Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1859

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Capítulo XLI

Junho - Variedades

Junho
A princesa de Rebinina

Sabeis que todos os sonâmbulos, todas as mesas girantes, todas as aves magnetizadas, todos os lápis simpáticos e todas as cartomantes predizem a guerra há muito tempo?... Neste sentido têm sido feitas profecias a muitas pessoas importantes que, afetando não levar em consideração essas pretensas revelações do mundo sobrenatural, não deixaram de ficar vivamente preocupadas com isso. De nossa parte, sem resolver a questão num ou noutro sentido, e achando mesmo que, naquilo em que François Arago punha suas dúvidas, pelo menos é permitido não nos pronunciarmos, limitamo-nos a relatar, sem comentá-los, alguns fatos de que fomos testemunha.

Há oito dias fomos convidado para uma reunião espírita em casa do Barão de G... À hora marcada, todos os convidados, em número de doze apenas, achavam-se em volta da mesa... milagrosa, uma simples mesa de acaju, sobre a qual, aliás, fora servido, para começar, o chá com os sanduíches habituais. Necessário é dizer, antes de mais nada, que desses doze convidados nenhum poderia razoavelmente incorrer na pecha de charlatanismo. O dono da casa, parente próximo de alguns ministros, pertence a uma importante família estrangeira.

Os fiéis eram constituídos por dois oficiais ingleses muito distintos; um guardamarinha francês; um príncipe russo muito conhecido; um médico de grande nomeada; um milionário; um secretário de embaixada e dois ou três vultos importantes do bairro de Saint-Germain. Nós éramos o único profano entre essas pessoas ilustres do Espiritismo, mas, em nossa qualidade de cronista parisiense e de cético por dever, não poderíamos ser acusados de uma credulidade... exagerada.

A reunião, pois, não poderia ser posta sob suspeita de representar uma comédia. E que comédia! Uma comédia inútil e ridícula, na qual cada um teria voluntariamente aceito o duplo papel de mistificador e de mistificado? Isto não é admissível. Além disso, com que propósito? Com que interesse? Não seria o caso de perguntar: “A quem se engana aqui?”

Não. Ali não havia má fé nem loucura. Se quiserem, concordemos que houve acaso... É tudo quanto a nossa consciência permite concedermos.

Ora, eis o que se passou:

Depois de haverem interrogado o Espírito sobre uma porção de coisas, perguntaram-lhe se as esperanças de paz ─ que então pareciam muito grandes ─ tinham fundamento.
─ Não, respondeu ele muito claramente, em duas ocasiões diferentes.
─ Teremos a guerra?
─ Com certeza!...
─ Quando?
─ Em oito dias.
─ Entretanto, o Congresso só se reunirá no mês que vem... Isto afasta muito a eventualidade de um começo de hostilidades.
─ Não haverá Congresso!
─ Por quê?
─ A Áustria recusar-se-á.
─ E qual será a causa vitoriosa?
─ A da justiça e do direito... a da França.
─ E como será a guerra?
─ Curta e gloriosa.

Isto nos traz à memória um outro fato do mesmo gênero, que também se passou sob nossas vistas, há alguns anos.

Todos se recordam que durante a guerra da Crimeia, o Imperador Nicolau chamou à Rússia todos os súditos que moravam na França, sob pena de lhes confiscar os bens em caso de desobediência.

Então nos encontrávamos em Leipzig, na Saxônia, onde, como aliás por toda parte, havia um vivo interesse pela campanha que se iniciava. Um dia recebemos o seguinte bilhete:

“Estou aqui por algumas horas apenas. Venha ver-me no Hotel da Polônia, n. 13! Princesa de Rebinina.”

Era muito nossa conhecida a princesa Sofia de Rebinina, uma criatura encantadora e distinta, cuja história era todo um romance (que um dia escreveremos) e que nos honrava chamando-nos de amigo. Apressamo-nos em atender ao seu amável convite, pois ficamos tão agradavelmente surpreendido quanto satisfeito por sua passagem por Leipzig.

Era um domingo, dia 13, e o tempo estava naturalmente cinzento e triste, como de costume nesta parte da Saxônia. Encontramos a princesa em seu aposento, mais graciosa e espirituosa do que nunca; apenas um pouco pálida e melancólica.

