Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1864

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Capítulo IV

Janeiro - Um caso de possessão - Senhorita Júlia (2º Artigo - ver o último número de dezembro)

Janeiro
No artigo anterior descrevemos a triste situação dessa moça e as circunstâncias que provavam uma verdadeira possessão. Sentimo-nos felizes ao confirmar o que dissemos a respeito de sua cura, hoje completa.

Depois de liberta de seu Espírito obsessor, os violentos abalos que ela havia sofrido por mais de seis meses a haviam levado a grave perturbação da saúde. Agora ela está inteiramente recuperada, mas não saiu do estado sonambúlico, o que não a impede de ocupar-se de suas atividades habituais.

Vamos expor as circunstâncias dessa cura.

Várias pessoas tinham tentado magnetizá-la, mas sem muito sucesso, salvo leve e passageira melhora no estado patológico. Quanto ao Espírito, era cada vez mais tenaz, e as crises haviam atingido um grau de violência dos mais inquietantes. Ali teria sido necessário um magnetizador nas condições indicadas no artigo acima para os médiuns curadores, isto é, penetrando a doente com um fluido bastante puro para eliminar o fluido do mau Espírito. Se há um gênero de mediunidade que exige uma superioridade moral, é sem contradita o caso de obsessão, pois é preciso ter a faculdade de impor sua autoridade ao Espírito.

Os casos de possessão, segundo o que é anunciado, devem multiplicar-se com grande energia daqui a algum tempo, para que fique bem demonstrada a impotência dos meios empregados até agora para combatê-los.

Até mesmo uma circunstância da qual não podemos ainda falar, mas que tem uma certa analogia com o que se passou ao tempo do Cristo, contribuirá para desenvolver essa espécie de epidemia demoníaca. Não é de duvidar que surgirão médiuns especiais com o poder de expulsar os maus Espíritos, como os apóstolos tinham o de expulsar os demônios, seja por que Deus sempre põe o remédio ao lado do mal, seja para dar aos incrédulos uma nova prova da existência dos Espíritos.

Para a senhorita Júlia, como em todos os casos análogos, o magnetismo simples, por mais enérgico que fosse, era, assim, insuficiente. Era preciso agir simultaneamente sobre o Espírito obsessor, para dominá-lo, e sobre o moral da doente, perturbado por todos esses abalos. O mal físico era apenas consecutivo; era um efeito e não a causa. Assim, havia que tratar-se a causa antes do efeito. Destruído o mal moral, o mal físico deveria desaparecer por si mesmo. Mas para isto é preciso identificar-se com a causa; estudar com o maior cuidado e em todas as suas nuanças o curso das ideias, para lhe imprimir tal ou qual direção mais favorável, porque os sintomas variam conforme o grau de inteligência do paciente, o caráter do Espírito e os motivos da obsessão, motivos cuja origem remonta quase sempre a existências anteriores.

O insucesso do magnetismo com a senhorinha Júlia levou várias pessoas a tentar. Entre essas pessoas estava um jovem dotado de grande força fluídica, mas que infelizmente não tinha qualquer experiência e, sobretudo, os conhecimentos necessários em casos semelhantes. Ele se atribuía um poder absoluto sobre os Espíritos inferiores que, segundo ele, não podiam resistir à sua vontade. Tal pretensão, levada ao excesso e baseada em sua força pessoal e não na assistência dos bons Espíritos, deveria atrair-lhe mais de um insucesso. Só isto deveria ter bastado para mostrar aos amigos da jovem que a ele faltava a primeira das qualidades requeridas para ser um socorro eficaz. Mas o que, acima de tudo, deveria tê-los esclarecido, é que sobre os Espíritos em geral tinha ele uma opinião inteiramente falsa. Segundo ele, os Espíritos superiores têm uma natureza fluídica por demais etérea para poderem vir à Terra comunicar-se com os homens e assisti-los, pois isto só seria possível aos Espíritos inferiores, em razão de sua natureza mais grosseira. Mesmo nos momentos de crise, ele cometia o grave erro de sustentar diante da doente essa opinião, que não passa da doutrina da comunicação exclusiva dos demônios. Com esta maneira de ver, ele não devia contar senão consigo mesmo, e não podia invocar a única assistência que poderia ajudá-lo, assistência da qual, é verdade, ele julgava poder prescindir.

A consequência mais prejudicial era para a doente, que ele desencorajava, tirando-lhe a esperança da assistência dos bons Espíritos. No estado de enfraquecimento em que estava o seu cérebro, tal crença, que dava todo poder ao Espírito obsessor, poderia tornar-se fatal para a sua razão, podendo mesmo matá-la. Assim, ela repetia sem cessar, nos momentos de crise: “Louca... louca... ele me deixará louca...completamente louca... eu ainda não estou, mas ficarei.”

Falando de seu magnetizador, ela pintava perfeitamente sua ação, dizendo: “Ele me dá a força do corpo, mas não a força do espírito.” Esta expressão era profundamente significativa, contudo, ninguém lhe dava importância.

