Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1858
Versão para cópiaCapítulo X
Janeiro - Reconhecimento da existência dos Espíritos e de suas manifestações
Janeiro
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Se as primeiras manifestações espíritas fizeram numerosos adeptos, não só encontraram muita incredulidade, mas adversários encarniçados e, muitas vezes até, interessados no seu descrédito. Hoje os fatos falaram tão alto que é forçoso reconhecer a evidência, e se existem ainda incrédulos sistemáticos, podemos predizer-lhes com segurança que dentro de poucos anos dar-se-á com os Espíritos o mesmo que com a maioria das descobertas que foram por todos os modos combatidas e consideradas como utopia por aqueles cujo saber deveria tê-los tornado menos cépticos quanto ao que se relacionava com o progresso. Entre os que não quiseram aprofundar-se neste estranho fenômeno, já vemos muitos concordando que nosso século é tão fecundo em coisas extraordinárias e que a Natureza tem tantas reservas desconhecidas, que seria mais que leviandade negar a possibilidade daquilo que a gente não compreende. Estes dão provas de sabedoria.
Eis uma autoridade contra a qual não se poderia levantar suspeita de levianamente aceitar uma mistificação: é um dos principais jornais eclesiásticos de Roma, o Civiltà Cattolica. Reproduzimos a seguir um artigo publicado por esse jornal no mês de março último, onde se vê que seria difícil provar a existência e a manifestação dos Espíritos por argumentos mais peremptórios. É verdade que divergimos quanto à natureza dos Espíritos, porque ele só admite a manifestação dos maus, ao passo que nós admitimos a dos bons e dos maus. É um ponto do qual trataremos mais tarde, com todo o desenvolvimento necessário. O reconhecimento das manifestações espíritas por uma autoridade tão grave e tão respeitável é ponto capital. Resta portanto julgar. É o que faremos no próximo número. Reproduzindo o artigo, L’Univers o precede das seguintes e sábias reflexões:
“Quando do aparecimento de uma obra publicada em Ferrara sobre a prática do magnetismo animal, referimos aos nossos leitores os sábios artigos que eram estampados na Civiltà Cattolica, de Roma, sobre a Necromancia moderna, reservando-nos para dar mais amplas informações. Damos hoje o último desses artigos, que contém nalgumas páginas as conclusões da revista romana.
“Além do interesse naturalmente ligado ao assunto e da confiança que deve inspirar um trabalho publicado no Civiltà, a oportunidade especial da questão, neste momento, dispensa-nos de chamar a atenção para uma matéria que muitas pessoas, na teoria como na prática, trataram de maneira tão pouco séria, a despeito da regra de vulgar prudência, a qual recomenda que os fatos sejam examinados com tanto maior circunspecção quanto mais extraordinários forem.”
Eis o artigo:
“De todas as teorias lançadas para explicar naturalmente os vários fenômenos conhecidos como espiritualismo americano, nenhuma atinge o objetivo e, ainda menos, consegue dar a razão de todos os fenômenos. Se uma ou outra dessas hipóteses basta para explicar alguns, muitos ficarão inexplicáveis. O embuste, a mentira, o exagero, as alucinações sem dúvida devem ter uma grande parte nos fatos referidos; mas, feito o desconto, resta ainda tal volume que, para lhes negar a realidade, seria preciso recusar fé à autoridade dos sentidos e ao testemunho humano.
“Entre os fatos em questão, um certo número se explica pela teoria mecânica ou mecânico-fisiológica; resta, porém, uma parte ─ e muito mais considerável ─ que de modo algum se presta a uma explicação deste gênero. A esta ordem de fatos ligamse todos os fenômenos nos quais, dizem, os efeitos obtidos ultrapassam, evidentemente, a intensidade da força motriz que deveria produzi-los. Tais são:
“1º. Os movimentos, os sobressaltos violentos de massas pesadas e solidamente equilibradas, à simples pressão e leve toque das mãos;
“2º. Os efeitos e os movimentos produzidos sem nenhum contato, consequentemente sem qualquer impulso mecânico mediato ou imediato;
“3º. Esses outros efeitos, de natureza a manifestar, em quem os produz, uma inteligência e uma vontade distintas das dos experimentadores.
