Os mensageiros

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Capítulo XVI

No Posto de Socorro


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Deslumbrava-me a visão do castelo soberbo! Incapaz de exprimir a admiração que me dominava, acompanhei Aniceto em silêncio. Com grande surpresa, entretanto, verifiquei que a construção magnífica não se mantinha sem defesa. Cercavam-na pesados muros numa extensão que meus olhos não conseguiam abranger.

Quem imaginasse uma tal instituição, localizada nas zonas invisíveis, dificilmente conceberia contrafortes daquela natureza. A noção de Céu e inferno, fundamente arraigada na mente popular, não deixa perceber que os homens, de modo geral, não se modificam com a morte física, como a troca de residência não significa mudança de personalidade para a criatura comum.

Espantado, notei que o nosso orientador fazia mover quase imperceptível campainha, disfarçada na muralha. Creio que, se Aniceto estivesse só, não precisaria desse expediente, dado o seu poder espiritual acima de todas as resistências grosseiras; no entanto, estávamos em sua companhia e, mais uma vez, quis igualar-se a nós, por fidalguia de tratamento. Ocultar a própria glória é do código do bom-tom nas sociedades espirituais nobres e santas.

Atendendo-nos, dois servidores abriram a porta extremamente pesada, que rodou nos gonzos, como se daria em qualquer edificação mais antiga do Plano terrestre.

— Salve! Mensageiros do bem! — Disseram ambos ao mesmo tempo, fixando Aniceto, em atitude reverente.

Aniceto levantou a mão, que se fez luminosa nesse instante, e balbuciou algumas palavras de amor, retribuindo a saudação respeitosa. Entramos.


Fiquei admirado! Pomares e jardins maravilhosos perdiam-se de vista. A sombra, aí, não era tão intensa. Sentíamo-nos banhados em suavidade crepuscular, graças aos grandes focos de luz radiante. O interior apresentava aspectos inesperados. Somente agora eu compreendia que a muralha ocultava a maioria das construções. Pavilhões de vulto alinhavam-se como se estivéssemos diante de prodigioso educandário. Turmas variadas de homens e mulheres dedicavam-se a serviços múltiplos. Ninguém parecia dar conta de nossa presença, tal o interesse que o trabalho despertava em cada um.

Acompanhávamos Aniceto através de numerosas fileiras de árvores senhoris, que se assemelhavam a carvalhos antiquíssimos.

Observava, todavia, que nesse abençoado Posto de Socorro a Natureza se fizera maternal. Havia, agora, mais luz no céu e o vento era mais fagueiro, sussurrando brandamente no arvoredo farto. O bondoso instrutor, notando a nossa admiração, esclareceu:

— Esta paz reflete o estado mental dos que vivem neste pouso de assistência fraterna. Acabamos de atravessar uma zona de grandes conflitos espirituais, que vocês ainda não podem perceber. A Natureza é mãe amorosa em toda a parte, mas, cada lugar mostra a influenciação dos filhos de Deus que o habitam.

A explicação não poderia ser mais clara.


Atingindo o edifício central, construído à maneira de formoso castelo europeu dos tempos feudais, fomos defrontados por um casal extremamente simpático.

— Meu caro Aniceto! — Falou o cavalheiro, abraçando o nosso orientador.

— Meu caro Alfredo! Minha nobre Ismália! — Respondeu Aniceto, sorridente.

Após as saudações afetuosas, apresentou-nos, lisonjeiro.

O casal abraçou-nos, evidenciando cordialidade e atenção amiga.

— Nosso prezado Alfredo, — continuou Aniceto, elucidando, — é o dedicado Administrador deste Posto de Socorro. Há muito tempo consagrou-se ao serviço de nossos irmãos ignorantes e desviados.

— Oh! Oh! Não prossiga! — Revidou o apresentado, como a fugir às referências elogiosas, — consagrei-me simplesmente ao dever.