Quando vimos a senhorita Júlia, o mal estava no apogeu e a crise a que assistimos foi uma das mais violentas. Foi precisamente no momento em que procurávamos levantar-lhe o moral; em que tentávamos inculcar-lhe o pensamento de que ela podia dominar esse mau Espírito com a assistência dos bons e de seu anjo de guarda, cujo apoio era preciso invocar. Foi nesse momento, dizíamos, que o jovem magnetizador, que estava presente, por uma circunstância sem dúvida providencial, veio, sem qualquer provocação, afirmar e desenvolver sua teoria, destruindo por um lado o que fazíamos por outro. Tivemos que lhe expor com energia que ele praticava uma ação má e que assumia a terrível responsabilidade da razão e da vida dessa moça infeliz.

Um fato dos mais singulares, que todos tinham observado, mas ninguém lhe deduzira as consequências, se produzia na magnetização. Quando era feita durante a luta com o mau Espírito, ele sozinho absorvia todo o fluido, que lhe dava mais força, enquanto a doente enfraquecia e sucumbia aos seus ataques. Deve-se levar em conta que ela estava sempre em estado de sonambulismo; consequentemente, ela via o que se passava, e foi ela mesma que deu essa explicação. Eles não viram nesse fato senão uma malícia do Espírito, e contentaram-se em abster-se de magnetizar nesses momentos e ficar assistindo a festa.

Com o conhecimento da natureza dos fluidos, é fácil dar-se conta desse fenômeno. É evidente, para começar, que absorvendo o fluido para aumentar sua própria força em detrimento da doente, o Espírito queria convencer o magnetizador da inutilidade de sua pretensão. Se havia malícia de sua parte, era contra o magnetizador, pois ele se servia da mesma arma com a qual o outro pretendia vencêlo. Pode-se dizer que lhe tomava o bastão das mãos. Era não menos evidente que a sua facilidade de apropriar-se do fluido do magnetizador denotava uma afinidade entre esse fluido e o seu próprio, ao passo que fluidos de natureza contrária se teriam repelido, como água e óleo. Só esse fato basta para demonstrar que havia outras condições a preencher. É, pois, um erro dos mais graves e, podemos dizer, dos mais funestos, não ver na ação magnética mais que simples emissão fluídica, sem levar em conta a qualidade íntima dos fluidos. Na maioria dos casos, o sucesso repousa inteiramente nessas qualidades, como na terapêutica depende da qualidade do medicamento. Não seria demais chamar a atenção para este ponto capital, demonstrado, ao mesmo tempo, pela lógica e pela experiência.

Para combater a influência da doutrina do magnetizador, que já havia influenciado as ideias da doente, dissemos a ela:

─ Minha filha, tenha confiança em Deus! Olhe em sua volta. Você não vê bons Espíritos?

─ É verdade, disse ela, vejo Espíritos luminosos, que Fredegunda não ousa encarar.

─ Então! São eles que a protegem e não permitirão que o mau Espírito vença.

Implore a sua assistência; ore com fervor; ore sobretudo por Fredegunda.

─ Oh! Por ela jamais poderei.

─ Cuidado! Veja que a estas palavras os bons Espíritos se afastam. Se você quer sua proteção, é preciso merecê-la por seus bons sentimentos, esforçando-se sobretudo para ser melhor que a sua inimiga. Como você quer que eles a protejam, se não for melhor que ela? Pense que em outras existências você também teve censuras a se fazer, e o que lhe acontece é uma expiação. Se você quer que ela cesse, terá que se melhorar, e para provar suas boas intenções, você terá que começar mostrando-se boa e caridosa para com seus inimigos. A própria Fredegunda será tocada, e talvez você faça o arrependimento penetrar seu coração. Reflita.

─ Eu o farei.

─ Faça-o agora mesmo, e diga comigo: “Meu Deus, eu perdoo a Fredegunda o mal que me fez; aceito-o como uma prova e uma expiação que mereci. Perdoai minhas próprias faltas, como eu perdoo as dela. E vós, bons Espíritos que me cercais, abri o seu coração a melhores sentimentos e dai-me a força que me falta.

─ Você promete orar por ela todos os dias?

─ Prometo.

─ Está bem. Por meu lado, vou cuidar de você e dela. Tenha confiança.

─ Oh! Obrigada. Algo me diz que isto em breve vai acabar.

Tendo levado este fato ao conhecimento da Sociedade, foram dadas a respeito as seguintes instruções:

“O assunto de que vos ocupais comoveu os próprios bons Espíritos que, por sua vez, querem vir em auxílio dessa moça com seus conselhos. Com efeito, ela apresenta um caso de obsessão muito grave, e entre os que vistes e vereis ainda, pode-se pôr este entre os mais importantes, mais sérios, e sobretudo mais interessantes, pelas particularidades instrutivas já apresentadas e pelas novidades que ainda oferecerá.

“Como já vos disse, esses casos de obsessão renovar-se-ão frequentemente, e fornecerão dois assuntos distintos e de utilidade, primeiro para vós, depois para os que as sofrerem.

