Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1864

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Capítulo LXXI

Outubro - Transmissão do pensamento - Meu fantástico

Outubro


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Sob este último título, lê-se na Presse Littéraire de 15 de março de 1854, o artigo seguinte, assinado por Émile Deschamps:


“Se o homem só acreditasse no que compreende, não acreditaria em Deus, nem em si mesmo, nem nos astros que rolam sobre sua cabeça, nem na erva que cresce sob seus pés.

“Milagres, profecias, visões, fantasmas, prognósticos, pressentimentos, coincidências sobrenaturais, etc., que pensar de tudo isto? Os espíritos fortes se saem com duas palavras: mentira ou acaso. Nada de mais cômodo. As almas supersticiosas se saem bem, ou não se saem. Prefiro mais estas almas que aqueles espíritos. Com efeito, é preciso ter imaginação para que ela seja doente, ao passo que basta ser eleitor e assinante de dois ou três jornais industriais para saber muito sobre isso e crer tão pouco quanto Voltaire. E depois, prefiro a loucura à tolice, a superstição à incredulidade; mas o que prefiro acima de tudo é a verdade, a luz, a razão; busco-as com uma fé viva e um coração sincero; examino todas as coisas e tomo o partido de não tomar partido por coisa alguma.

“Vejamos. Que! O mundo material e visível está cheio de impenetráveis mistérios, de fenômenos inexplicáveis, e não se quereria que o mundo intelectual, que a vida da alma, que já é um milagre, também tivesse os seus milagres e os seus mistérios! Por que tal bom pensamento, tal fervorosa prece, tal outro desejo não teriam o poder de produzir ou atrair certos acontecimentos, bênçãos ou catástrofes? Por que não existiriam causas morais, como existem causas físicas, das quais não nos damos conta? E por que os germes de todas as coisas não seriam depostos e fecundados na terra do coração e da alma, para desabrochar mais tarde, sob a forma palpável de fatos? Ora, quando Deus, em raras circunstâncias, e para alguns de seus filhos, se dignou levantar a ponta do véu eterno e espalhar sobre sua fronte um raio fugidio da chama da presciência, guardemo-nos de gritar que é absurdo e assim blasfemar contra a luz e a própria verdade.

“Eis uma reflexão que tenho feito muitas vezes: Foi dado às aves e a certos animais prever e anunciar a tempestade, as inundações, os terremotos. Diariamente os barômetros nos dizem o tempo que fará amanhã; e o homem não poderia, por um sonho, uma visão, um sinal qualquer da Providência, ser advertido algumas vezes de algum acontecimento futuro que interessa à sua alma, à sua vida, à sua eternidade? Não tem pois também o Espírito a sua atmosfera, cujas variações possa pressentir? Enfim, seja qual for a miséria do maravilhoso neste século muito positivo, haveria ainda encanto e utilidade em retirá-lo, se todos aqueles que lhe refletem fracos clarões levassem a um foco comum todos esse raios divergentes; se cada um, depois de haver conscientemente interrogado suas recordações, redigisse de boa-fé e depositasse nos arquivos uma ata circunstanciada do que experimentou, do que lhe adveio de sobrenatural e de miraculoso. Talvez um dia se encontrasse alguém que, analisando os sintomas e os acontecimentos, chegasse a recompor, em parte, uma ciência perdida. Em todo caso, ele comporia um livro que valeria muitos outros.

“Quanto a mim, sou aparentemente o que se chama um sujeito, porque tive de tudo isto em minha vida, aliás tão obscura; e sou o primeiro a depositar aqui o meu tributo, persuadido de que essa visão interior tem sempre uma espécie de interesse. Por menor que seja o maravilhoso que vos dou, leitores, isso passou-se em minha vida real. Desde quando aprendi a ler, tudo o que acontece de sobrenatural eu registro no papel. São memórias de um gênero singular.

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“Em fevereiro de 1846, eu viajava pela França. Chegando a uma rica e grande cidade, fui passear na frente dos seus abundantes e belos magazines. Começou a chover; abriguei-me numa elegante galeria; de repente fiquei imóvel; meus olhos não se podiam desviar da figura de uma jovem, sozinha atrás de uma vitrina de joias. A moça era muito bela, mas não era a sua beleza que me atraía. Não sei que interesse misterioso, que laço inexplicável dominava e prendia todo o meu ser. Era uma simpatia súbita e profunda, desligada de qualquer mistura sensual, mas de uma força irresistível, como o desconhecido em todas as coisas. Fui empurrado como uma máquina para a loja, por um poder sobrenatural. Comprei alguns pequenos objetos e paguei, dizendo:

“─ Obrigado, senhorita Sara. A jovem olhou-me com um ar um pouco surpreendido.