“Para dar a razão destas três ordens de fatos diversos, temos ainda a teoria do magnetismo. Mas, por maiores que sejam as concessões que estejamos dispostos a fazer, e mesmo admitindo, de olhos fechados, todas as hipóteses gratuitas sobre as quais se fundam; todos os erros e absurdos de que está repleta, bem como as faculdades miraculosas por ela atribuídas à vontade humana, ao fluido nervoso ou a quaisquer outros agentes magnéticos, jamais essa teoria poderá, com o auxílio de seus princípios, explicar como uma mesa magnetizada por um médium manifesta nos seus movimentos inteligência e vontade próprias, isto é, distintas das do médium e por vezes contrárias e superiores à sua inteligência e à sua vontade.
“Como dar a razão de semelhantes fenômenos? Queremos, também nós, recorrer não sabemos a que causas ocultas; a que forças ainda desconhecidas na Natureza; a explicações novas de certas faculdades, de certas leis até agora conservadas em inércia e como que adormecidas no seio da Criação? Isto equivaleria a confessar abertamente a nossa ignorância e levar o problema a aumentar o número dos enigmas cuja decifração o pobre espírito humano não pôde dar até o presente e não o poderá jamais. Aliás, não hesitamos em confessar nossa ignorância em relação a muitos dos fenômenos em apreço, cuja natureza é tão equívoca e tão obscura que a atitude mais inteligente, parece-nos, é não tentar explicá-los. Em compensação, há outros cuja explicação não nos parece difícil, posto seja impossível buscá-la em causas naturais. Por que então hesitaríamos em recorrer a causas pertencentes à ordem sobrenatural? Talvez fôssemos desviados pelas objeções contrapostas pelos cépticos e pelos que, negando essa ordem sobrenatural, nos digam que é impossível definir até onde chegam as forças da Natureza; que o campo ainda não descoberto pelas Ciências Físicas não tem limites; que ninguém conhece suficientemente os limites da ordem natural para poder indicar com precisão o ponto onde esta termina e onde a outra começa.
“Parece-nos fácil a resposta a semelhante objeção: admitindo que se não possa determinar de modo preciso o ponto de divisão destas duas ordens opostas, a natural e a sobrenatural, não se segue que jamais seja possível definir com certeza se um dado efeito pertence a esta ou àquela. Quem pode distinguir no arco-íris o ponto exato onde acaba uma das cores e começa a outra? Quem pode fixar o momento preciso em que termina o dia e começa a noite? Entretanto, não há ninguém tão bitolado para concluir que não se pode saber se tal zona do arco-íris é vermelha ou amarela, ou se a tal hora é dia ou noite. Quem não percebe que para conhecer a natureza de um fato, de modo algum é preciso ultrapassar o limite onde começa ou onde acaba a categoria à qual o mesmo pertence, e que basta constatar se tem os caracteres peculiares a essa mesma categoria?
“Apliquemos esta observação tão simples à seguinte questão: não podemos dizer até onde vão as forças da Natureza; não obstante, dando-se um fato, muitas vezes podemos, conforme seus caracteres, dizer com certeza que pertence à ordem sobrenatural. E para não sair do nosso problema, entre os fenômenos das mesas falantes há muitos que, em nossa opinião, manifestam esses caracteres da mais evidente maneira; tais são aqueles nos quais o agente que move as mesas age como causa inteligente e livre, ao mesmo tempo que mostra uma inteligência e uma vontade próprias, isto é, superiores ou contrárias à inteligência e à vontade dos médiuns, dos experimentadores, dos assistentes; numa palavra, distintas dessas, qualquer que seja a maneira por que tal distinção se afirme. Em casos tais, seja como for, somos forçados a admitir que esse agente é um Espírito e não é um espírito humano; e que assim, está fora desta ordem, dessas causas que costumamos chamar de naturais, dessas que dizemos ultrapassarem as forças do homem.
