Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1865
Versão para cópiaCapítulo LI
Julho - Teoria dos sonhos
Julho
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Teoria dos sonhos
É verdadeiramente estranho que um fenômeno tão vulgar quanto o dos sonhos tenha sido objeto de tanta indiferença por parte da Ciência, e que ainda estejamos a perguntar a causa dessas visões. Dizer que são produto da imaginação não é resolver a questão; é uma dessas palavras com o auxílio das quais querem explicar o que não compreendem, mas que nada explicam. Em todo caso, a imaginação é um produto do entendimento. Ora, como não se pode admitir entendimento nem imaginação na matéria bruta, é necessário crer que a alma entre nisso por algum motivo. Se os sonhos ainda são um mistério para a Ciência, é que ela se obstinou em fechar os olhos para a causa espiritual.
Procuram a alma nas dobras do cérebro, enquanto ela se ergue a cada instante à nossa frente, livre e independente, numa porção de fenômenos inexplicáveis só pelas leis da matéria, notadamente nos sonhos, no sonambulismo natural e artificial e na dupla vista à distância, não nos fenômenos raros, excepcionais, sutis, que exigem pacientes pesquisas do sábio e do filósofo, mas nos mais vulgares. Lá está ela, que parece dizer: Olhai e ver-me-eis; estou sob vossos olhos e não me vedes; vistes-me muitas e muitas vezes; vedes-me todos os dias; os próprios meninos me veem; o sábio e o ignorante, o homem de gênio e o ignorante me veem e vós não me reconheceis.
Mas há pessoas que parecem temer olhá-la de frente, e ter a prova de sua existência. Quanto aos que a procuram de boa-fé, até hoje lhes faltou a única chave que poderia tê-la desvelado. Essa chave o Espiritismo acaba de dar pela lei que rege as relações do mundo corporal com o mundo espiritual. Com a ajuda dessa lei e das observações sobre as quais se apoia, ele dá dos sonhos a mais lógica explicação jamais fornecida. Ele demonstra que o sonho, o sonambulismo, o êxtase, a dupla vista, o pressentimento, a intuição do futuro, a penetração do pensamento não passam de variantes e graus de um mesmo princípio: a emancipação da alma, mais ou menos desprendida da matéria.
A respeito dos sonhos, ele dá explicações precisas de todas as variedades que eles apresentam? Não. Ainda não. Nós possuímos o princípio, o que já é muito. Aqueles que podemos explicar pôr-nos-ão no caminho dos outros; sem dúvida faltam-nos alguns conhecimentos, que adquiriremos mais tarde. Não há uma única ciência que, de saída, tenha desenvolvido todas as suas consequências e aplicações; elas não se podem completar senão por sucessivas observações. Ora, nascido ontem, o Espiritismo está como a Química nas mãos dos Lavoisier e dos Berthollet, seus primeiros criadores; eles descobriram as leis fundamentais; as primeiras balizas fincadas puseram no caminho de novas descobertas.
Entre os sonhos, uns há que têm um caráter de tal modo positivo que racionalmente não poderiam ser atribuídos a simples jogo da imaginação; tais são aqueles nos quais, ao despertar, adquire-se a prova da realidade do que se viu e em que absolutamente não se pensava. Os mais difíceis de explicar são os que nos apresentam imagens incoerentes, fantásticas, sem realidade aparente. Um estudo mais aprofundado do singular fenômeno das criações fluídicas sem dúvida por-nos-á no caminho.
Enquanto se espera, eis uma teoria que parece permitir um passo no assunto. Não a damos como absoluta, mas como fundada na lógica e podendo ser submetida a estudo. Ela nos foi dada por um dos nossos melhores médiuns, em estado de sonambulismo muito lúcido, por ocasião do fato seguinte:
Solicitado pela mãe de uma jovem a lhe dar notícias de sua filha, que estava em Lyon, ele a viu deitada e adormecida, e descreveu com exatidão o apartamento em que ela se achava. Essa jovem, de dezessete anos, é médium escrevente; sua mãe perguntou se ela tinha aptidão para se tornar médium vidente. Esperai, disse o sonâmbulo, é preciso que eu siga o rastro de seu Espírito, que neste momento não está no corpo. Ela está aqui, na 5illa Ségur, na sala onde estamos, atraída pelo vosso pensamento; ela vos vê e vos escuta. Para ela é um sonho, do qual não se recordará ao despertar.
