Os mensageiros
Versão para cópiaPonderações de Vicente
Não estava farto de lições, mas, para o momento, havia aprendido bastante. Impressionado com o que me fora dado observar, não insisti com Vicente para prolongar nossa demora no Centro de Mensageiros.
Deixando grandes grupos em conversação ativa, reconstituindo projetos e refazendo esperanças, segui o companheiro que me convidava a visitar os imensos jardins. Roseirais enormes balsamizavam a atmosfera leve e límpida.
— Sinto-me fortemente impressionado, — murmurei. Quem diria pudessem caber tantas responsabilidades a essas criaturas? Não conheci pessoalmente nenhum médium ou doutrinador do Espiritismo, justificando agora minha surpresa.
Vicente sorriu e ponderou:
— Você, meu caro, procede das Câmaras de Retificação, onde os trabalhos são muito reservados e circunscritos. Talvez sua impressão provenha dessa circunstância. Verá, porém, com o tempo, que existem aqui locais de conversações dessa natureza, referentes a todas as oportunidades perdidas. Já visitou alguma dependência do Ministério do Esclarecimento?
— Não.
— Localizam-se, ali, os enormes pavilhões das escolas maternais. São milhares de irmãs que comentam, por lá, as desventuras da maternidade fracassada, buscando reconstituir energias e caminhos. Ainda ali, temos os Centros de Preparação à Paternidade. Grandes massas de irmãos examinam o quadro de tarefas perdidas e recordam, com lágrimas, o passado de indiferença ao dever. Nesse mesmo Ministério, temos a Especialização Médica. Nobres profissionais da Medicina, que perderam santas oportunidades de elevação, lá discutem seus problemas.
Nesse instante o interrompi, observando:
— Entretanto, somos médicos e não nos achamos lá.
— Sim, — explicou Vicente, bondoso, — infelizmente para nós ambos, caímos em toda a linha. Não só na qualidade de médicos, mas muito mais como homens, pois que, se disse a você o que sofri, ainda não contei o que fiz.
— É verdade, — concordei, desapontado, recordando minha condição de suicida inconsciente.
— Ainda no Esclarecimento, — prosseguiu o companheiro, — temos o Instituto de Administradores, onde os Espíritos cultos procuram restaurar as forças próprias e corrigir os erros cometidos na mordomia terrestre. Nos Campos de Trabalho, do Ministério da Regeneração, existem milhares de trabalhadores que se renovam para a recapitulação das grandes tarefas da obediência.
Somos numerosos, — continuou, sorridente, — os falidos nas missões terrestres e note-se que todos os que hajam chegado a zonas como “Nosso Lar” devem ser levados à conta dos extremamente felizes. Temos aqui dois Ministérios Celestiais, como o da Elevação e o da União Divina, cuja influenciação santificante eleva o padrão dos nossos pensamentos sem que o percebamos de maneira direta. O estágio aqui, André, representa uma bênção do Senhor, e, por muito que trabalhássemos, nunca retribuiríamos a esta colônia na medida de nosso débito para com ela. Nossa situação é a de abrigados em verdadeiro paraíso, pelo ensejo de serviço edificante que se nos oferece. Quanto a outros companheiros nossos…
Fez longo hiato e continuou:
— Quanto a muitos, estão fazendo angustiosas estações de aprendizado nas regiões mais baixas. São infelizes prisioneiros uns dos outros, pela cadeia de remorsos e malignas recordações. No que concerne à Medicina, os colegas em bancarrota espiritual são inúmeros. A saúde humana é patrimônio divino e o médico é sacerdote dela. Os que recebem o título profissional, em nosso quadro de realizações, sem dele se utilizarem a bem dos semelhantes, pagam caro a indiferença. Os que dele abusam são, por sua vez, situados no campo do crime. Jesus não foi somente o Mestre, foi Médico também. Deixou no mundo o padrão da cura para o Reino de Deus. Ele proporcionava socorro ao corpo e ministrava fé à alma. Nós, porém, meu caro André, em muitos casos terrestres, nem sempre aliviamos o corpo e quase sempre matamos a fé.
As palavras sensatas do amigo caíam-me nalma como raios de luz. Tudo era a verdade, simples e bela. Ainda não pensara, de fato, em toda a grandeza do serviço divino de Jesus Médico. Ele expulsara febres malignas, curara leprosos e cegos de nascença, levantara paralíticos, mas nunca ficava apenas nisto. Reanimava os doentes, dava-lhes esperanças novas, convidava-os à compreensão da Vida Eterna.
Engolfara-me em pensamentos grandiosos, quando o companheiro voltou a falar:
— Tenho um amigo, nosso colega de profissão, que se encontra nas zonas inferiores, há alguns anos, atormentado por dois inimigos cruéis. Acontece que ele muito faliu como homem e médico. Era cirurgião exímio, mas, tão logo alcançou renome e respeito geral, impressionou-se com as aquisições monetárias e caiu desastradamente. Nos dias de grandes negócios financeiros, deslocava a mente das obrigações veneráveis, colocando-a distante, na esfera dos banqueiros comuns. Não fosse a proteção espiritual, essa atitude teria comprometido oportunidades vitais de muita gente. A colaboração do pobre amigo tornara-se quase nula, e alguns desencarnados nas intervenções cirúrgicas que ele praticava, notando-lhe a irresponsabilidade, atribuíram-lhe a causa da morte física, quando não a esperavam, votando-lhe ódio terrível. Amigos do operador prestaram esclarecimentos justos a muitos; entretanto, dois deles, mais ignorantes e maldosos, perseveraram na estranha atitude e o esperaram no limiar do sepulcro.
— Horrível! — Exclamei. Se ele, porém, não é culpado da desencarnação desses adversários gratuitos, como pode ser atormentado desse modo?
Explicou Vicente, em tom mais grave:
— Realmente, não tem a culpa da morte deles. Nada fez para interromper-lhes a existência física. Mas é responsável pela inimizade e incompreensão criadas na mente dessas pobres criaturas, porque, não estando seguro do seu dever, nem tranquilo com a consciência, o nosso amigo julga-se culpado, em razão das outras falhas a que se entregou imprevidentemente. Todo erro traz fraqueza, e, assim sendo, o nosso colega, por enquanto, não adquiriu forças para se desvencilhar dos algozes. Perante a Justiça Divina, portanto, ele não resgata crimes inexistentes, mas repara certas faltas graves e aprende a conhecer-se a si mesmo, a entender as obrigações nobres e praticá-las, compreendendo, por fim, a felicidade dos que sabem ser úteis com a segurança da fé em Deus e em si mesmos. A noção do dever bem cumprido, André, ainda que todos os homens permaneçam contra nós, é uma luz firme para o dia e abençoado travesseiro para a noite. O nosso colega, tendo abusado da profissão, entrou em dolorosa prova.
— Ah! Sim! — Exclamei, — agora compreendo. Onde exista uma falta, pode haver muitas perturbações; onde apagamos a luz, podemos cair em qualquer precipício.
— Justamente.
Calou-se o amigo, andando, muito tempo, ao meu lado, como se estivesse surpreendido, como eu, defrontando as avenidas de rosas. Depois de longas meditações, convidou-me fraternalmente:
— Regressemos ao nosso núcleo. Creio devamos ouvir Aniceto, ainda hoje, referentemente ao serviço comum.
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