“São estes precisamente os fenômenos que, como dissemos acima, resistiram a qualquer teoria baseada em princípios puramente naturais, enquanto que na nossa, sua explicação é mais fácil e mais clara, pois todos sabem que o poder dos Espíritos sobre a matéria ultrapassa de muito as forças do homem, e porque não há efeito maravilhoso, entre os citados da necromancia moderna, que não possa ser atribuído à sua ação.
“Sabemos muito bem que alguns leitores, vendo-nos trazer à cena os Espíritos, sorrir-nos-ão com piedade. Sem falar dos que, como bons materialistas, não acreditam na existência dos Espíritos e consideram como fábula tudo quanto não seja matéria ponderável e palpável, como também os que, admitindo que existam Espíritos, lhes negam qualquer influência ou intervenção, no que respeita ao nosso mundo.
“Há em nossos dias muitas criaturas que, concedendo aos Espíritos o que nenhum bom católico lhes poderia recusar, isto é, a existência e a faculdade de interferir nos fatos da vida humana de modo oculto ou patente, ordinário ou extraordinário, não obstante parece que desmentem sua fé na prática e consideram como uma vergonha, como um excesso de credulidade, como uma superstição própria das mulheres velhas, admitir a ação desses mesmos Espíritos em certos casos especiais, contentando-se em não negá-la em tese.
“Realmente, há um século zombou-se tanto da simplicidade da Idade Média, quando por toda parte viam-se Espíritos maléficos e feiticeiros e tanto se deblaterou a tal respeito, que não é de admirar que tantas cabeças fracas, que querem parecer fortes, tenham, de então por diante, repugnância e uma espécie de vergonha em crer na intervenção dos Espíritos. Mas este excesso de incredulidade não é menos desarrazoado do que noutras épocas o foi a atitude contrária; e se, em assunto semelhante, a excessiva credulidade arrasta a vãs superstições, por outro lado nada querer admitir conduz diretamente à impiedade do naturalismo. O homem sensato, o cristão prudente deve, pois, evitar igualmente os dois extremos, mantendo-se firme na linha média, pois nela é que estão a verdade e a virtude. Agora, na questão das mesas falantes, para que lado nos inclinaria uma fé prudente?
“A primeira e mais sábia das regras impostas por essa prudência ensina que, para explicar os fenômenos que apresentam um caráter extraordinário, não devemos recorrer a causas sobrenaturais senão quando as de ordem natural não bastam para explicá-los. Disto decorre, por outro lado, a obrigação de admitir as primeiras quando as últimas são insuficientes. É justamente o nosso caso. Com efeito, entre os fenômenos de que falamos, uns há para os quais nenhuma teoria, nenhuma causa puramente natural seria suficiente para lhe dar a razão de ser. Assim, pois, não só é prudente, mas necessário mesmo, procurar sua explicação na ordem sobrenatural ou, por outras palavras, atribuí-los a puros Espíritos, pois fora e acima da Natureza não existe outra causa possível.
“Eis uma segunda regra, um criterium infalível para dizer, a respeito de um fato qualquer, se pertence à ordem natural ou à sobrenatural: é examinar bem os seus caracteres e, de acordo com eles, determinar a natureza da causa que o produziu. Ora, os mais maravilhosos fatos nesse gênero, que nenhuma outra teoria pode explicar, oferecem caracteres tais que não só demonstram uma causa inteligente e livre, mas ainda dotada de uma inteligência e de uma vontade que nada têm de humano. Então, essa causa não pode deixar de ser um puro Espírito.