“Primeiro para vós, porque assim como vários eclesiásticos contribuíram poderosamente para divulgar o Espiritismo entre os que lhe eram completamente estranhos, assim esses obsedados, cujo número tornar-se-á bastante importante para que deles se ocupem de maneira não superficial, mas larga e profunda, abrirão bem as portas da Ciência para que a filosofia espírita possa com eles nela penetrar e ocupar entre a gente de ciência e os médicos de todos os sistemas, o lugar a que ela tem direito.

“Depois para eles, porque no estado de Espírito, antes de encarnar-se entre vós, eles aceitaram essa luta que lhes proporciona a possessão que sofrem, em vista de seu adiantamento, e essa luta, acreditai, faz sofrer cruelmente seu próprio Espírito que, quando seu corpo, de certo modo, não é mais seu, têm a perfeita consciência do que se passa. Conforme tiverem suportado essa prova, cuja duração lhes podereis abreviar poderosamente por vossas preces, eles terão progredido mais ou menos. Porque, tende certeza disto, malgrado essa possessão, sempre momentânea, eles guardam suficiente consciência de si mesmos para discernir a causa e a natureza de sua obsessão.

“Para esta de que vos ocupais, é necessário um conselho. As magnetizações que lhe faz suportar o Espírito encarnado de que falastes lhe são funestas sob todos os aspectos. Aquele Espírito é sistemático. E que sistema! Aquele que não reporta todas as suas ações à maior glória de Deus e que se envaidece das faculdades que lhe foram concedidas, será sempre confundido. Os presunçosos serão rebaixados, às vezes neste mundo, infalivelmente no outro.

“Tratai, portanto, meu caro Kardec, de conseguir que essas magnetizações cessem imediatamente, ou os mais graves inconvenientes resultarão de sua continuação, não só para a moça, mas ainda para o imprudente que pensa ter às suas ordens todos os Espíritos das trevas e comandá-los como chefe.

“Eu vos afirmo que vereis esses casos de obsessão e de possessão se desenvolverem durante um certo tempo, porque eles são úteis ao progresso da Ciência e do Espiritismo. É por aí que os médicos e os sábios enfim abrirão os olhos e compreenderão que há moléstias cujas causas não estão na matéria, e que não devem ser tratadas pela matéria. Esses casos de possessão vão igualmente abrir horizontes totalmente novos ao magnetismo, e fazer com que ele dê um grande passo para a frente, pelo estudo dos fluidos, até aqui tão imperfeito. Ajudado por esses novos conhecimentos e por sua aliança com o Espiritismo, ele obterá grandes coisas.

“Infelizmente, no magnetismo, como na medicina, durante muito tempo ainda, haverá homens que julgarão nada terem a aprender.

“Essas obsessões frequentes terão, também, um lado muito bom, pelo fato de que estando penetrado pela prece e pela força moral, pode-se fazê-las cessar e podese adquirir o direito de expulsar os maus Espíritos e, pelo melhoramento de sua conduta, cada um procurará adquirir esse direito, que o Espírito de Verdade, que dirige este globo, conferirá quando for merecido.

“Tende fé e confiança em Deus, que não permite que se sofra inutilmente e sem motivo”

HAHNEMANN.

(Médium: Sr. Albert)





“Serei breve. Será muito fácil curar essa infeliz possessa. Os meios estavam implicitamente contidos nas reflexões há pouco emitidas por Allan Kardec. Não só é necessária uma ação material e moral, mas ainda uma ação puramente espiritual.

“Para o Espírito encarnado que se acha, como Júlia, em estado de possessão, é necessário um magnetizador experimentado e perfeitamente convicto da verdade espírita. É necessário que ele seja, além disso, de uma moralidade irreprochável e sem presunção. Mas, para agir sobre o Espírito obsessor, é necessária a ação não menos enérgica de um bom Espírito desencarnado. Assim, pois, dupla ação: terrena e extraterrena; encarnado sobre encarnado; desencarnado sobre desencarnado; eis a lei. Se até agora tal ação não foi realizada, foi justamente para vos trazer ao estudo e à experimentação dessa interessante questão. É por isto que Júlia não se livrou mais cedo. Ela devia servir aos vossos estudos.

“Isto vos demonstra o que deveis fazer de agora em diante, nos casos de possessão manifesta. É indispensável chamar em vossa ajuda o concurso de um Espírito elevado, gozando ao mesmo tempo de força moral e fluídica, como, por exemplo, o excelente cura d’Ars, e sabeis que podeis contar com a assistência desse digno e Santo Vianney. Além disso, nosso concurso será dado a todos os que nos chamarem em seu auxílio, com pureza de coração e fé verdadeira.

“Resumindo: Quando magnetizarem Júlia, será preciso começar pela fervorosa evocação do cura d’Ars e de outros bons Espíritos que se comunicam habitualmente entre vós, pedindo-lhes que ajam contra os maus Espíritos que perseguem essa moça, os quais fugirão ante as falanges luminosas. Também é preciso não esquecer que a prece coletiva tem uma força muito grande, quando feita por certo número de pessoas agindo em sintonia, com uma fé viva e um ardente desejo de aliviar.”

