Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1863
Versão para cópiaCapítulo XXXIV
Abril - Suícidio falsamente atribuído ao Espiritismo
Abril
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O ardor dos adversários em recolher e sobretudo em desnaturar os fatos que julgam comprometer o Espiritismo, é verdadeiramente incrível. Está num ponto em que em breve não haverá mais nenhum acidente pelo qual ele não seja responsabilizado.
Um fato lamentável passou-se ultimamente em Tours, que não podia deixar de ser explorado pela crítica: o suicídio de duas criaturas, que se esforçam por atribuir ao Espiritismo.
O Jornal Le Monde, (antigo Univers Religieux), e com ele vários jornais, publicaram a respeito um artigo, do qual extraímos as seguintes passagens:
“Um casal em idade avançada, o Sr. e Sra. F..., ainda bem dispostos e desfrutando uma renda que lhes permitia viver à vontade, de dois anos para cá entregava-se a operações do Espiritismo. Quase todas as noites reunia-se em sua casa um certo número de operários, homens e mulheres, e jovens de ambos os sexos, perante os quais os dois espíritas faziam suas evocações, ou ao menos pretendiam fazê-las.
“Não falaremos das questões de toda espécie, cuja solução era pedida aos Espíritos naquela casa. Os que conhecem essas duas pessoas de longa data e os seus sentimentos sobre religião jamais ficaram surpresos com as cenas que ali podiam produzir-se. Estranhos a toda ideia cristã, tinham-se atirado à magia, passando por mestres hábeis e consumados.
. . . . . . . . . . . . . . . . .
“Um e outro estavam convencidos, desde algum tempo, que os Espíritos os induziam vivamente a deixar a Terra, a fim de gozarem uma grande soma de delícias num outro mundo, o mundo supraterrestre. Não duvidando que assim fosse, consumaram o suicídio com o maior sangue frio e um grande escândalo na cidade de Tours.
. . . . . . . . . . . . . . .
“Assim é hoje o suicídio que temos a constatar como resultado do Espiritismo e de sua doutrina. Ontem eram os casos de loucura, sem falar nas desordens domésticas e de outras desordens tão comumente ocasionadas pelo Espiritismo. Isto não basta para que os homens compreendam - esses não querem escutar a voz da religião ─ a que perigos se expõem, entregando-se a essas práticas tenebrosas e estúpidas?”
Notemos de começo que se os dois indivíduos pretendiam fazer evocações, é que realmente não as faziam; que abusavam dos outros ou enganavam-se a si mesmos. Portanto, se não faziam evocações reais, era uma quimera, e os Espíritos não lhes podem ter dado maus conselhos.
Eram espíritas, isto é, espíritas de coração ou de nome? O artigo constata que eram estranhos a toda ideia cristã, e mais, que passavam por mestres hábeis e consumados na magia. Ora, é sabido que o Espiritismo é inseparável das ideias religiosas e sobretudo cristãs; que a negação destas é a negação do Espiritismo; que condena as práticas de magia, com as quais nada tem de comum; que denuncia como supersticiosa a crença na virtude dos talismãs, fórmulas, sinais cabalísticos e palavras sacramentais. Portanto, aquelas pessoas não eram espíritas, pois estavam em contradição com os princípios do Espiritismo. Em homenagem à verdade, diremos que, das informações obtidas, ressalta que aquelas pessoas não se ocupavam de magia e que, sem dúvida, quiseram aproveitar a circunstância para ligar esse nome ao Espiritismo.
Além disso, diz o artigo que em casa deles faziam aos Espíritos perguntas de toda espécie. O Espiritismo diz expressamente que não se podem dirigir aos Espíritos toda sorte de perguntas; que eles vêm para nos instruir e nos tornar melhores, e não para se ocuparem de interesses materiais; que é um engano ver nas manifestações um meio de conhecer o futuro, descobrir tesouros ou heranças, fazer invenções ou descobertas científicas para ilustrar-se ou enriquecer sem trabalho. Numa palavra, que os Espíritos não vêm dizer a buena-dicha. Assim, fazendo aos Espíritos perguntas de toda espécie, o que é muito real, esses indivíduos provavam sua ignorância quanto aos fins do Espiritismo.
O artigo não diz que disso fizessem profissão. Com efeito não faziam. Do contrário, lembraríamos o que foi dito centenas de vezes a respeito desta exploração e suas consequências, de que o Espiritismo sério não pode assumir a responsabilidade legal ou outra, como não assume pelas excentricidades dos que não o compreendem. Ele não toma a defesa dos abusos que pudessem ser cometidos em seu nome, por aqueles que tomassem a forma ou a máscara sem lhe assimilar os princípios.