“─ Admirai-vos, continuei, que um estranho saiba o vosso nome, um dos vossos nomes; mas se quiserdes pensar atentamente em todos os vossos nomes, eu os direi sem hesitar. Pensareis?

“─ Sim, senhor, respondeu ela, meio risonha, meio trêmula.

“─ Pois bem! continuei, olhando-a fixamente no rosto, chamais-vos Sara, Adèle, Benjamine N...

“─ Está certo, replicou ela, e depois de alguns segundos de estupor, começou a rir francamente, e eu vi que ela pensava que eu tivesse tido informações na vizinhança, o que me divertiu.

“Mas eu, que sabia bem que disso não sabia uma palavra, fiquei chocado com essa adivinhação instantânea.

“No outro dia, e nos seguintes, corri à bela loja. Minha adivinhação se renovava a cada momento. Eu lhe pedia que pensasse em algo, sem mo dizer e quase que imediatamente lia em sua fronte esse pensamento não verbalizado. Eu lhe pedia que escrevesse com um lápis, algumas palavras que me ocultava e, depois de olhá-la um minuto, eu escrevia as mesmas palavras, na mesma ordem. Eu lia no seu pensamento como num livro aberto, e ela não lia no meu, eis a minha superioridade, mas ela me impunha suas ideias e emoções. Se ela pensasse seriamente num objeto; se ela repetisse intimamente as palavras de um escrito, de súbito eu adivinhava tudo. O mistério estava entre o seu cérebro e o meu, e não entre minhas faculdades de intuição e as coisas materiais. Seja como for, havia-se estabelecido entre nós uma relação tanto mais íntima quanto mais pura.

“Uma noite escutei no ouvido uma voz forte que me gritava: Sara está doente, muito doente! Corri à sua casa; um médico a velava e esperava uma crise. Na véspera, à noite, Sara tinha voltado com febre ardente; o delírio tinha continuado durante toda a noite. O médico chamou-me à parte e me disse que temia muito. Dessa peça eu via em cheio o rosto de Sara, e com minha intuição superando a própria inquietude, eu lhe disse baixinho: Doutor, quer saber de que imagens está povoado o seu sono febril? Neste momento ela se julga na grande Ópera de Paris, onde jamais esteve, e uma dançarina corta, entre outras ervas, uma planta de cicuta e lha atira dizendo: É para ti. O médico julgou-me em delírio. Alguns minutos depois a doente despertou pesadamente, e suas primeiras palavras foram: ‘Oh! Como a Ópera é bonita! Mas, por que essa cicuta que me atira aquela bela ninfa?’ O médico ficou estupefato. Foi administrada a Sara uma poção em que entrava a cicuta e ela ficou curada nalguns dias.”

Os exemplos de transmissão do pensamento são muito frequentes, não talvez de maneira tão característica quanto no fato acima, mas sob formas diversas. Quantos fenômenos assim se passam diariamente aos nossos olhos, que são como os fios condutores da vida espiritual, e aos quais, contudo, a Ciência não se digna conceder a menor atenção! Certamente os que os repelem não são todos materialistas; muitos admitem uma vida espiritual, mas sem relação direta com a vida orgânica. No dia em que essas relações forem reconhecidas como lei fisiológica, ver-se-á realizar-se um imenso progresso, porque só então a Ciência terá a chave de uma porção de efeitos aparentemente misteriosos, que prefere negar, por não poder explicá-los à sua maneira e com os seus meios limitados às leis da matéria bruta.

Ligação íntima entre a vida espiritual e a vida orgânica durante a vida terrena; destruição da vida orgânica e persistência da vida espiritual após a morte; ação do fluido perispiritual sobre o organismo; reação incessante do mundo invisível sobre o mundo visível e reciprocamente, tal é a lei que o Espiritismo vem demonstrar, e que abre à Ciência e ao homem moral horizontes completamente novos.

Por que lei da fisiologia puramente material poder-se-iam explicar os fenômenos do gênero do acima referido? Para que o Sr. Deschamps pudesse ler tão claramente no pensamento da moça, era preciso um intermediário entre ambos, um elo qualquer. Medite-se bem o artigo precedente e reconhecer-se-á que esse elo não passa da radiação fluídica, que dá a visão espiritual, visão que não é barrada pelos corpos materiais.

Sabe-se que os Espíritos não necessitam da linguagem articulada. Eles se entendem sem o recurso da palavra, pela só transmissão do pensamento, que é a linguagem universal. Assim acontece por vezes entre os homens, porque os homens são Espíritos encarnados e, por essa razão, gozam, em maior ou menor grau, dos atributos e faculdades do Espírito.