ERASTO

(Médium: Sr. d’Ambel





Estas instruções foram seguidas. Vários membros da Sociedade se entenderam para agir pela prece nas condições desejadas. Um ponto essencial era levar o Espírito obsessor a emendar-se, o que necessariamente deveria facilitar a cura. Foi o que se fez, evocando-o e lhe dando conselhos. Ele prometeu não mais atormentar a senhorita Júlia, e manteve a palavra. Um dos nossos colegas foi especialmente encarregado por seu guia espiritual, de sua educação moral, com o que ficou satisfeito. Hoje esse Espírito trabalha seriamente em sua melhora e pede uma nova encarnação para expiar e reparar as suas faltas.

A importância do ensinamento que decorre deste fato e das observações a que deu lugar, não escapará a ninguém, e cada um poderá aí colher úteis instruções sobre a ocorrência.

Uma observação essencial que o caso permitiu constatar, e que se compreende sem esforço, é a influência do meio. É evidente que se o meio secunda pela unidade de vistas, de intenção e de ação, o doente se acha numa espécie de atmosfera homogênea de fluidos benéficos, o que deve necessariamente facilitar e apressar o sucesso. Mas se houver desacordo, oposição; se cada um quiser agir à sua maneira, resultarão repelões, correntes contrárias que forçosamente paralisarão e por vezes anularão os esforços tentados para a cura. Os eflúvios fluídicos, que constituem a atmosfera moral, se forem maus, são tão funestos a certos indivíduos quanto as exalações das regiões pantanosas.


Dezembro I

Dezembro

1. — Lê-se no Siècle de 12 de outubro de 1864:


“Numa horrível mansarda da passagem Saint-Pierre, em Clichy, vivia um homem chamado Louis-Henri, de sessenta e quatro anos, mas parecendo ter oitenta. Tinha descido ao último degrau da vida social. Diziam que outrora tinha sido belo e perdulário; que havia transtornado muitas cabeças femininas e levado a existência em alta velocidade.

“Com efeito, por momentos lhe escapavam maneiras de falar características da sociedade refinada, e em sua casa viam-se duas deliciosas miniaturas, representando encantadoras mulheres. O círculo desses medalhões há muito tinha sido vendido e a pintura tinha-se tornado muito apagada para que dela se pudesse tirar proveito. “Louis-Henri exercia o ofício de trapeiro. Mas era tão fraco, tão alquebrado, tão trêmulo, que não recolhia quase nada. Deitava-se sobre imundícies, que lhe serviam de leito, sem ao menos tirar os trapos. Outros trapeiros, quase tão pobres quanto ele, se cotizavam para lhe dar alguns alimentos, tais como casca de pão e restos de cozinha, provenientes de suas cestas. Estava coberto de chagas e roído de vermes. Já por várias vezes, diz o Opinion nationale, os soldados da brigada de Clichy tinham feito uma coleta entre si, a fim de pagar banhos sulfurosos àquele infeliz. Ele não sabia o paradeiro de sua família e havia esquecido o próprio nome. Só se recordava dos prenomes Louis-Henri.

“Desde alguns dias, o leproso, como o chamavam, não mais fora visto. Um odor infecto, que escapava de seu tugúrio, atraiu a atenção dos locatários; estes avisaram o comissário de polícia que, assistido pelo Dr. Massart, dirigiu-se ao local e mandou abri-lo por um serralheiro. Entre as imundícies, encontraram, corroídos pelos ratos, os restos decompostos do trapeiro, que se extinguira em meio às suas enfermidades e males.”

Eis aí um triste revés da sorte e uma prova de que a justiça divina nem sempre espera a vida futura para agir sobre o culpado. Dizemos culpado por hipótese, porque uma tal degradação não pode ser senão o resultado do vício no seu mais alto grau. O homem mais rico e mais altamente colocado pode tombar na última categoria da escala social; mas conservará a dignidade, se nele a honra não for abafada na mais profunda miséria.


2. — Presumindo que a vida desse homem pudesse oferecer um ensinamento, a Sociedade de Paris julgou dever evocá-lo, na expectativa de, ao mesmo tempo, lhe ser útil.


(Sociedade de Paris, 28 de julho de 1864. – Médium: Sr. Vézy.)

1. Pergunta. – Os detalhes que lemos de vossa vida e vossa morte nos interessaram, primeiro por vós, porque todos os que sofrem têm direito às nossas simpatias; e, depois, para nossa instrução. Seria útil, do ponto de vista moral, reconhecer como e por que causas, de uma existência que parece ter sido brilhante, caístes em tal abjeção, e qual a vossa situação atual? Rogamos a um bom Espírito que vos assista na comunicação que nos derdes.


I.


Resposta – Não paguei bastante minha dívida de sofrimentos na Terra, para que me sejam concedidas algumas horas de lucidez no além-túmulo? É por que meu corpo está infecto e corroído pelos vermes, em disputa com a podridão que o dilacera, que meu Espírito está perturbado? Deixai que me reconheça um pouco.

A vós, que conheceis as leis divinas da imigração das almas, não preciso explicar o porquê desse estado abjeto a que desci. Todavia, desde que tal me é ordenado, vou contar-vos minha história… Aliás, uma anedota no meio de vossas sábias discussões e de vossos sérios argumentos causará diversão. Tendes aqui um certo público e isto os distrairá mais que a vossa moral e a vossa filosofia. Começo, pois.