E, como se quisesse modificar a conversação, prosseguiu, atencioso:

— Mas, que surpresa agradável! Há muitos dias não temos visitas de “Nosso Lar”! Ainda bem que vieram hoje, quando Ismália veio igualmente ter comigo!…

Pois quê? — Considerei intimamente. Não seria aquela senhora, de lindo semblante, a esposa dele? Não viveriam ali juntos, como na Terra? Antes, porém, que pudesse chegar a qualquer conclusão, Alfredo conduzia-nos ao interior doméstico. As escadas de substância idêntica ao mármore, impressionavam-me pela transparente beleza.

De varanda extensa e nobre, onde as colunatas se enfeitavam de hera florida, muito diferente, porém, da que conhecemos na Terra, penetramos em vasto salão mobilado ao gosto mais antigo. Os móveis delicadamente esculturados formavam conjunto encantador. Admirado, fixei as paredes, de onde pendiam quadros maravilhosos. Um deles, contudo, impunha-me especial atenção. Era uma tela enorme, representando , o Apóstolo das Gálias rudemente supliciado nos primeiros tempos do Cristianismo, segundo meus humildes conhecimentos de História. Intrigado, recordei que vira, na Terra, um quadro absolutamente igual àquele. Não se tratava de um famoso trabalho de Bonnat, célebre pintor francês dos últimos tempos? A cópia do Posto de Socorro, todavia, era muito mais bela. A lenda popular estava lindamente expressa nos mínimos detalhes. O glorioso Apóstolo, seminu, com a cabeça decepada, tronco aureolado de intensa luz, fazia um esforço supremo por levantar o próprio crânio que lhe rolara aos pés, enquanto os assassinos o contemplavam, tomados de intenso horror; do alto, via-se descer um emissário divino, trazendo ao Servo do Senhor a coroa e a palma da vitória. Havia, porém, naquela cópia, profunda luminosidade, como se cada pincelada contivesse movimento e vida.

Observando-me a admiração, Alfredo falou, sorrindo:

Quantos nos visitam, pela primeira vez, estimam a contemplação desta cópia soberba.

— Ah! Sim, — retruquei, — o original, segundo estou informado, pode ser visto no Panteão de Paris.

— Engana-se, — elucidou o meu gentil interlocutor, — nem todos os quadros, como nem todas as grandes composições artísticas, são originariamente da Terra. É certo que devemos muitas criações sublimes à cerebração humana; mas, neste caso, o assunto é mais transcendente. Temos aqui a história real dessa tela magnífica. Foi idealizada e executada por nobre artista cristão, numa cidade espiritual muito ligada à França. Em fins do século passado, embora estivesse retido no Círculo carnal, o grande pintor de Bayonne visitou essa colônia em noite de excelsa inspiração, que ele, humanamente, poderia classificar de maravilhoso sonho. Desde o minuto em que viu a tela, Florentino Bonnat não descansou enquanto não a reproduziu, palidamente, em desenho que ficou célebre no mundo inteiro. As cópias terrestres, todavia, não têm essa pureza de linhas e luzes, e nem mesmo a reprodução, sob nossos olhos, tem a beleza imponente do original, que já tive a felicidade de contemplar de perto, quando organizávamos, aqui no Posto, homenagens singelas para a honrosa visita que nos fez o grande servo do Cristo. Para movimentar as providências necessárias, visitei pessoalmente a cidade espiritual a que me referi.

Grande espanto apossara-se-me do coração. Via, agora, explicada a tortura santa dos grandes artistas, divinamente inspirados na criação de obras imortais; agora, reconhecia que toda arte elevada é sublime na Terra, porque traduz visões gloriosas do homem na luz dos Planos superiores.

Parecendo interessado em completar meus pensamentos, Alfredo considerou:

— O gênio construtivo expressa superioridade espiritual com livre trânsito entre as fontes sublimes da vida. Ninguém cria sem ver, ouvir ou sentir, e os artistas de superior mentalidade costumam ver, ouvir e sentir as realizações mais altas do caminho para Deus.

Mas, voltando-se, afável, para Aniceto, exclamou:

— No entanto, o momento não comporta divagações. Sentemo-nos. Devem estar cansados da peregrinação difícil. Necessitam refazer energias e repousar algum tanto.





André Luiz
Francisco Cândido Xavier

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