Fizemos-lhe esta observação.

Para começar, respondeu-nos ela, parti como uma bomba. Tinha de ser assim, pois estamos em guerra e sinto-me um pouco fatigada da viagem. Depois, embora agora sejamos inimigos, não vos oculto que é com pena que deixo Paris. Há muito tempo me considerava quase francesa, e a ordem do Imperador faz-me romper com um velho e doce hábito.
─ Por que não ficastes tranquilamente no vosso lindo apartamento da Rua
Rumfort?
─ Porque me teriam cortado as rendas.
─ Ora! Mas não contais entre nós com tantos e tão bons amigos?
─ Sim... pelo menos o creio. Mas na minha idade uma mulher não gosta de se dar em hipoteca... Os juros por vezes são maiores do que o capital! Ah! Se eu fosse velha, seria outra coisa. Mas então não me emprestariam.
Aí a princesa mudou de assunto.
─ Ah! Disse ela, sabeis que tenho uma natureza muito absorvente... Aqui não conheço viva alma... Posso contar convosco durante o dia todo?

É fácil adivinhar a nossa resposta.

À uma hora ouvimos o sino no pátio e descemos para o almoço no salão. Nesse momento, todos falavam da guerra... e das mesas girantes.

No que concerne à guerra, a princesa estava certa de que a frota anglo-francesa seria destruída no Mar Negro e ela mesma ter-se-ia corajosamente encarregado de incendiá-la, se o Imperador Nicolau lhe houvesse confiado essa delicada e perigosa missão. Quanto às mesas girantes sua fé era menos sólida, mas propôs fazermos algumas experiências, com outro de nossos amigos que lhe havíamos apresentado na hora da sobremesa.

Subimos para os seus aposentos. Ali nos serviram café. Como chovia, passamos a tarde a interrogar uma tripeça, dessas que ainda se veem por aqui.
─ E a mim, perguntou de repente a princesa, nada tens a dizer?
─ Não.
─ Por quê?
A mesinha bateu treze pancadas. Ora, devemos lembrar que era um dia 13 e que o apartamento da Princesa de Rebinina tinha o número 13.
─ Isto quer dizer que o número 13 me é fatal? perguntou a princesa, que tinha algum receio supersticioso desse número.
─ Sim! bateu a mesa.
─ Não importa!... Sou um Bayard do sexo feminino. Podes falar sem medo, seja o que for que tenhas a anunciar-me. Interrogamos a tripeça, que persistiu, de começo, na sua prudente reserva. Por fim, conseguimos arrancar-lhe as seguintes palavras:
─ Doente... oito dias... Paris.., morte violenta!

A princesa achava-se muito bem. Acabara de deixar Paris e não esperava tão cedo rever a França... A profecia da mesa era pelo menos absurda quanto aos três primeiros pontos... Quanto ao último, inútil acrescentar que nem quisemos deter-nos sobre ele.

A princesa deveria partir às oito horas da noite, pelo trem de Dresden, a fim de chegar a Varsóvia dois dias depois, pela manhã, mas perdeu o trem.
─ Na verdade, disse ela, vou deixar aqui minha bagagem e tomarei o trem das quatro horas da manhã.
─ Então ireis pernoitar no hotel?
─ Voltarei para lá, mas não me deitarei. Vou assistir da frisa dos estrangeiros ao baile desta noite. Gostaríeis de fazer-me companhia?

O Hotel da Polônia, cujos vastos e magníficos salões comportam pelo menos duas mil pessoas, dá quase que diariamente, no verão como no inverno, um grande baile, organizado por alguma sociedade da cidade, mas reserva para a assistência, no alto, uma galeria particular, onde os viajantes podem apreciar o espetáculo, ver a animação e ouvir uma orquestra excelente.

Aliás, na Alemanha jamais se esquecem dos estrangeiros, que têm por toda parte frisas reservadas, o que explica por que os alemães que vêm a Paris pela primeira vez pedem sempre, nos teatros e concertos, a frisa dos estrangeiros.

O baile daquele dia era muito brilhante e a princesa, apesar de simples espectadora, mostrava um verdadeiro prazer. Assim, tinha esquecido a tripeça e suasinistra predição, quando um dos garçons do hotel lhe trouxe um telegrama que acabara de chegar. O telegrama dizia assim:

“Madame Rebinina, Hotel da Polônia, Leipzig. Presença indispensável Paris.