Observação. – Nesse dia a Sociedade tinha uma sessão geral, isto é, daquelas em que são admitidos uns tantos ouvintes estranhos. É a isto que o Espírito faz alusão.


Por que vos calaria o nome que tinha e que, sobretudo em meus últimos anos, eu mesmo parecia ter esquecido completamente? Não adivinhastes que a imundície que me arrasava era a única causa de meu silêncio a respeito? Eu fingia esquecer. Chamo-me… mas não; não quero jogar lama sobre os fraques e vestidos de seda e veludo dos que foram meus parentes e meus amigos, com os quais vivi durante a juventude e que ainda vivem. Também não quero que algumas velhas damas, que mudaram de residência, passando do toucador para o oratório, vejam no medalhão, que ainda conservam, pendurado nos lambris de suas alcovas, sob as vestes de galante gentil-homem, o infeliz abandonado. Para umas, morri na América, durante as guerras que se seguiram ao despertar de seus povos; para outras, fui dos últimos a morrer nas escaramuças sanguinolentas da Vandeia, gritando: Viva o Rei!

Não toquemos nesses louros, sobre os quais repouso em seus corações!… Morri para todas há muito tempo!… Também morri para ela!… Ah! Não gracejamos aqui!… Sim, para ti estou bem morto! morto para a eternidade! E, contudo, na Terra, quantas horas de êxtase e de arrebatamento não passamos! Quantas vezes teu olhar encontrou o meu olhar, meus sorrisos o teu sorriso! Não vives ainda senão para me mostrar tuas rugas e teus cabelos brancos. Mas quando chegar tua vez, em que serás tocada pela morte, não te verei mais!… Não!… Não!… Maldição! Ouço vozes que me gritam: Maldito!… Não, não, não a verei mais. Para ela, um dia a luz e o brilho; para mim, a noite e as trevas! Arranquei as asas do anjo na Terra, mas suas lágrimas lhe devolverão a pureza, e o perdão de Deus lhe concederá asas brancas de serafim.

Ah! por que a mocidade joga assim com o seu coração? Por que colher todas as flores à sua passagem, para depois as espezinhar? Entretanto, quando seu coração fala a linguagem da alma a uma outra alma, não mente. Por que é necessário que o sopro das paixões impuras a envelheça e atire seu corpo no esterco?… Deixai que também derrame algumas lágrimas: elas são doces para os que sofrem!

Como gostaria de retornar à minha vida de outrora, para utilizar melhor as horas da juventude! Oh! como gostaria de possuir o meu coração de vinte anos! Eu o daria por inteiro a um coração irmão do meu; daria minha alma inteirinha a uma alma irmã da minha e, nas minhas aspirações, pediria a Deus que nos fizesse sentir todas as alegrias do céu!… Mas está feito. Por que minhas lágrimas e meus pesares? Homem degradado, que sonhas? Tudo está perdido para quem não soube aproveitar o tempo que lhe foi dado! Tudo está perdido para o miserável que não tirou proveito das qualidades que possuía!

Ó vós que me ouvis; sim, este que vos fala era dotado de belas faculdades. Para que lhe serviram? Para enganar com astúcia e conhecimento de causa! para cometer crimes! Mais tarde eu abafava os remorsos na orgia para não ouvir os gritos da consciência. Era gentil-homem; manejava a palavra e a espada com audácia; as mulheres me chamavam de refinado, acariciando-me a fronte e os cabelos em sua alcova, enquanto os homens me chamavam de invencível e de bravo! Orgulho!… Por que essas lembranças de outros tempos? Desgraça!… danação!… Vejo sangue em volta de mim! Por que esta espada, que usei para ferir, não se voltou contra meu peito?… Entre esses mortos, vedes este cadáver?… É meu filho!… Ironia!… Eis a consequência dos costumes de uma sociedade na qual riem de tudo!… Era eu o culpado e sabia que era meu filho? Sabia que a amante abandonada há vinte anos jogaria em meu caminho um fruto adulterino, que eu não reconhecia e que viria disputar uma presa ao novo Don Juan?… E queríeis que não tivesse esquecido meu nome depois de tais crimes? Ah! para mim a taça de vergonha e de infâmia! Eu devia morrer como morri, na imundícia. Sinto o frio do túmulo! sinto os vermes que me roem! Mas nada disto me faz sofrer tanto quanto a vista desta enorme ferida, feita por minha espada… Meu filho, graça! se teu pai não te deu o nome, riscou o seu do mundo; se te deu a morte, também morreu na lama. Ah! abre-me teus braços; ensina a teu pai o caminho de Deus pelo perdão.

Que lúgubre história! Ao tomar esta mão para escrever, pensava que ia reencontrar meus sorrisos de outrora! Don Juan! Então é o meio em que me encontro que me penetra e me transforma?… Por que me evocastes? Por que me retirastes da noite para me mostrar um pouco de luz e, em seguida, lançar-me nas trevas? Por minha vez vos interrogo; respondei-me.


2. P. – Nós vos chamamos para vos ser úteis, e porque nos condoemos com os vossos sofrimentos. Que podemos fazer por vós?