Podemos, acrescenta ele, dividir os sonhos em três categorias caracterizadas pelo grau da lembrança que fica no estado de desprendimento no qual se acha o Espírito. São elas:
1.º ─ Os sonhos que são provocados pela ação da matéria e dos sentidos sobre o Espírito, isto é, aqueles em que o organismo representa um papel preponderante pela mais íntima união entre o corpo e o Espírito. A gente se lembra claramente e, por pouco desenvolvida que seja a memória, dele conserva uma impressão durável.
2.º ─ Os sonhos que podem ser chamados mistos. Deles participam, ao mesmo tempo, a matéria e o Espírito. O desprendimento é mais completo. A gente se recorda, ao despertar, para esquecê-lo quase instantaneamente, a menos que uma particularidade venha despertar a lembrança.
3.º ─ Os sonhos etéreos ou puramente espirituais. São produtos só do Espírito, que está desprendido da matéria, tanto quanto o pode estar na vida do corpo. A gente não se recorda, ou se resta uma vaga lembrança de que se sonhou, nenhuma circunstância poderia trazer à memória os incidentes do sono.
O sonho atual da jovem pertence a esta terceira categoria. Ela não o recordará. Ela foi conduzida para cá por um Espírito muito conhecido do mundo espírita lionês, e mesmo do mundo espírita europeu ─ o médium sonambúlico descreve o Espírito Cárita. ─ Ele a trouxe com o objetivo de que ela conserve, senão uma lembrança precisa, um pressentimento do bem que se pode colher de uma crença firme, pura e santa, e do bem que se pode fazer aos outros, fazendo-o a si próprio.
Ela diz à sua mãe que se ela se lembrasse tão bem em seu estado normal quanto se lembra agora de suas encarnações precedentes, não demoraria muito no estado estacionário em que está, porque vê claramente e pode avançar sem hesitação, ao passo que no estado ordinário temos uma venda sobre os olhos. Ela diz aos assistentes: “Obrigado por vos terdes ocupado comigo.” Depois beija sua mãe. Como é feliz! ─ acrescenta o médium, terminando ─ Como ela é feliz com este sonho, do qual não se recordará, mas que, nem por isso, deixará de lhe deixar uma salutar impressão! São esses sonhos inconscientes que proporcionam estas sensações indefiníveis de contentamento e de felicidade de que a gente não se dá conta, e que são um antegozo daquilo de que desfrutam os Espíritos felizes.
Disto ressalta que o Espírito encarnado pode sofrer transformações que lhe modificam as aptidões. Um fato que talvez não tenha sido suficientemente observado vem apoiar a teoria acima. Sabe-se que o esquecimento do sonho é um dos caracteres do sonambulismo. Ora, do primeiro grau de lucidez, por vezes o Espírito passa a um grau mais elevado, que é diferente do êxtase, e no qual adquire novas ideias e percepções mais sutis. Saindo desse segundo grau para entrar no primeiro, não se lembra do que disse nem do que viu. Depois, passando deste grau para o estado de vigília, há novo esquecimento. Uma coisa a notar é que há uma lembrança do grau superior para o inferior, ao passo que há esquecimento do grau inferior para o superior.
É pois bem evidente que entre os dois estados sonambúlicos de que acabamos de falar, passa-se algo análogo ao que ocorre entre o estado de vigília e o primeiro grau de lucidez; que o que se passa influi sobre as faculdades e as aptidões do Espírito. Dir-se-ia que do estado de vigília ao primeiro grau o Espírito é despojado de um véu e que do primeiro ao segundo grau é despojado de um segundo véu. Nos graus superiores, não mais existindo esses véus, o Espírito vê o que está abaixo e se lembra; descendo novamente a escada, os véus se refazem sucessivamente e lhe ocultam o que está acima, com o que ele perde a sua lembrança. A vontade do magnetizador por vezes pode dissipar esse véu fluídico e permitir a lembrança.