“Assim, por dois caminhos, um indireto e negativo, que procede por exclusão, outro direto e positivo, fundado sobre a natureza mesma dos fatos observados, chegamos a idêntica conclusão, isto é: entre os fenômenos da necromancia moderna, há pelo menos uma categoria de fatos que, sem sombra de dúvida, são produzidos por Espíritos. Somos levados a tal conclusão por um raciocínio tão simples e tão natural que, aceitando-o, longe do temor de ceder a uma imprudente credulidade, julgaríamos, ao contrário, recusando admiti-lo, dar provas de uma fraqueza e de uma incoerência de espírito injustificável. Para confirmar a nossa assertiva, não faltam argumentos; faltam-nos, entretanto, espaço e tempo para aqui desenvolvê-los. O que até agora dissemos é suficiente e pode resumir-se nas quatro seguintes proposições:
“1.º) Entre os fenômenos em questão, postos de lado os que razoavelmente podem ser atribuídos à impostura, às alucinações e aos exageros, outros há, em grande número, de cuja realidade não é possível duvidar sem violar todas as leis de uma crítica sadia.
“2.º) Todas as teorias naturais que expusemos e discutimos acima são insuficientes para explicar satisfatoriamente todos esses fatos. Se explicam uns, deixam o maior número ─ e estes são os mais difíceis ─ absolutamente não explicados e inexplicáveis.
“3.º) Implicando a ação de uma causa inteligente fora do homem, os fenômenos desta última ordem só podem ser explicados pela intervenção dos Espíritos, seja qual for, aliás, o caráter desses Espíritos, assunto de que nos ocuparemos a seguir.
“4.º) Todos esses fatos podem dividir-se em quatro categorias: Muitos devem ser rejeitados como falsos ou como produtos da fraude. Quanto aos outros, os mais simples, os mais fáceis de compreender, tais como as mesas girantes, em determinadas circunstâncias admitem uma explicação puramente natural; por exemplo, a do impulso mecânico. Uma terceira classe compõe-se dos fenômenos mais extraordinários e mais misteriosos, sobre cuja natureza ficamos em dúvida, porque, embora pareçam ultrapassar as forças da Natureza, não apresentam contudo caracteres tais que, evidentemente, para explicá-los, devamos recorrer a uma causa sobrenatural. Enfim, agrupamos na quarta categoria os fatos que, oferecendo esses caracteres de maneira evidente, devem ser atribuídos à operação invisível de puros Espíritos.
“Mas, como são esses Espíritos? Bons ou maus? Anjos ou demônios? Almas felizes ou condenadas? A resposta a esta última parte do problema não pode oferecer dúvidas, por pouco que sejam considerados, de um lado, a natureza dos diversos
Espíritos e do outro, o caráter de suas manifestações. É o que nos falta mostrar.”
Eis uma autoridade contra a qual não se poderia levantar suspeita de levianamente aceitar uma mistificação: é um dos principais jornais eclesiásticos de Roma, o Civiltà Cattolica. Reproduzimos a seguir um artigo publicado por esse jornal no mês de março último, onde se vê que seria difícil provar a existência e a manifestação dos Espíritos por argumentos mais peremptórios. É verdade que divergimos quanto à natureza dos Espíritos, porque ele só admite a manifestação dos maus, ao passo que nós admitimos a dos bons e dos maus. É um ponto do qual trataremos mais tarde, com todo o desenvolvimento necessário. O reconhecimento das manifestações espíritas por uma autoridade tão grave e tão respeitável é ponto capital. Resta portanto julgar. É o que faremos no próximo número. Reproduzindo o artigo, L’Univers o precede das seguintes e sábias reflexões:
“Quando do aparecimento de uma obra publicada em Ferrara sobre a prática do magnetismo animal, referimos aos nossos leitores os sábios artigos que eram estampados na Civiltà Cattolica, de Roma, sobre a Necromancia moderna, reservando-nos para dar mais amplas informações. Damos hoje o último desses artigos, que contém nalgumas páginas as conclusões da revista romana.