Mas, então, por que a moça não lia o pensamento do Sr. Deschamps? Porque num a visão espiritual era desenvolvida, no outro, não. Segue-se que ele poderia tudo ver, ler nos espelhos espirituais, por exemplo, ou ver à distância, à maneira dos sonâmbulos? Não, porque sua faculdade podia ser desenvolvida apenas num sentido especial e parcialmente. Poderia ele ler com a mesma facilidade o pensamento de todo mundo? Ele não o diz, mas é provável que não, porque podem existir relações fluídicas que facilitem essa transmissão de indivíduo a indivíduo e não existir do próprio indivíduo para uma outra pessoa. Ainda não conhecemos senão imperfeitamente as propriedades desse fluido universal, agente tão poderoso e que desempenha tão importante papel nos fenômenos da Natureza. Conhecemos o princípio, e já é muito para nos darmos conta de muitas coisas; os detalhes virão a seu tempo.

Comunicado o fato acima à Sociedade de Paris, um Espírito deu a respeito a instrução seguinte:


(SOCIEDADE ESPÍRITA DE PARIS, 8 DE JULHO DE 1864 MÉDIUM: SR. A. DIDIER)

Os ignorantes ─ e os há muitos ─ ficam cheios de dúvidas e de inquietude quando ouvem falar de fenômenos espíritas. Segundo eles, a face do mundo está derrubada, a intimidade do coração, dos sentimentos, a virgindade do pensamento são lançadas através do mundo e entregues à mercê do primeiro que vier. Com efeito, o mundo estaria singularmente mudado, e a vida privada não mais ficaria oculta por trás da personalidade de cada um, se todos os homens pudessem ler no espírito uns dos outros.

Um ignorante nos diz com muita ingenuidade: Mas a justiça, as perseguições da polícia, as operações comerciais, governamentais, poderiam ser consideravelmente revistas, corrigidas, esclarecidas, etc., com o auxílio desses processos. Os erros estão muito difundidos. A ignorância tem a particularidade de esquecer completamente o objetivo das coisas para lançar o espírito inculto numa série de incoerências.

Jesus tinha razão de dizer: “Meu reino não é deste mundo”, o que também significava que neste mundo as coisas não se passam como no seu reino. O Espiritismo, que em tudo e por tudo é o espiritualismo do Cristianismo, pode igualmente dizer às ambiciosas e terroristas ignorâncias, que o seu grande objetivo não é de dar montanhas de ouro a um; de deixar a consciência de um ser fraco à vontade de um ser forte e de reunir a força e a fraqueza num duelo eternamente inevitável e iminente. Não. Se o Espiritismo proporciona satisfações, são as da calma, da esperança e da fé. Se às vezes ele adverte por pressentimentos, ou pela visão adormecida ou desperta, é que os Espíritos sabem perfeitamente que um fato caritativo e particular não transtornará a superfície do globo. Ademais, se observarmos a marcha dos fenômenos, o mal aí tem uma parte mínima. A ciência funesta parece relegada aos alfarrábios dos velhos alquimistas, e se Cagliostro voltasse, certamente não viria armado com a varinha mágica ou o frasco encantado, mas com sua força elétrica, comunicativa, espiritualista e sonambúlica, força que todo ser superior possui em si mesmo, e que toca ao mesmo tempo o cérebro e o coração.

A adivinhação era o maior dom de Jesus, como eu dizia ultimamente. (O Espírito alude a outra comunicação). Destinados a nos tornarmos superiores, como Espíritos, peçamos a Deus uma parte das luzes que ele concedeu a certos seres privilegiados, que a mim próprio concedeu, e que eu poderia ter espalhado mais santamente.

MESMER


OBSERVAÇÃO: Não há uma só das faculdades concedidas ao homem da qual ele não possa abusar, em virtude de seu livro arbítrio. Não é a faculdade que é má em si mesma, mas o uso que dela se faz. Se os homens fossem bons, nenhuma delas seria temível, porque ninguém as usaria para o mal. No estado de inferioridade em que ainda se acham os homens na Terra, a penetração do pensamento, se fosse geral, sem dúvida seria uma das mais perigosas, porque se tem muito a ocultar, e muitos podem abusar. Mas, sejam quais forem os inconvenientes, se ela existe, é um fato que deve ser aceito, de bom grado ou de mau grado, pois não se pode suprimir um efeito natural. Mas Deus, que é soberanamente bom, mede a extensão dessa faculdade pela nossa fraqueza. Ele no-la mostra de vez em quando, para melhor nos fazer compreender nossa essência espiritual, e nos advertir a trabalhar a nossa depuração para não termos que temê-la.



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