Graves interesses!” Seguia-se a assinatura do procurador da princesa. Algumas horas mais tarde ela retomava o caminho de Colônia, em vez do trem de Dresden. Oito dias depois soubemos que tinha morrido!
PAULIN NIBOYE

O major Georges Sydenham

Encontramos o seguinte relato numa coleção notável de histórias autênticas de aparições e de outros fenômenos espíritas, publicada em Londres em 1682, pelo Reverendo J. Granville e pelo Dr. H. More. O título é: Aparição do Espírito doMajor Georges Sydenham ao Capitão V. Dyke, extraída de uma carta do Sr. Jacques Douche, de Mongton, ao Sr. J. Granville.

... Pouco tempo depois da morte do Major Georges, o Dr. Th. Dyke, parente próximo do Capitão, foi chamado para tratar de uma criança doente. O doutor e o capitão deitaram-se no mesmo leito. Depois de um ligeiro sono, o capitão chamou o criado e lhe pediu que trouxesse duas velas acesas, as maiores e mais grossas que encontrasse. O doutor lhe perguntou o que isso significava.

Respondeu-lhe o capitão:

“O senhor sabe de minhas discussões com o major, relativamente à existência de Deus e à imortalidade da alma. Não nos foi possível elucidar estes pontos, embora sempre o tivéssemos desejado.

“Ficou combinado entre nós dois que aquele que morresse primeiro viria na terceira noite após os funerais, entre meia noite e uma hora, ao jardim desta pequenacasa e ali esclareceria o sobrevivente a esse respeito.

“É hoje mesmo”, acrescentou o capitão, “que o major deve cumprir a sua promessa.”

Em vista disso, pôs o relógio ao seu lado, levantou-se às onze e meia, tomou uma vela em cada mão, saiu pela porta dos fundos e passeou no jardim durante duas horas e meia. Voltando, declarou ao doutor que nada vira nem ouvira que não fosse muito natural. Mas, ─ acrescentou ele ─ sei que o major teria vindo se pudesse. Seis semanas depois o capitão foi a Eaton, levar o filho para o colégio, tendo o doutor vindo com ele. Hospedaram-se numa estalagem, com a tabuleta de São Cristóvão, onde ficaram dois ou três dias, mas não dormiram juntos, como em Dulversan. Ocupavam dois quartos separados.

Uma manhã o capitão ficou mais tempo que de costume em seu quarto, antes de chamar o doutor. Por fim entrou no quarto deste último com as feições alteradas, cabelos eriçados, os olhos esbugalhados e o corpo todo trêmulo.
─ “Que aconteceu, primo capitão?” perguntou o doutor.
─ Eu vi o major, respondeu o capitão. O doutor parecia sorrir.
─ Eu lhe afirmo que o vi hoje, ou jamais o vi em toda a minha vida.

Então me contou a seguinte história:

“Esta manhã, ao romper do dia, alguém chegou à beira da minha cama, arrancou as cobertas e gritou: Cap, cap (era a palavra que de costume o major usava para chamar o capitão).

Respondi: Ora viva, meu major!

Ele continuou: Não pude vir naquele dia. Agora, porém, eis-me aqui e lhe digo: “Há um Deus, muito justo e terrível. Se você não mudar de pele, verá quando aqui chegar.”

Sobre a mesa havia uma espada que o major me havia dado. Fez duas ou três voltas no quarto, tomou da espada, desembainhou-a e não a encontrando tão polida quanto deviar, disse: “Cap, cap, quando esta espada era minha estava mais bem conservada.”

A estas palavras desapareceu subitamente.

O capitão não só ficou perfeitamente persuadido da realidade do que tinha visto e ouvido, mas desde então se tornou muito mais sério. Seu caráter, outrora leviano e jovial, foi notavelmente modificado. Quando convidava seus amigos, tratava-os com prodigalidade, mas se mostrava muito sóbrio consigo mesmo. As pessoas que o conheciam asseguravam que ele acreditava muitas vezes ouvir repetirem-se nos seus ouvidos as palavras do major, durante os dois anos que viveu depois desta aventura.

ALLAN KARDEC

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