“Além do interesse naturalmente ligado ao assunto e da confiança que deve inspirar um trabalho publicado no Civiltà, a oportunidade especial da questão, neste momento, dispensa-nos de chamar a atenção para uma matéria que muitas pessoas, na teoria como na prática, trataram de maneira tão pouco séria, a despeito da regra de vulgar prudência, a qual recomenda que os fatos sejam examinados com tanto maior circunspecção quanto mais extraordinários forem.”
Eis o artigo:
“De todas as teorias lançadas para explicar naturalmente os vários fenômenos conhecidos como espiritualismo americano, nenhuma atinge o objetivo e, ainda menos, consegue dar a razão de todos os fenômenos. Se uma ou outra dessas hipóteses basta para explicar alguns, muitos ficarão inexplicáveis. O embuste, a mentira, o exagero, as alucinações sem dúvida devem ter uma grande parte nos fatos referidos; mas, feito o desconto, resta ainda tal volume que, para lhes negar a realidade, seria preciso recusar fé à autoridade dos sentidos e ao testemunho humano.
“Entre os fatos em questão, um certo número se explica pela teoria mecânica ou mecânico-fisiológica; resta, porém, uma parte ─ e muito mais considerável ─ que de modo algum se presta a uma explicação deste gênero. A esta ordem de fatos ligamse todos os fenômenos nos quais, dizem, os efeitos obtidos ultrapassam, evidentemente, a intensidade da força motriz que deveria produzi-los. Tais são:
“1º. Os movimentos, os sobressaltos violentos de massas pesadas e solidamente equilibradas, à simples pressão e leve toque das mãos;
“2º. Os efeitos e os movimentos produzidos sem nenhum contato, consequentemente sem qualquer impulso mecânico mediato ou imediato;
“3º. Esses outros efeitos, de natureza a manifestar, em quem os produz, uma inteligência e uma vontade distintas das dos experimentadores.
“Para dar a razão destas três ordens de fatos diversos, temos ainda a teoria do magnetismo. Mas, por maiores que sejam as concessões que estejamos dispostos a fazer, e mesmo admitindo, de olhos fechados, todas as hipóteses gratuitas sobre as quais se fundam; todos os erros e absurdos de que está repleta, bem como as faculdades miraculosas por ela atribuídas à vontade humana, ao fluido nervoso ou a quaisquer outros agentes magnéticos, jamais essa teoria poderá, com o auxílio de seus princípios, explicar como uma mesa magnetizada por um médium manifesta nos seus movimentos inteligência e vontade próprias, isto é, distintas das do médium e por vezes contrárias e superiores à sua inteligência e à sua vontade.
“Como dar a razão de semelhantes fenômenos? Queremos, também nós, recorrer não sabemos a que causas ocultas; a que forças ainda desconhecidas na Natureza; a explicações novas de certas faculdades, de certas leis até agora conservadas em inércia e como que adormecidas no seio da Criação? Isto equivaleria a confessar abertamente a nossa ignorância e levar o problema a aumentar o número dos enigmas cuja decifração o pobre espírito humano não pôde dar até o presente e não o poderá jamais. Aliás, não hesitamos em confessar nossa ignorância em relação a muitos dos fenômenos em apreço, cuja natureza é tão equívoca e tão obscura que a atitude mais inteligente, parece-nos, é não tentar explicá-los. Em compensação, há outros cuja explicação não nos parece difícil, posto seja impossível buscá-la em causas naturais. Por que então hesitaríamos em recorrer a causas pertencentes à ordem sobrenatural? Talvez fôssemos desviados pelas objeções contrapostas pelos cépticos e pelos que, negando essa ordem sobrenatural, nos digam que é impossível definir até onde chegam as forças da Natureza; que o campo ainda não descoberto pelas Ciências Físicas não tem limites; que ninguém conhece suficientemente os limites da ordem natural para poder indicar com precisão o ponto onde esta termina e onde a outra começa.