Outra prova de que aqueles indivíduos ignoravam um dos pontos fundamentais da Doutrina Espírita é que o Espiritismo prova, não por simples teoria moral, mas por exemplos numerosos e terríveis, que o suicídio é severamente castigado; que aquele que julga escapar às misérias da vida por uma morte voluntária antecipada aos desígnios de Deus, cai num estado muito mais infeliz. Sabe, pois, o espírita, sem sombra de dúvida, que pelo suicídio troca-se um mau estado passageiro por outro pior e mais duradouro. É o que teriam sabido aquelas criaturas se tivessem conhecido o Espiritismo. O autor do artigo, afirmando que essa doutrina conduz ao suicídio, falou de uma coisa que ele próprio ignora.
De modo algum nos surpreendemos com o resultado da repercussão deste caso. Apresentando-o como consequência da Doutrina Espírita, despertaram a curiosidade, e cada um quis conhecer essa doutrina por si mesmo, livre de a repelir se ela fosse tal qual a apresentavam. Ora, reconheceram que ela dizia tudo ao contrário do que pretendiam que dissesse. Assim, pois, ela só tem a ganhar em ser conhecida, coisa de que os nossos adversários parecem encarregar-se com um ardor pelo qual lhes somos gratos, salvo, todavia, quanto às suas intenções. Se por suas diatribes produzem uma pequena perturbação local e momentânea, ela não tarda a ser seguida por uma recrudescência do número dos adeptos. É o que se vê por toda parte.
Escrevem-nos de Tours:
“Se, portanto, esses indivíduos acreditaram que deveriam envolver os Espíritos em sua fatal resolução e a suas excentricidades bem conhecidas, é evidente que nada haviam compreendido do Espiritismo, e que desse fato nenhuma conclusão pode ser tirada contra a doutrina. Do contrário, seria preciso responsabilizar as doutrinas mais sérias e mais sagradas pelos abusos e até crimes em seu nome cometidos por pobres insensatos ou fanáticos. A Sra. F... pretendia ser médium, mas todos quantos a ouviram jamais puderam levá-la a sério. As ideias muito batidas, os exageros e as excentricidades dos dois esposos e, sobretudo, da mulher, levaram a que lhes fossem fechadas as portas do círculo espírita de Tours, onde não foram admitidos a uma única sessão.
O jornal precipitado não foi melhor informado sobre as causas do suicídio. Nós a tomamos de peças autênticas, do escrivão de Tours, bem como de uma carta a respeito, que nos escreveu o Sr. X..., promotor desta cidade.
O casal F..., a mulher com sessenta e dois anos e o marido com oitenta, longe de estarem bem, foram levados ao suicídio apenas pela perspectiva única da miséria. Eles tinham amealhado uma pequena fortuna no comércio de tecidos, em Nova Orleans, mas, arruinados por falência, vieram para Nantes, depois para Tours, com os restos do naufrágio. Um usufruto de 480 francos, que era seu principal recurso, cessou em 1856, em consequência da outra falência. Já por três vezes, e antes que tratassem de Espiritismo, tinham tentado o suicídio. Nestes últimos tempos, perseguidos por antigos credores, um processo infeliz tinha conseguido arruiná-los e fazê-los perder a coragem e a razão.
A carta que segue, escrita pela senhora F... antes de morrer, e que se acha entre as peças referidas, assinadas pelo presidente do tribunal, ne varietur, revela o verdadeiro motivo. Nós a transcrevemos textualmente, na grafia original:
“Senhor e senhora B..., antes de ir ao céu, quero entender-me convosco mais uma vez, aceitai meus último adeuses, espero muito entretanto que nos veremos, como parto antes de vós, vou guardar vosso endereço para quando vier o momento, quero comunicar nosso projeto, desde nossas adversidades temos alimentado no coração, uma mágoa que não se apagou, é mais que um aborrecimento, tudo se torna num peso, tenho sempre o coração cheio de amargura, é preciso que eu diga que há seis anos que o negócio da casa não termina, talvez seja preciso gastar mais dois mil francos como vemos que não podemos sair disso senão com grandes privações que é preciso sempre recomeçar sem ver o fim, é preciso acabar com isso, agora estamos velhos as forças começam a nos abandonar, a coragem falta, a partida não é mais igual, é preciso acabar com isto e nos decidimos parar. Peço que aceiteis meus votos sinceros. Fe. e F...”
Hoje sabe-se em Tours o que pensar das verdadeiras causas de tal acontecimento, e o ruído feito a respeito se volta em favor do Espiritismo porque, diz o nosso correspondente, fala-se a respeito dele em toda parte, e querem saber efetivamente o que ele é, e desde então as livrarias da cidade têm vendido mais livros espíritas que nunca.