Como se vê, há uma grande analogia entre esses dois estados sonambúlicos e as diferentes categorias de sonhos descritos acima. Parece-nos mais do que provável que, num e noutro caso, o Espírito se ache numa situação idêntica. A cada degrau que ele sobe, eleva-se acima de uma camada de névoa; sua vista e suas percepções tornam-se mais claras.
Procuram a alma nas dobras do cérebro, enquanto ela se ergue a cada instante à nossa frente, livre e independente, numa porção de fenômenos inexplicáveis só pelas leis da matéria, notadamente nos sonhos, no sonambulismo natural e artificial e na dupla vista à distância, não nos fenômenos raros, excepcionais, sutis, que exigem pacientes pesquisas do sábio e do filósofo, mas nos mais vulgares. Lá está ela, que parece dizer: Olhai e ver-me-eis; estou sob vossos olhos e não me vedes; vistes-me muitas e muitas vezes; vedes-me todos os dias; os próprios meninos me veem; o sábio e o ignorante, o homem de gênio e o ignorante me veem e vós não me reconheceis.
Mas há pessoas que parecem temer olhá-la de frente, e ter a prova de sua existência. Quanto aos que a procuram de boa-fé, até hoje lhes faltou a única chave que poderia tê-la desvelado. Essa chave o Espiritismo acaba de dar pela lei que rege as relações do mundo corporal com o mundo espiritual. Com a ajuda dessa lei e das observações sobre as quais se apoia, ele dá dos sonhos a mais lógica explicação jamais fornecida. Ele demonstra que o sonho, o sonambulismo, o êxtase, a dupla vista, o pressentimento, a intuição do futuro, a penetração do pensamento não passam de variantes e graus de um mesmo princípio: a emancipação da alma, mais ou menos desprendida da matéria.
A respeito dos sonhos, ele dá explicações precisas de todas as variedades que eles apresentam? Não. Ainda não. Nós possuímos o princípio, o que já é muito. Aqueles que podemos explicar pôr-nos-ão no caminho dos outros; sem dúvida faltam-nos alguns conhecimentos, que adquiriremos mais tarde. Não há uma única ciência que, de saída, tenha desenvolvido todas as suas consequências e aplicações; elas não se podem completar senão por sucessivas observações. Ora, nascido ontem, o Espiritismo está como a Química nas mãos dos Lavoisier e dos Berthollet, seus primeiros criadores; eles descobriram as leis fundamentais; as primeiras balizas fincadas puseram no caminho de novas descobertas.
Entre os sonhos, uns há que têm um caráter de tal modo positivo que racionalmente não poderiam ser atribuídos a simples jogo da imaginação; tais são aqueles nos quais, ao despertar, adquire-se a prova da realidade do que se viu e em que absolutamente não se pensava. Os mais difíceis de explicar são os que nos apresentam imagens incoerentes, fantásticas, sem realidade aparente. Um estudo mais aprofundado do singular fenômeno das criações fluídicas sem dúvida por-nos-á no caminho.
Enquanto se espera, eis uma teoria que parece permitir um passo no assunto. Não a damos como absoluta, mas como fundada na lógica e podendo ser submetida a estudo. Ela nos foi dada por um dos nossos melhores médiuns, em estado de sonambulismo muito lúcido, por ocasião do fato seguinte:
Solicitado pela mãe de uma jovem a lhe dar notícias de sua filha, que estava em Lyon, ele a viu deitada e adormecida, e descreveu com exatidão o apartamento em que ela se achava. Essa jovem, de dezessete anos, é médium escrevente; sua mãe perguntou se ela tinha aptidão para se tornar médium vidente. Esperai, disse o sonâmbulo, é preciso que eu siga o rastro de seu Espírito, que neste momento não está no corpo. Ela está aqui, na 5illa Ségur, na sala onde estamos, atraída pelo vosso pensamento; ela vos vê e vos escuta. Para ela é um sonho, do qual não se recordará ao despertar.