Resposta. – Ai! que sei eu? Cabe-vos instruir-me. Não me lanceis na obscuridade… Despertastes mortos; eu os vejo na noite; tenho medo!


3. P. – Oraremos por vós.

Resposta. – Ah! orai. Dizem que a prece faz tanto bem aos que sofrem!


4. P. – Quereis assinar o vosso nome?

Resposta. – Não, não! orai por mim.


3. — Alguns dias depois outro médium, o Sr. Rul, de Passy, fez em particular a evocação do mesmo Espírito, dele obtendo as três comunicações seguintes. Julgamos supérfluo reproduzir os conselhos dados pelo médium ao Espírito; são os de um espírita sincero, animado de verdadeira caridade para com os seus irmãos sofredores.


II.


Sim, orai por mim, porque as preces de vossos irmãos já me fizeram bem. Se soubésseis o que é o sofrimento de um desencarnado! Se pudésseis ler em meu semblante espiritual as marcas das paixões que o sulcaram, seríeis tomado de piedade e vossa mão fraternal, apertando a minha, sentiria a febre que me agita. Como sofro, desde que fui evocado pelo vosso presidente! Reconheço a justiça divina. Só, errando entre os mortos, pensava ser o único a conhecer os meus sofrimentos, e eis que em plena luz da publicidade sou chamado para fazer a confissão de meus erros! Oh! quantos erros a paixão me fez cometer! Não disse tudo ao vosso irmão; o pudor, a vergonha, me retinham; preferia não ter revelado as confissões que fiz e apagar esses caracteres indeléveis, que me punham no pelourinho de vossas consciências. Mas oraram por mim e hoje reconheço o bem que me fizeram vossos corações caridosos; e para melhor merecer a vossa compaixão, porque sois espíritas, o que quer dizer indulgentes e compassivos, admito não ter recuado diante de nenhuma perversidade para satisfazer minhas paixões. Não cometi nenhum dos crimes punidos pela lei dos homens; contudo, os vícios que vossa sociedade tolera e desculpa, sobretudo quando se tem nome e fortuna, estão sujeitos à jurisdição divina, que jamais os deixa impunes. Eu os expiei cruelmente na Terra; caí no último grau da miséria, do aviltamento e do desprezo, eu que outrora brilhava e fazia invejosos e ciumentos, e o castigo me perseguiu no além-túmulo. Não matei como um vil assassino; não roubei, porque o meu orgulho de gentil-homem se teria revoltado à só ideia de ser confundido com os criminosos; e, no entanto, matei, salvaguardando a honra, segundo o mundo; levei a ruína, a vergonha e o desespero às famílias, e me chamavam o felizardo, o homem de sorte! Quantas vítimas clamam por vingança em volta de mim! Oh! por quanto tempo carregarei o fardo desses crimes! Orai por mim, porque sofro a ponto de sentir minha alma se partir!

Obrigado, obrigado, caro irmão. Quero dar-te o nome que me dás; agradeço tuas lágrimas, pois me aliviaram; agradeço a tua prece, pois atraiu para junto de mim Espíritos cheios de glória, que me dizem: Espera, tu que foste tão culpado; espera na misericórdia de Deus, que perdoa a todos os seus filhos que se arrependem. Persevera nas boas resoluções e serás mais forte para suportar teus sofrimentos.

Obrigado a ti, que me tiras do nevoeiro que me envolvia. Possa eu te provar um dia que o reconhecimento de teu irmão é para a eternidade!


III.


O remorso me persegue; sofro muito, mas compreendo a necessidade de sofrer; compreendo que a impureza só se pode tornar pura depois de transformada ao contato do fogo.

Os bons Espíritos me dizem que espere, e eu espero; que ore, e orei; mas preciso de um amigo que me dê a mão para me sustentar e me impedir de sucumbir sob o meu fardo, que é muito pesado. Sê para mim esse irmão caridoso, esse amigo devotado. Escutarei teus conselhos; orarei contigo; prosternar-me-ei contigo aos pés do Eterno.

Quantas vezes vi minha espada tinta do sangue de um de meus irmãos! Fui implacável em minhas vinganças, e quando o aguilhão da carne, a vaidade e o desejo de triunfar sobre os meus rivais me exaltavam, eu precisava da vitória a qualquer preço. Triste vitória! manchada pelas mais baixas paixões. Era cruel quando meu orgulho estava excitado; sim, fui um grande culpado, mas quero tornar-me um filho do Senhor. Por isto vim dizer-te: Sê meu irmão para me ajudar a purificar-me. Irmãos, oremos juntos.


IV.


Obrigado, obrigado, irmão. Estou sob a impressão das palavras que acabas de pronunciar. Estou mais forte; vejo o objetivo e, sem tentar medir a distância que dele me separa, digo com os meus botões: Chegarei, porque quero, e tenho confiança nos bons Espíritos, que me dizem que espere. Na Terra jamais duvidei do sucesso, quando fazia o mal; como poderei duvidar, quando hoje quero fazer o bem?