“Parece-nos fácil a resposta a semelhante objeção: admitindo que se não possa determinar de modo preciso o ponto de divisão destas duas ordens opostas, a natural e a sobrenatural, não se segue que jamais seja possível definir com certeza se um dado efeito pertence a esta ou àquela. Quem pode distinguir no arco-íris o ponto exato onde acaba uma das cores e começa a outra? Quem pode fixar o momento preciso em que termina o dia e começa a noite? Entretanto, não há ninguém tão bitolado para concluir que não se pode saber se tal zona do arco-íris é vermelha ou amarela, ou se a tal hora é dia ou noite. Quem não percebe que para conhecer a natureza de um fato, de modo algum é preciso ultrapassar o limite onde começa ou onde acaba a categoria à qual o mesmo pertence, e que basta constatar se tem os caracteres peculiares a essa mesma categoria?
“Apliquemos esta observação tão simples à seguinte questão: não podemos dizer até onde vão as forças da Natureza; não obstante, dando-se um fato, muitas vezes podemos, conforme seus caracteres, dizer com certeza que pertence à ordem sobrenatural. E para não sair do nosso problema, entre os fenômenos das mesas falantes há muitos que, em nossa opinião, manifestam esses caracteres da mais evidente maneira; tais são aqueles nos quais o agente que move as mesas age como causa inteligente e livre, ao mesmo tempo que mostra uma inteligência e uma vontade próprias, isto é, superiores ou contrárias à inteligência e à vontade dos médiuns, dos experimentadores, dos assistentes; numa palavra, distintas dessas, qualquer que seja a maneira por que tal distinção se afirme. Em casos tais, seja como for, somos forçados a admitir que esse agente é um Espírito e não é um espírito humano; e que assim, está fora desta ordem, dessas causas que costumamos chamar de naturais, dessas que dizemos ultrapassarem as forças do homem.
“São estes precisamente os fenômenos que, como dissemos acima, resistiram a qualquer teoria baseada em princípios puramente naturais, enquanto que na nossa, sua explicação é mais fácil e mais clara, pois todos sabem que o poder dos Espíritos sobre a matéria ultrapassa de muito as forças do homem, e porque não há efeito maravilhoso, entre os citados da necromancia moderna, que não possa ser atribuído à sua ação.
“Sabemos muito bem que alguns leitores, vendo-nos trazer à cena os Espíritos, sorrir-nos-ão com piedade. Sem falar dos que, como bons materialistas, não acreditam na existência dos Espíritos e consideram como fábula tudo quanto não seja matéria ponderável e palpável, como também os que, admitindo que existam Espíritos, lhes negam qualquer influência ou intervenção, no que respeita ao nosso mundo.
“Há em nossos dias muitas criaturas que, concedendo aos Espíritos o que nenhum bom católico lhes poderia recusar, isto é, a existência e a faculdade de interferir nos fatos da vida humana de modo oculto ou patente, ordinário ou extraordinário, não obstante parece que desmentem sua fé na prática e consideram como uma vergonha, como um excesso de credulidade, como uma superstição própria das mulheres velhas, admitir a ação desses mesmos Espíritos em certos casos especiais, contentando-se em não negá-la em tese.
“Realmente, há um século zombou-se tanto da simplicidade da Idade Média, quando por toda parte viam-se Espíritos maléficos e feiticeiros e tanto se deblaterou a tal respeito, que não é de admirar que tantas cabeças fracas, que querem parecer fortes, tenham, de então por diante, repugnância e uma espécie de vergonha em crer na intervenção dos Espíritos. Mas este excesso de incredulidade não é menos desarrazoado do que noutras épocas o foi a atitude contrária; e se, em assunto semelhante, a excessiva credulidade arrasta a vãs superstições, por outro lado nada querer admitir conduz diretamente à impiedade do naturalismo. O homem sensato, o cristão prudente deve, pois, evitar igualmente os dois extremos, mantendo-se firme na linha média, pois nela é que estão a verdade e a virtude. Agora, na questão das mesas falantes, para que lado nos inclinaria uma fé prudente?
