o filho em favor das criaturas humanas de todos os tempos. Far-se-á sublime mediadora a partir de então entre Jesus e os homens...

Acercou-se, discreta, e apresentou-lhe os receios do coração a meia voz.

— Faltará o vinho — assevera-Lhe com preocupação — e isso é sinal de mau agouro para os nubentes que começam a edificação do lar.

Jesus estava acima de tais conjunturas mesquinhas, não se preocupando com as questões de pequena monta, as insignificâncias das crendices. E Israel as possuía muitas...

Fitou-a, amoroso, e redarguiu-lhe com a ternura habitual de filho devotado.

— Mulher, que tenho eu com isto?! Minha hora ainda não é chegada.

A expressão mulher, não obstante soe aos ouvidos modernos como rude, em Israel era verbete de carinho e respeito na intimidade familial, desde os antigos. Na Cruz, novamente Ele repetirá a palavra num tom de inesquecível angústia, mas também de devoção.


Maria, que Lhe conhecia a disposição de servir, asseverou aos servos, tranquila:

— Fazei tudo quanto Ele vos disser.

Há um momento breve de longa espera.

Os dois amores se penetram de ternura. Ela sorri. Ele medita.


Ato contínuo, tocado pela significação do momento, Ele se aproximou dos servidores e propôs:

— Trazei as talhas e enchei-as.

A água flui e referta transparente, clara, os depósitos arrumados à Sua frente.

Ele distende as mãos em silêncio sobre a água.

A cena é rápida, simples, sem balbúrdia. Poucos a percebem, somente os que estão próximos.

Utilizando-se de pequeno vaso recolhe um pouco e sorve-a...

— Levai os vasilhames ao mordomo e distribuí.

A voz dulçorosa apresenta-se com indefinível modulação. Aquele é o primeiro momento que produzirá deslumbramentos, não o último...

Ele conhece os homens, sua infância espiritual, seus ardis. Nas alegrias se iniciarão Suas dores...


O Mestre de cerimônias, tomando de um cíato dourado, recolhe o líquido que sorve com espanto e exclama:

— Este vinho deveria ter sido servido antes que os convidados estivessem tontos, a fim de lhe valorizarem o sabor, como se usa fazer, primeiro apresentando-se o bom, para depois o de qualidade inferior...

Os comentários apontam-nO responsável pelo ocorrido.

Admiração e surpresa confraternizam. Ele silencia.

Os sons das flautas, dos alaúdes, dos pífaros são o contracanto à melodia de entusiasmo na garganta de todos.

Caná será o marco inicial do Seu ministério público, numa boda, num momento festivo.

A Sua prisão se dará em outra festa, na da Páscoa, enquanto Israel está em júbilos...

Na primeira, Ele participa das bodas e as abençoa. Empresta significação e responsabilidade ao matrimônio. Ali, confere apoio, distende compreensão, começa a doar, adoçando a esperança de todos.

Aqui, o dever é cruz de devoção.

Na outra, Ele dá-se à Humanidade em sacrifício da própria vida, sorvendo vinagre e fel no madeiro da agonia.

Essa é a cruz da renúncia, da abnegação.

Seus feitos são lições de inconfundível beleza e sabedoria.

Entre as duas festas transcorrem menos de três anos. Os velhos alicerces do mundo tremem nesse ínterim.

Sua voz reformula os códigos dos direitos humanos e as Suas ações darão início à Era Nova do amor, dantes jamais sonhada.

Ele é o meio-dia das criaturas de todos os tempos, o divisor da História.

Natanael e Filipe se deslumbram com o fenômeno da transformação da água em vinho, participam dos comentários que todos entretecem sobre Ele e não cabem em si de entusiasmo.

Desde ali, Seu nome se fez conhecido, facilmente identificado.

A voz do povo propaga-O aos quatro ventos.

Quando soarem as suas horas nas praias e nas praças, nas sinagogas e nas ruas, Ele abrirá os braços e afagará as multidões, conduzindo-as ao rumo da luz inapagável e da felicidade que não se acabará.

Caná é a marca inicial do Evangelho dos feitos. O Gólgota, porém, não se tornará o término da Sua mensagem, como se poderia supor.

Até hoje, nas alegrias e nas tristezas, Jesus se apresenta para o homem de todos os tempos, conforme ocorreu nas bodas inesquecíveis, produzindo um sublime noivado com a criatura humana, ao mesmo tempo convidando-a para as excelsas núpcias que se realizarão no Reino Espiritual, o Seu Reino além deste mundo.



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João 2:5

Sua mãe disse aos serventes: Fazei tudo quanto ele vos disser.

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João 2:8

E disse-lhes: Tirai agora, e levai ao mestre-sala. E levaram.

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João 2:9

E, logo que o mestre-sala provou a água feita vinho (não sabendo donde viera, se bem que o sabiam os serventes que tinham tirado a água), chamou o mestre-sala ao esposo.

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João 2:1

E, AO terceiro dia, fizeram-se umas bodas em Caná da Galileia: e estava ali a mãe de Jesus.

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João 2:2

E foi também convidado Jesus e os seus discípulos para as bodas.

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João 2:3

E, faltando o vinho, a mãe de Jesus lhe disse: Não têm vinho.

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João 2:4

Disse-lhe Jesus: Mulher, que tenho eu contigo? ainda não é chegada a minha hora.

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João 2:6

E estavam ali postas seis talhas de pedra, para as purificações dos judeus, e em cada uma cabiam dois ou três almudes.

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João 2:7

Disse-lhes Jesus: Enchei d?água essas talhas. E encheram-nas até em cima.

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João 2:10

E disse-lhe: Todo o homem põe primeiro o vinho bom, e, quando já têm bebido bem, então o inferior; mas tu guardaste até agora o bom vinho.

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João 2:11

Jesus principiou assim os seus sinais em Caná da Galileia, e manifestou a sua glória; e os seus discípulos creram nele.

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