Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1862

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Capítulo LVIII

Agosto - Pandus e Kurus

Agosto
A reencarnação na antiguidade

De Nantes escreve um dos nossos assinantes:

“Num livro que trata de obras em sânscrito, encontrei numa passagem do poema Mahabárata uma exposição das crenças daqueles tempos remotos. Grande foi a minha admiração ao encontrar aí a reencarnação, doutrina que então parece ter sido bem compreendida. Eis o fato que permite ao deus Krishna explicar ao chefe dos Pandus a teoria dos brâmanes.

“Tendo rebentado a guerra civil entre os descendentes de Pandu, legítimos herdeiros do trono, e os descendentes de Kuru, que eram usurpadores, vêm os Pandus à frente de um exército comandado pelo herói Arjuna, atacar os usurpadores. A batalha foi longa e a vitória era ainda incerta.

“Um armistício permitiu que os dois exércitos tivessem tempo de recuperar as forças. De repente soaram as trombetas e os dois grupos se movimentam para o combate. Cavalos brancos puxam o carro de Arjuna, junto ao qual se mantém o deus Krishna. De repente o herói para no meio do terreno que separa os contendores e os abarca com o olhar. “Irmãos contra irmãos, diz ele para si mesmo; parentes contra parentes, prestes a se estrangularem sobre os cadáveres de seus irmãos!’ “Uma profunda melancolia e uma dor súbita apodera-se dele e ele exclama:

“─ Krishna! Eis os nossos parentes armados, de pé, prestes a se estrangularem. Vê! Meus membros tremem, meu rosto empalidece, meu sangue gela; um frio de morte circula-me nas veias e meus cabelos se eriçam de horror. Meu arco fiel cai-me da mão, incapaz de sustê-lo; vacilo; nem posso avançar nem recuar, e minh’alma, tomada pela dor, parece querer abandonar-me. Deus de cabelos louros, ah! dize-me, terei felicidade quando tiver assassinado todos os meus? Que representarão a vitória, o poder e a vida, quando aqueles para os quais quero obter e conservar tiveremmorrido no combate? Ó conquistador celeste, quando o mundo tríplice fosse o preço de sua morte, eu não os quereria estrangular por este globo miserável. Não, não o quero, ainda que se preparem para matar-me impiedosamente.”

“─ Esses cuja morte choras, ─ respondeu o deus, ─ não merecem que os chores; quer vivam, quer morram, o sábio não tem lágrimas para a vida nem para a morte. O tempo em que eu não existia, em que tu não existias, em que esses guerreiros não existiam, jamais existiu, e jamais virá a hora da nossa morte. Metida em nossos corpos, a alma atravessa a juventude, a idade madura, a decrepitude, e passando a novos corpos, ela recomeça o seu curso. Indestrutível e eterno, um deus distende com suas mãos o Universo onde estamos. Quem aniquilará a alma que ele criou? Quem destruirá a obra do Indestrutível? Envoltório frágil, o corpo se altera, corrompe-se e morre, mas a alma, a alma eterna que a gente não pode conceber, essa jamais perece. Ao combate, Arjuna! Lança os teus corcéis na peleja. A alma não morre. Tu não destróis a alma; ela não será morta; ela jamais nasce; ela jamais morre. Ela nada sabe do presente, do passado e do futuro. É antiga, eterna, sempre virgem, sempre jovem, imutável, inalterável. Que significa cair no combate, estrangular os inimigos senão deixar uma vestimenta ou tirar a vestimenta de outrem? Vai! Não temas! Despe sem escrúpulos uma veste usada; vê sem terror os teus inimigos e os teus irmãos deixando os corpos perecíveis e suas almas revestindo formas novas. A alma é uma coisa que o gládio não penetra, o fogo não consome, as águas não deterioram e o vento sul não resseca. Para de gemer.”


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