Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1865

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Capítulo XXXIV

Maio - Correspondência - Cartas do Sr. Salgues, de Angers

Maio
Correspondência - Cartas do Sr. Salgues, de Angers

Remetendo seu opúsculo A confusão do império de Satã, anunciado em nosso último número, o Sr. Salgues teve a bondade de juntar a carta seguinte, que temos o prazer de publicar com sua autorização. Como nós, cada um apreciará os sentimentos nela expressos.

Angers, 9 de março de 1865

Senhor e caro irmão em Deus,

É sob a impressão causada pela leitura das comunicações dos Espíritos da Sra. Foulon e do Dr. Demeure (Revista Espírita de março de 1865), que tenho a honra de vos escrever para exprimir todo o prazer que nelas encontrei, e, posso dizer, o muito interesse, que é ordinariamente o produto de vossa pena.

Acabo de remeter-vos uma pequena brochura, que vos peço aceiteis. Será para vós e para todos os meus leitores uma obra muito modesta; mas um velho de oitenta e dois anos, com a vista arruinada por excesso de trabalho e de estudos, e por isto não podendo retocar o que escreve, como desejaria, deve contar com a indulgência do público.

Os adversários católicos da pneumatologia alimentam nos fanáticos apostólicos a opinião que os Espíritos são demônios, que Satã é uma realidade, e assim prejudicam o desenvolvimento das boas doutrinas, como efeito das preciosas lições tão morais, tão consoladoras desses supostos duendes. É em vão que as pessoas razoáveis negam estes últimos por uma simples negação persistente. Convém provar aos demonófobos, por detalhes circunstanciados, que eles estão em erro; que o inferno dos cristãos é um mito. Foi o que me determinou a escrever este opúsculo, sem a pretensão de ocupar o lugar de um escritor.

Como assinante das publicações espíritas de Bordeaux, acabo de enviar um exemplar de meu livro a cada um de seus autores. Deveria ser de outro modo convosco, senhor, cujas produções leio com interesse desde o seu aparecimento? Contudo pensareis que o faça com timidez, porque fui adversário, não dos espíritas, muito honrados, para mim, mas do Espiritismo. Não de maneira absoluta, mas por arrastamento, devendo entretanto repelir na ocasião uma linguagem que me atribuíam por abuso de minha assinatura. Assim, interditei-me toda crítica, querendo ser amigo de todos. Portanto, não quero mais senão observar, aproximar, comparar, esperar, aprender e julgar no silêncio do gabinete. Hoje ainda creio que estamos longe de saber tudo; que em Espiritismo como em espiritualismo haveria lugar para discutir com os Espíritos certas questões de doutrina, mas me reservo. Com paciência todos chegaremos ao mesmo fim, à felicidade absoluta da vida eterna.

Aliás, vejo que por toda parte o Espiritismo faz as pessoas felizes. É vossa obra gloriosa, e eu me aplico em incentivar ao máximo a leitura dos escritos que tanto se espalham hoje, para reafirmar a moralidade e os sentimentos religiosos, conduzidos pelo caminho mais racional. Os homens cultos devem, pois, comigo fazer votos para que Deus vos conceda longos dias em perfeita saúde. Creio que ele também se manifestou a meu respeito, por intermédio de três Espíritos que, sem que eu pensasse nisso, e em diferentes lugares me disseram que eu viveria muito tempo, o que já data de sete ou oito anos. Talvez seja porque sempre fiz propaganda com zelo e sem desânimo, desde 1853, que, a despeito da visão, que sacrifiquei muito, tenho força, energia, leveza física e a vivacidade de um jovem, e que não se adivinha minha idade por meu aspecto.

Tende a bondade de aceitar, senhor e caro irmão, o preito de minha alta consideração e minhas cordiais saudações.

SALGUES

Uma segunda carta do Sr. Salgues, de 11 de abril de 1865, contém a seguinte passagem:

“Um anúncio de meu opúsculo foi feito por um jornal ao qual enviei um exemplar. Tive que censurar o autor por ter-me chamado de adversário IMPLACÁVEL do Espiritismo. Sob a impressão dos dados há pouco fornecidos a Victor Hennequin por um mau Espírito, combati de boa-fé a doutrina das encarnações, mas depois de haver reconhecido um grande número de incoerências espiritualistas, e como notei no Espiritismo certos detalhes que não cativavam minha confiança, acabei por me limitar à observação minuciosa, esperando com paciência o dia em que, com uma natureza mais perfeita, pudesse eu reconhecer a verdade a respeito de nosso destino após a vida na matéria. Por ora me basta, em relação aos fatos e às comunicações dos Espíritos, estar seguro de uma segunda vida no estado espiritual.”


Resposta.

Meu caro senhor,

Recebi a carta que tivestes a gentileza de me escrever, bem como a brochura que a acompanhava, pelo que peço recebais meus sinceros agradecimentos. Ainda não tive tempo de tomar conhecimento da obra, mas não duvido que tenhais dado trabalho aos nossos antagonistas. A questão do demônio é o último cavalo-debatalha em que se agarram, mas esse cavalo está muito entrevado e a corda dessa tábua de salvação está tão gasta que não tardará a romper-se e deixar o barco à deriva.

Fico satisfeito, senhor, pelos excelentes sentimentos que me testemunhais, e por achar em vós uma moderação e uma imparcialidade que marcam a elevação do vosso espírito. Confesso que o contrário é que me admiraria, e é para mim uma grande felicidade ver que eu tinha sido induzido em erro por falsas aparências. Se divergimos nalguns pontos da doutrina, vejo com verdadeira satisfação que um grande princípio nos une, o “Fora da caridade não há salvação.”

Recebei, caro senhor, as fraternais saudações do vosso muito dedicado,

ALLAN KARDEC

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