Obrigado, irmão, por tua caridade, por tuas boas preces, por teus ensinamentos, pois deles tiro minha força e sinto crescer o meu arrependimento. Se o arrependimento duplica o sofrimento, sei que esse tratamento não durará mais que um tempo e que a felicidade me espera após a depuração. Quero, então, sofrer, sofrer muito, para merecer ser feliz mais rapidamente dessa felicidade que gozam os Espíritos radiantes, que vejo perto de ti.

Até breve, irmão, pois vejo que tens um outro Espírito sofredor para consolar e fortalecer em seu arrependimento. Pensa em mim; em tua prece da noite estarei junto de ti.


4 CONSIDERAÇÕES GERAIS.


É evidente que esse Espírito está no bom caminho, há nele uma luta de bom augúrio, pois só pede para ser esclarecido.

Entretanto, suas ideias se ressentem de certos preconceitos. Como muita gente que neles imaginam encontrar uma desculpa, ele se prende à sociedade. Mas, o que é que torna má a sociedade, senão as pessoas viciosas? Sem dúvida a sociedade deixa muito a desejar, no que diz respeito às instituições; mas desde que nela se encontram criaturas honestas, cumpridoras de seus deveres, todos poderiam fazer o mesmo, já que ela não força ninguém a fazer o mal. Era a sociedade que obrigava Louis-Henri a abandonar aquela mulher e seu filho? Se não reconheceu este, por que o perdeu de vista, sem se inquietar com sua existência? Foram os preconceitos sociais que o impediram de dar seu nome àquela mulher? Não, porque tinha como móvel apenas suas paixões. Era a instrução que lhe faltava? Não, pois pertencia à classe alta. A sociedade não é culpada para com ele; ela nada lhe recusou, já que em tudo o favorecera. Ele, pois, é que foi culpado para com a sociedade, porque agiu livremente, voluntariamente e com conhecimento de causa. Quem lançou seu filho no caminho dos excessos? O acaso? Não: a Providência, a fim de que o remorso, que mais tarde experimentaria, servisse ao seu adiantamento.

A verdadeira chaga da sociedade, a causa primeira de todas as desordens, é a incredulidade. A negação do princípio espiritual, a crença no nada depois da morte, as ideias materialistas, numa palavra, altamente preconizadas por homens influentes, infiltram-se na juventude, que as suga, por assim dizer, com o leite. O homem que só acredita no presente quer gozar a qualquer preço e é consequente consigo mesmo, pois nada espera além da tumba; como não espera nada, nada teme. Se Louis-Henri tivesse tido fé em sua alma e no futuro, teria compreendido que a vida corporal é fugidia e precária e dela não teria feito o seu único objetivo; sabendo que nada do que aqui se adquire é perdido, ter-se-ia preocupado com sua sorte futura, ao passo que agiu como alguém que dissipa o capital e joga sua última carta.

Quantas desordens, quantas misérias, quantos crimes têm sua fonte nesta maneira de encarar a vida! Quais os primeiros culpados? Os que a erigem em dogma, em crença, zombando e tratando como loucos os que acreditam que nem tudo está na matéria e no mundo visível. Louis-Henri não foi bastante forte para resistir a essa corrente de ideias; sucumbiu, vítima de suas paixões, que encontravam uma justificação no materialismo, ao passo que uma fé sólida e raciocinada lhe teria posto um freio mais poderoso que todas as leis repressivas, incapazes de alcançar todos as ações más. O Espiritismo dá esta fé, razão por que opera tão numerosas transformações morais.

As três últimas comunicações confirmam a primeira, obtida por outro médium; evidentemente, o cerne do pensamento é o mesmo. Aí se nota o progresso operado nesse Espírito, e nela podemos colher mais de um ensinamento.

Na primeira, fazendo a confissão de suas faltas, ainda não há arrependimento sério, nem resolução tomada; quase protesta por ter sido evocado.

Na segunda, diz: “Como sofro desde que fui evocado por vosso presidente!”. Estas palavras justificariam o dito de certas pessoas, que pretendem que os mortos são perturbados quando se os evoca? Não, certamente; primeiro, porque só vêm quando lhes convém; em segundo lugar porque, em sua maioria, testemunham satisfação por serem chamados, quando o são por um sentimento simpático e benevolente. Certos culpados só vêm com repugnância e, neste caso, não são constrangidos pela evocação, mas por Espíritos superiores, tendo em vista o seu adiantamento. Sua repugnância é a do criminoso conduzido a um tribunal. A evocação dos Espíritos culpados, tendo como objetivo e resultado a sua melhora, a contrariedade momentânea que lhes causa é vantajosa para eles, porquanto, ao excitá-los ao arrependimento, abreviam os sofrimentos que suportam no mundo dos Espíritos. Seria, então, mais caridoso deixá-los apodrecer na abjeção em que se acham, do que dali os tirar? O sofrimento que disso resulta é semelhante ao que o médico faz passar o doente, para o curar. Tirai da lama um homem embrutecido: ele protestará. Dá-se o mesmo com os Espíritos.