É realmente curioso ver o tom lamentável de uns, a cólera furibunda de outros, e, em meio a tudo isto, o Espiritismo seguir sua marcha ascendente, como um soldado que sobe ao assalto sem se inquietar com a metralha. Vendo a zombaria impotente, depois de haverem dito que era um fogo-fátuo, agora os adversários dizem que é um cão danado.
Um fato lamentável passou-se ultimamente em Tours, que não podia deixar de ser explorado pela crítica: o suicídio de duas criaturas, que se esforçam por atribuir ao Espiritismo.
O Jornal Le Monde, (antigo Univers Religieux), e com ele vários jornais, publicaram a respeito um artigo, do qual extraímos as seguintes passagens:
“Um casal em idade avançada, o Sr. e Sra. F..., ainda bem dispostos e desfrutando uma renda que lhes permitia viver à vontade, de dois anos para cá entregava-se a operações do Espiritismo. Quase todas as noites reunia-se em sua casa um certo número de operários, homens e mulheres, e jovens de ambos os sexos, perante os quais os dois espíritas faziam suas evocações, ou ao menos pretendiam fazê-las.
“Não falaremos das questões de toda espécie, cuja solução era pedida aos Espíritos naquela casa. Os que conhecem essas duas pessoas de longa data e os seus sentimentos sobre religião jamais ficaram surpresos com as cenas que ali podiam produzir-se. Estranhos a toda ideia cristã, tinham-se atirado à magia, passando por mestres hábeis e consumados.
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“Um e outro estavam convencidos, desde algum tempo, que os Espíritos os induziam vivamente a deixar a Terra, a fim de gozarem uma grande soma de delícias num outro mundo, o mundo supraterrestre. Não duvidando que assim fosse, consumaram o suicídio com o maior sangue frio e um grande escândalo na cidade de Tours.
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“Assim é hoje o suicídio que temos a constatar como resultado do Espiritismo e de sua doutrina. Ontem eram os casos de loucura, sem falar nas desordens domésticas e de outras desordens tão comumente ocasionadas pelo Espiritismo. Isto não basta para que os homens compreendam - esses não querem escutar a voz da religião ─ a que perigos se expõem, entregando-se a essas práticas tenebrosas e estúpidas?”
Notemos de começo que se os dois indivíduos pretendiam fazer evocações, é que realmente não as faziam; que abusavam dos outros ou enganavam-se a si mesmos. Portanto, se não faziam evocações reais, era uma quimera, e os Espíritos não lhes podem ter dado maus conselhos.
Eram espíritas, isto é, espíritas de coração ou de nome? O artigo constata que eram estranhos a toda ideia cristã, e mais, que passavam por mestres hábeis e consumados na magia. Ora, é sabido que o Espiritismo é inseparável das ideias religiosas e sobretudo cristãs; que a negação destas é a negação do Espiritismo; que condena as práticas de magia, com as quais nada tem de comum; que denuncia como supersticiosa a crença na virtude dos talismãs, fórmulas, sinais cabalísticos e palavras sacramentais. Portanto, aquelas pessoas não eram espíritas, pois estavam em contradição com os princípios do Espiritismo. Em homenagem à verdade, diremos que, das informações obtidas, ressalta que aquelas pessoas não se ocupavam de magia e que, sem dúvida, quiseram aproveitar a circunstância para ligar esse nome ao Espiritismo.
Além disso, diz o artigo que em casa deles faziam aos Espíritos perguntas de toda espécie. O Espiritismo diz expressamente que não se podem dirigir aos Espíritos toda sorte de perguntas; que eles vêm para nos instruir e nos tornar melhores, e não para se ocuparem de interesses materiais; que é um engano ver nas manifestações um meio de conhecer o futuro, descobrir tesouros ou heranças, fazer invenções ou descobertas científicas para ilustrar-se ou enriquecer sem trabalho. Numa palavra, que os Espíritos não vêm dizer a buena-dicha. Assim, fazendo aos Espíritos perguntas de toda espécie, o que é muito real, esses indivíduos provavam sua ignorância quanto aos fins do Espiritismo.
O artigo não diz que disso fizessem profissão. Com efeito não faziam. Do contrário, lembraríamos o que foi dito centenas de vezes a respeito desta exploração e suas consequências, de que o Espiritismo sério não pode assumir a responsabilidade legal ou outra, como não assume pelas excentricidades dos que não o compreendem. Ele não toma a defesa dos abusos que pudessem ser cometidos em seu nome, por aqueles que tomassem a forma ou a máscara sem lhe assimilar os princípios.