“A primeira e mais sábia das regras impostas por essa prudência ensina que, para explicar os fenômenos que apresentam um caráter extraordinário, não devemos recorrer a causas sobrenaturais senão quando as de ordem natural não bastam para explicá-los. Disto decorre, por outro lado, a obrigação de admitir as primeiras quando as últimas são insuficientes. É justamente o nosso caso. Com efeito, entre os fenômenos de que falamos, uns há para os quais nenhuma teoria, nenhuma causa puramente natural seria suficiente para lhe dar a razão de ser. Assim, pois, não só é prudente, mas necessário mesmo, procurar sua explicação na ordem sobrenatural ou, por outras palavras, atribuí-los a puros Espíritos, pois fora e acima da Natureza não existe outra causa possível.
“Eis uma segunda regra, um criterium infalível para dizer, a respeito de um fato qualquer, se pertence à ordem natural ou à sobrenatural: é examinar bem os seus caracteres e, de acordo com eles, determinar a natureza da causa que o produziu. Ora, os mais maravilhosos fatos nesse gênero, que nenhuma outra teoria pode explicar, oferecem caracteres tais que não só demonstram uma causa inteligente e livre, mas ainda dotada de uma inteligência e de uma vontade que nada têm de humano. Então, essa causa não pode deixar de ser um puro Espírito.
“Assim, por dois caminhos, um indireto e negativo, que procede por exclusão, outro direto e positivo, fundado sobre a natureza mesma dos fatos observados, chegamos a idêntica conclusão, isto é: entre os fenômenos da necromancia moderna, há pelo menos uma categoria de fatos que, sem sombra de dúvida, são produzidos por Espíritos. Somos levados a tal conclusão por um raciocínio tão simples e tão natural que, aceitando-o, longe do temor de ceder a uma imprudente credulidade, julgaríamos, ao contrário, recusando admiti-lo, dar provas de uma fraqueza e de uma incoerência de espírito injustificável. Para confirmar a nossa assertiva, não faltam argumentos; faltam-nos, entretanto, espaço e tempo para aqui desenvolvê-los. O que até agora dissemos é suficiente e pode resumir-se nas quatro seguintes proposições:
“1.º) Entre os fenômenos em questão, postos de lado os que razoavelmente podem ser atribuídos à impostura, às alucinações e aos exageros, outros há, em grande número, de cuja realidade não é possível duvidar sem violar todas as leis de uma crítica sadia.
“2.º) Todas as teorias naturais que expusemos e discutimos acima são insuficientes para explicar satisfatoriamente todos esses fatos. Se explicam uns, deixam o maior número ─ e estes são os mais difíceis ─ absolutamente não explicados e inexplicáveis.
“3.º) Implicando a ação de uma causa inteligente fora do homem, os fenômenos desta última ordem só podem ser explicados pela intervenção dos Espíritos, seja qual for, aliás, o caráter desses Espíritos, assunto de que nos ocuparemos a seguir.
“4.º) Todos esses fatos podem dividir-se em quatro categorias: Muitos devem ser rejeitados como falsos ou como produtos da fraude. Quanto aos outros, os mais simples, os mais fáceis de compreender, tais como as mesas girantes, em determinadas circunstâncias admitem uma explicação puramente natural; por exemplo, a do impulso mecânico. Uma terceira classe compõe-se dos fenômenos mais extraordinários e mais misteriosos, sobre cuja natureza ficamos em dúvida, porque, embora pareçam ultrapassar as forças da Natureza, não apresentam contudo caracteres tais que, evidentemente, para explicá-los, devamos recorrer a uma causa sobrenatural. Enfim, agrupamos na quarta categoria os fatos que, oferecendo esses caracteres de maneira evidente, devem ser atribuídos à operação invisível de puros Espíritos.
“Mas, como são esses Espíritos? Bons ou maus? Anjos ou demônios? Almas felizes ou condenadas? A resposta a esta última parte do problema não pode oferecer dúvidas, por pouco que sejam considerados, de um lado, a natureza dos diversos
Espíritos e do outro, o caráter de suas manifestações. É o que nos falta mostrar.”
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