Os mensageiros

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Capítulo XXIX

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Em vista de apresentação mais íntima de Aniceto, que deixara as jovens em nossa companhia, entramos a conversar animadamente com Cecília e Aldonina. A primeira tinha sido filha dos Bacelar, quando na Crosta; a segunda era uma sobrinha do chefe da família, que aguardava a volta da mãezinha para a organização de um lar na cidade próxima.

Ambas demonstravam magnífico desenvolvimento mental, robusta inteligência e notável capacidade de expressão.

E, enquanto os nossos maiores se conservavam afastados, cogitando de assunto privado, Vicente e eu ouvíamos as jovens, encantados com a sua nobreza e vivacidade.

Verificava que o quadro era idêntico à paisagem social da Terra, apenas diferindo quanto aos sentimentos reais. Não havia qualquer nota de falsa apresentação. Em tudo a alegria pura, a simplicidade fiel, a sinceridade sem mácula.

No desenvolvimento espontâneo da palestra, falou Cecília, com graça:

— Estou trabalhando, há muito, para alcançar um prêmio de visita a “Nosso Lar”. Minhas superioras prometeram-me semelhante satisfação para o ano próximo…

E, sorrindo, rematou expressivamente:

— Entretanto, para consegui-lo, tenho de atender a umas tantas obrigações importantes.

— Pois quê! — Perguntou Vicente, admirado, — é preciso tanto?!

— Sem dúvida, — tornou a jovem, bem humorada, — o meu amigo talvez não esteja convencido, quanto ao brilho de sua atual posição. Viver em “Nosso Lar” é uma grande bênção. Acaso não o terá compreendido ainda?

Sorrimos todos. E, reafirmando o conceito, Cecília continuou:

— Segundo os instrutores que nos visitam em “Campo da Paz”, os seus Ministérios são verdadeiras universidades de preparação espiritual. O ensejo educativo, neles, é imenso. E chego a crer que, para avaliarem a extensão da benesse que Jesus lhes concedeu, seria necessário viverem alguns anos em nossa colônia, onde o trabalho ativo de vigilância e assistência é mais imperioso, mais exigente.

— Em “Nosso Lar”, porém, — objetei, — temos igualmente grande número de sofredores. A Regeneração é uma colmeia de milhares.

A interlocutora, todavia, revelando profunda acuidade nas observações, considerou:

— Você diz muito bem, quando se refere a colmeia, significando possibilidades de trabalho. Creia que os sofredores que atingem o seu núcleo já se encontram a caminho de excelentes realizações. Naturalmente que os irmãos desequilibrados, que por lá existem, já se torturam pelo vagaroso despertar da consciência, já sentem remorsos e arrependimentos indicativos de renovação. São sofredores que melhoram progressivamente, porque o ambiente da cidade é de elevação positiva. Onde a maioria vive com a bondade, a maldade da minoria tende sempre a desaparecer. “Nosso Lar”, portanto, mesmo para os que choram, possui soberanas vantagens espirituais.

Impressionado com o que ouvia, lembrei:

— Eu mesmo trabalhei algum tempo, em cooperação, nas câmaras retificadoras.

— Já ouvi diversas referências a essa instituição, — exclamou Cecília, senhora do assunto, — mas, baseando-me nos informes de mentores amigos, continuo a manter minha opinião.

E, como se já conhecesse nossos processos de serviço, asseverou, sorridente:

— Vocês conhecem lá muitos Espíritos sofredores, mas, em “Campo da Paz”, conhecemos muitos Espíritos obsessores. Lá poderá existir muita gente que ainda chora; mas em nosso meio há muita gente que se revolta. É mais fácil remediar o que geme, que atender ao revoltado. Nas câmaras a que se refere, vocês retificam erros que já apareceram, dores que já se manifestaram; mas aqui, meu amigo, somos compelidos a lutar com irmãos ignorantes e perversos, que se sentem absolutamente certos nas fantasias perigosas que esposaram, e vemo-nos obrigados a atender a doentes que não acreditam na própria enfermidade.

Começava a entender a lógica daquela argumentação, e, reconhecendo a impossibilidade de qualquer contradita, a jovem continuou, segura de si:

— Aliás, é natural que assim seja. Estamos a pouca distância dos homens, nossos irmãos na carne. E sabemos que, na Crosta, a situação não é diferente. Quantos materialistas se fantasiam, por lá, de filósofos? Quantos demônios com capa de santos? Quanta má fé a fingir generosidade e boas intenções? A influência da Humanidade encarnada em nosso núcleo de serviço é vigorosa e inevitável.


Vicente, que ouvia atencioso, obtemperou:

— Deduzo de tudo isso manifestações sacrificiais muito grandes, mas o trabalho em “Campo da Paz” deve ser altamente meritório.

— Incontestavelmente, — respondeu a jovem. — A história da fundação é interessante. Alguns benfeitores, reconhecidos a Jesus, resolveram organizar, em nome dele, uma colônia em plena região inferior, que funcionasse como instituto de socorro imediato aos que são surpreendidos na Crosta com a morte física, em estado de ignorância ou de culpas dolorosas. O projeto mereceu a bênção do Senhor e o núcleo se criou, há mais de dois séculos. Nem todos os Espíritos evolvidos, no entanto, estimam o serviço nesse órgão de assistência constante. A maioria dos missionários vitoriosos, ao se ausentarem da Terra, necessitam refazer energias, por direito natural do trabalhador fiel, e os mentores de nobre posição hierárquica têm seus programas de serviços, que não devem quebrar, em obediência aos desígnios do Senhor. Desse modo, nosso serviço é ativo, mas nossas aquisições são lentas e devemos sempre esperar por cooperadores que se eduquem na própria colônia, em benefício geral. Ganha-se excelente compensação, temos direito a grandes valores intercessórios, mas, por isso mesmo, nossas responsabilidades não são pequenas. Conhecendo a utilidade dos que servem em nossa colônia, não passamos nunca sem instrutores abnegados, que procedem da zona superior, alentando-nos o bom ânimo. O que pedimos, com fundamentação legítima, nunca é negado; e, se tarda o recurso, beneméritos orientadores de nossas atividades prestam explicações que nos libertam de qualquer angústia na espera. Por isso, nosso grupo está sempre coeso e muitos preferem adiar certas realizações sublimes, para permanecer ao lado de companheiros antigos, aos quais se unem com desvelado amor.

Os esclarecimentos da jovem encantavam-me. Naquelas poucas palavras estava todo um resumo de lições sobre o sacrifício e o merecimento, o compromisso fraterno e a solidariedade compensadora.


— A sua família sempre viveu lá? — Perguntei com interesse.

A jovem sorriu e explicou:

— Meu pai, há mais de cinquenta anos, foi socorrido pelos benfeitores de “Campo da Paz” e, restabelecida a saúde espiritual, fixou-se na colônia, com razoável impulso de amizade e gratidão. Mais tarde, minha mãe reuniu-se a ele e, faz precisamente vinte anos, Aldonina e eu fomos atraídas amorosamente por ambos, a fim de continuarmos, ali, no santuário familiar. Desse modo, trabalhamos ao lado deles, desde a primeira hora.

— E tem muitos programas para o futuro? — Indaguei.

Cecília fez um gesto que lhe caracterizava o coração de moça sonhadora, e redarguiu:

— Tenho muitos projetos e problemas a resolver, mas estou aguardando a chegada de alguém que ainda se encontra na Terra.




André Luiz
Francisco Cândido Xavier

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