Os mensageiros
Versão para cópiaA caminho da crosta
Após nos refazermos pela manhã, considerando a viagem ainda longa, despedimo-nos, comovidos. Pelo menos, quanto a mim, podia afirmar que me afastava com mágoa, tão belas as lições ali colhidas!
Alfredo e a esposa nos abraçaram, sensibilizados, desejando-nos jornada feliz e êxito no trabalho.
Vários amigos da véspera estavam presentes, saudando-nos jubilosos.
Tomamos o carro, agradavelmente surpreendidos.
Ser-me-ia muito difícil descrever a pequena máquina, que mais se assemelhava a pequeno automóvel de asas, a deslocar-se impulsionado por fluidos elétricos acumulados.
Sempre atencioso, Aniceto explicou:
— Aceitei a cooperação do aparelho, não porque os desejo escravizados ao menor esforço, mas porque a permanência, embora ligeira, no Posto de Socorro, constituiu ensejo dos mais frutuosos à aquisição de conhecimentos necessários. Receberam vocês lições intensivas, relativamente aos nossos irmãos perturbados e sofredores, bem como sobre os efeitos da prece. Desse modo, temos nosso expediente bastante adiantado, considerando que se encontram ambos em tarefa de observação e aprendizado, acima de tudo.
E, depois de pequena pausa, continuou:
— Não creiam, todavia, que possamos aproveitar a máquina até a Crosta. Calculo que só poderemos voar até ao meio-dia. Em seguida, prosseguiremos a pé.
Aniceto calou-se por instantes, sorriu noutra expressão fisionômica e acentuou:
— Isto, porém, acontecerá somente enquanto não hajam vocês criado asas espirituais, que possam vencer todas as resistências vibratórias. Semelhante realização pode não estar distante. Dependerá do esforço que desejarem despender no trabalho aquisitivo. Todo aquele que opere, e coopere de espírito voltado para Deus, poderá aguardar sempre o melhor. Não é promessa de amizade. É lei.
O pequeno aparelho nos conduziu por enormes distâncias, sempre no ar, mas conservando-se a reduzida altura do solo.
Quase precisamente ao meio-dia, estacionamos em humilde pouso, destinado a abastecimento e reparação de maquinaria de natureza daquela em que havíamos viajado.
Despediu-se de nós o condutor, que nos desejou boa viagem, preparando-se para regressar.
A paisagem tornou-se, então, muito fria e diferente. Não estávamos em caminho trevoso, mas muito escuro e nevoento. Tornara-se densa a atmosfera, alterando-nos a respiração.
Aniceto contemplou, conosco, a vastidão caliginosa e falou em tom grave:
— Com quatro horas de locomoção, estaremos na Crosta. Reparem as sombras que nos rodeiam, identifiquem a mudança geral. Infelizmente, as emissões vibratórias da Humanidade encarnada são de natureza bastante inferior, em nos referindo à maioria das criaturas terrestres, e estas regiões estão repletas de resíduos escuros, de matéria mental dos encarnados e desencarnados de baixa condição. Atravessaremos grandes zonas, não propriamente tenebrosas, mas muito obscuras ao nosso olhar. Daqui a duas horas, porém, encontraremos sinais da luz solar.
Nossa peregrinação, francamente, foi muito pesada e dolorosa, e, somente aí, avaliei, de fato, a enorme diferença da estrada comum, que liga a Crosta a “Nosso Lar” e aquela que agora percorríamos a pé, vencendo obstáculos de vulto. Imaginei, comovido, o sacrifício dos grandes missionários espirituais que assistem o homem, compreendendo, então, quão meritório lhes é o serviço e como necessitam disposições especiais e extraordinário bom ânimo, para auxiliarem as criaturas encarnadas, de maneira constante.
Os monstros, que fugiam à nossa aproximação, escondendo-se no fundo sombrio da paisagem, eram indescritíveis e, obedecendo a determinações de Aniceto, não posso ensaiar qualquer informe nesse sentido, a fim de não criar imagens mentais de ordem inferior no espírito dos que, acaso, venham a ler estas humildes notícias.
No horário previsto por nosso orientador, começamos a vislumbrar, de novo, a luz do Sol, como se estivéssemos em madrugada clara. O espetáculo era magnífico e novo para mim. Calor brando começou a revigorar-nos.
Aniceto fixou o quadro maravilhoso dos raios de luz atravessando as sombras e falou, de olhos úmidos:
— Agradeçamos ao Senhor dos Mundos a bênção do Sol! Na Natureza física, é a mais alta imagem de Deus que conhecemos. Temo-lo, nas mais variadas combinações, segundo a substância das Esferas que habitamos, dentro do sistema. Ele está em “Nosso Lar”, de acordo com os elementos básicos de vida, e permanece na Terra segundo as qualidades magnéticas da Crosta. É visto em Júpiter de maneira diferente. Ilumina 5ênus com outra modalidade de luz. Aparece em Saturno noutra roupagem brilhante. Entretanto, é sempre o mesmo, sempre a radiosa sede de nossas energias vitais!
Avançamos, comovidos, e, daí a algum tempo, surgiu-nos o astro sublime, na posição que antecede o crepúsculo.
Doutras vezes, viajando sempre através da estrada luminosa e fácil de ser percorrida, em vista das possibilidades de volitação, não fizera maior reparo. Agora, porém, que atravessara névoas compactas, anotava diferenças profundas.
A certa distância, surgia a Terra, não na forma esférica, porque nos achávamos não longe da Crosta, mas como paisagem além, a interpenetrar-se nas extensas regiões espirituais.
O Sol resplandecia, rumo ao Poente, como enorme lâmpada de ouro.
Aniceto, que parecia alegrar-se sobremaneira, exclamou:
— Entramos na zona de influenciação direta da Crosta. Poderemos, doravante, praticar a volitação, utilizando nossos conhecimentos de transformação da força centrípeta. A luz que nos banha resulta do contato magnético entre a energia positiva do Sol e a força negativa da massa planetária. Prossigamos. Não tardaremos a entrar no Rio de Janeiro.
A essa altura, assaltou-me o desejo de perguntar alguma coisa relativamente à direção.
— Como nos orientaremos? — Indaguei, curioso.
— Antes de tudo, — respondeu o instrutor, — é preciso não esquecer que nossas colônias estão situadas no campo magnético da América do Sul. Qualquer bússola seria sensível, de agora em diante, mas, em nosso caso, é indispensável educar o pensamento e orientar-nos dentro da energia que lhe é peculiar.
Empregamos, de novo, a capacidade volitante e, dentro em pouco, as matas de Petrópolis estavam à vista. Mais alguns minutos e perlustrávamos as grandes artérias cariocas. Por sugestão do instrutor, abeiramo-nos do mar, em exercício respiratório de maior expressão.
Vicente e eu estávamos positivamente exaustos. Reconhecíamos que o esforço fora significativo para nossas escassas forças.
Indiferentes à nossa presença, os transeuntes passavam apressados, de mente chumbada aos problemas de ordem material. Fonfonavam ônibus repletos. A grande baía figurava-se-nos cheia de forças renovadoras.
Quando se acendiam as primeiras luzes elétricas, Aniceto convidou-nos, amavelmente:
— Vamos ao reconforto! Vocês estão fatigadíssimos. Irei mostrar-lhes que “Nosso Lar” tem, igualmente, alguns refúgios na Crosta.
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