Nas comunicações desse Espírito encontra-se um pensamento análogo ao que exprimia Latour sobre o sofrimento causado pelo arrependimento. Explicamos a causa desse sentimento (número de novembro de 1864); é o mesmo que levou este a dizer: “Sofro desde que fui evocado, e o remorso me persegue; sofro muito.” É, pois, o remorso que o faz sofrer, mas é esse remorso que o deve salvar, e foi a evocação que o provocou. Mas ele acrescenta estas palavras notáveis: “Compreendo a necessidade de sofrer; compreendo que a impureza só se torna pura depois de transformada ao contato do fogo.” E mais adiante: “Se o arrependimento duplica o sofrimento, sei que esse sofrimento apenas durará um tempo, e que a felicidade me aguarda após a depuração.” Esta certeza o faz dizer: “Quero sofrer, sofrer muito, para mais depressa ser feliz.” Depois disto, é de admirar que um Espírito escolha terríveis provações em nova existência? Não está no caso de um doente que se resigna a uma operação dolorosa para ficar bom? ou no de um homem que se expõe a todos os perigos, que suporta todas as misérias, todas as fadigas e todas as privações, com vistas a adquirir a fortuna ou a glória? Nada há, pois, de irracional, no princípio da livre escolha das provas da vida. Para aproveitá-la, a condição não é recuar. Ora, é recuar não as suportar com coragem e resignação.

Qual será a sorte de Louis-Henri numa nova existência? Como expiou cruelmente suas faltas em sua última existência, e como no estado de Espírito é sincero o seu arrependimento e sérias as suas boas resoluções, é provável que seja posto em condições de reparar os erros, fazendo o bem. Mas como pagou sua dívida de sofrimentos corporais, não terá mais de passar pelas mesmas vicissitudes.

É o que lhe auguramos e, por isso, oramos por ele.




Setembro Conversas de Além-Túmulo

Setembro


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A Sra. Gaspard, amiga da Sra. Delanne, era uma fervorosa espírita; seu pesar era não ser médium; teria desejado sobretudo ser médium vidente. Desde longa data sofria muito de um aneurisma. Em 2 de julho último, durante a noite, a ruptura desse aneurisma provocou-lhe a morte súbita. A Sra. Delanne ainda não tinha sido informada do evento quando, de dia, ouviu pancadas em diversas partes do quarto; a princípio não prestou grande atenção, mas a persistência dos golpes fez pensasse que algum Espírito queria comunicar-se. Como é excelente médium, tomou do lápis e escreveu o que se segue:

Oh! boa Sra. Delanne, como me fizestes esperar! Corri para vos contar minha nova faculdade: sou médium vidente. Vi meu caro Emílio, minhas crianças, todos, minha mãe, a mãe do Sr. Gaspard. Oh! como ele vai sentir-se feliz quando souber! Obrigado meu Deus, por tão grande favor!


P. – Sois vós mesma, Sra. Gaspard, que me falais neste momento?

Resposta. – Como! não me vedes? Há muito tempo estou perto de vós. Estava impaciente porque não me respondíeis. Vamos! vireis, não? Agora é a vossa vez. E, depois, isto vos fará bem; iremos passear, agora que me sinto bem. Oh! como se é feliz, ao rever aqueles a quem se ama! Foi o que me curou. Como o bom Deus é bom e como cumpre suas promessas quando se é fiel aos seus mandamentos! – Hem, meu Emílio! e dizer que meu pobre pai ainda vai falar que estou louca! Isso não tem importância; mesmo assim lho direi. – Vamos partir? É preciso levar vossa mãe, pois isto lhe fará bem. Pobre mulher! ela tem um ar tão bom!


P – Vamos partir, Sra. Gaspard; eu vos sigo. Vamos mesmo à vossa casa em Châtillon? Dizei-me o que vedes ou, melhor, o que lá se passa no momento.

Resposta. – Coisas singulares!


Dito isto, o Espírito se foi e a Sra. Delanne nada mais pôde obter.

Para a compreensão desta última parte da comunicação, diremos que, desde algum tempo, as duas amigas haviam planejado um passeio na casa de campo da Sra. Gaspard, em Châtillon. Surpreendida por uma morte súbita, a Sra. Gaspard não se dá conta de sua posição e ainda se julga viva; como vê os Espíritos que lhe são caros, imagina haver-se tornado vidente; é uma particularidade notável da transição da vida corpórea à vida espiritual. Além disso, achando-se livre do sofrimento, a Sra. Gaspard crê-se curada e vem renovar seu convite à Sra. Delanne. Contudo, nela as ideias são confusas, pois vem avisá-la por meio de golpes em torno dela, sem compreender que não seria advertida desta maneira se estivesse viva.

A Sra. Delanne logo compreende a singularidade da posição, mas, não lhe querendo tirar as ilusões, a convida a ver o que se passa em Châtillon. O Espírito para ali se transporta e talvez tenha sido chamado à realidade por alguma circunstância imprevista, já que exclama: “Coisas singulares!”, e interrompe a comunicação.

Aliás, a ilusão durou pouco. A partir do dia seguinte a Sra. Gaspard já estava completamente desprendida e ditou excelente comunicação, dirigida ao marido e aos amigos, congratulando-se por haver conhecido o Espiritismo, que lhe proporcionara uma morte isenta das angústias da separação.



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