Outra prova de que aqueles indivíduos ignoravam um dos pontos fundamentais da Doutrina Espírita é que o Espiritismo prova, não por simples teoria moral, mas por exemplos numerosos e terríveis, que o suicídio é severamente castigado; que aquele que julga escapar às misérias da vida por uma morte voluntária antecipada aos desígnios de Deus, cai num estado muito mais infeliz. Sabe, pois, o espírita, sem sombra de dúvida, que pelo suicídio troca-se um mau estado passageiro por outro pior e mais duradouro. É o que teriam sabido aquelas criaturas se tivessem conhecido o Espiritismo. O autor do artigo, afirmando que essa doutrina conduz ao suicídio, falou de uma coisa que ele próprio ignora.
De modo algum nos surpreendemos com o resultado da repercussão deste caso. Apresentando-o como consequência da Doutrina Espírita, despertaram a curiosidade, e cada um quis conhecer essa doutrina por si mesmo, livre de a repelir se ela fosse tal qual a apresentavam. Ora, reconheceram que ela dizia tudo ao contrário do que pretendiam que dissesse. Assim, pois, ela só tem a ganhar em ser conhecida, coisa de que os nossos adversários parecem encarregar-se com um ardor pelo qual lhes somos gratos, salvo, todavia, quanto às suas intenções. Se por suas diatribes produzem uma pequena perturbação local e momentânea, ela não tarda a ser seguida por uma recrudescência do número dos adeptos. É o que se vê por toda parte.
Escrevem-nos de Tours:
“Se, portanto, esses indivíduos acreditaram que deveriam envolver os Espíritos em sua fatal resolução e a suas excentricidades bem conhecidas, é evidente que nada haviam compreendido do Espiritismo, e que desse fato nenhuma conclusão pode ser tirada contra a doutrina. Do contrário, seria preciso responsabilizar as doutrinas mais sérias e mais sagradas pelos abusos e até crimes em seu nome cometidos por pobres insensatos ou fanáticos. A Sra. F... pretendia ser médium, mas todos quantos a ouviram jamais puderam levá-la a sério. As ideias muito batidas, os exageros e as excentricidades dos dois esposos e, sobretudo, da mulher, levaram a que lhes fossem fechadas as portas do círculo espírita de Tours, onde não foram admitidos a uma única sessão.
O jornal precipitado não foi melhor informado sobre as causas do suicídio. Nós a tomamos de peças autênticas, do escrivão de Tours, bem como de uma carta a respeito, que nos escreveu o Sr. X..., promotor desta cidade.
O casal F..., a mulher com sessenta e dois anos e o marido com oitenta, longe de estarem bem, foram levados ao suicídio apenas pela perspectiva única da miséria. Eles tinham amealhado uma pequena fortuna no comércio de tecidos, em Nova Orleans, mas, arruinados por falência, vieram para Nantes, depois para Tours, com os restos do naufrágio. Um usufruto de 480 francos, que era seu principal recurso, cessou em 1856, em consequência da outra falência. Já por três vezes, e antes que tratassem de Espiritismo, tinham tentado o suicídio. Nestes últimos tempos, perseguidos por antigos credores, um processo infeliz tinha conseguido arruiná-los e fazê-los perder a coragem e a razão.
A carta que segue, escrita pela senhora F... antes de morrer, e que se acha entre as peças referidas, assinadas pelo presidente do tribunal, ne varietur, revela o verdadeiro motivo. Nós a transcrevemos textualmente, na grafia original:
“Senhor e senhora B..., antes de ir ao céu, quero entender-me convosco mais uma vez, aceitai meus último adeuses, espero muito entretanto que nos veremos, como parto antes de vós, vou guardar vosso endereço para quando vier o momento, quero comunicar nosso projeto, desde nossas adversidades temos alimentado no coração, uma mágoa que não se apagou, é mais que um aborrecimento, tudo se torna num peso, tenho sempre o coração cheio de amargura, é preciso que eu diga que há seis anos que o negócio da casa não termina, talvez seja preciso gastar mais dois mil francos como vemos que não podemos sair disso senão com grandes privações que é preciso sempre recomeçar sem ver o fim, é preciso acabar com isso, agora estamos velhos as forças começam a nos abandonar, a coragem falta, a partida não é mais igual, é preciso acabar com isto e nos decidimos parar. Peço que aceiteis meus votos sinceros. Fe. e F...”
Hoje sabe-se em Tours o que pensar das verdadeiras causas de tal acontecimento, e o ruído feito a respeito se volta em favor do Espiritismo porque, diz o nosso correspondente, fala-se a respeito dele em toda parte, e querem saber efetivamente o que ele é, e desde então as livrarias da cidade têm vendido mais livros espíritas que nunca.
É realmente curioso ver o tom lamentável de uns, a cólera furibunda de outros, e, em meio a tudo isto, o Espiritismo seguir sua marcha ascendente, como um soldado que sobe ao assalto sem se inquietar com a metralha. Vendo a zombaria impotente, depois de haverem dito que era um fogo-fátuo, agora os adversários dizem que é um cão danado.