Podemos, acrescenta ele, dividir os sonhos em três categorias caracterizadas pelo grau da lembrança que fica no estado de desprendimento no qual se acha o Espírito. São elas:
1.º ─ Os sonhos que são provocados pela ação da matéria e dos sentidos sobre o Espírito, isto é, aqueles em que o organismo representa um papel preponderante pela mais íntima união entre o corpo e o Espírito. A gente se lembra claramente e, por pouco desenvolvida que seja a memória, dele conserva uma impressão durável.
2.º ─ Os sonhos que podem ser chamados mistos. Deles participam, ao mesmo tempo, a matéria e o Espírito. O desprendimento é mais completo. A gente se recorda, ao despertar, para esquecê-lo quase instantaneamente, a menos que uma particularidade venha despertar a lembrança.
3.º ─ Os sonhos etéreos ou puramente espirituais. São produtos só do Espírito, que está desprendido da matéria, tanto quanto o pode estar na vida do corpo. A gente não se recorda, ou se resta uma vaga lembrança de que se sonhou, nenhuma circunstância poderia trazer à memória os incidentes do sono.
O sonho atual da jovem pertence a esta terceira categoria. Ela não o recordará. Ela foi conduzida para cá por um Espírito muito conhecido do mundo espírita lionês, e mesmo do mundo espírita europeu ─ o médium sonambúlico descreve o Espírito Cárita. ─ Ele a trouxe com o objetivo de que ela conserve, senão uma lembrança precisa, um pressentimento do bem que se pode colher de uma crença firme, pura e santa, e do bem que se pode fazer aos outros, fazendo-o a si próprio.
Ela diz à sua mãe que se ela se lembrasse tão bem em seu estado normal quanto se lembra agora de suas encarnações precedentes, não demoraria muito no estado estacionário em que está, porque vê claramente e pode avançar sem hesitação, ao passo que no estado ordinário temos uma venda sobre os olhos. Ela diz aos assistentes: “Obrigado por vos terdes ocupado comigo.” Depois beija sua mãe. Como é feliz! ─ acrescenta o médium, terminando ─ Como ela é feliz com este sonho, do qual não se recordará, mas que, nem por isso, deixará de lhe deixar uma salutar impressão! São esses sonhos inconscientes que proporcionam estas sensações indefiníveis de contentamento e de felicidade de que a gente não se dá conta, e que são um antegozo daquilo de que desfrutam os Espíritos felizes.
Disto ressalta que o Espírito encarnado pode sofrer transformações que lhe modificam as aptidões. Um fato que talvez não tenha sido suficientemente observado vem apoiar a teoria acima. Sabe-se que o esquecimento do sonho é um dos caracteres do sonambulismo. Ora, do primeiro grau de lucidez, por vezes o Espírito passa a um grau mais elevado, que é diferente do êxtase, e no qual adquire novas ideias e percepções mais sutis. Saindo desse segundo grau para entrar no primeiro, não se lembra do que disse nem do que viu. Depois, passando deste grau para o estado de vigília, há novo esquecimento. Uma coisa a notar é que há uma lembrança do grau superior para o inferior, ao passo que há esquecimento do grau inferior para o superior.
É pois bem evidente que entre os dois estados sonambúlicos de que acabamos de falar, passa-se algo análogo ao que ocorre entre o estado de vigília e o primeiro grau de lucidez; que o que se passa influi sobre as faculdades e as aptidões do Espírito. Dir-se-ia que do estado de vigília ao primeiro grau o Espírito é despojado de um véu e que do primeiro ao segundo grau é despojado de um segundo véu. Nos graus superiores, não mais existindo esses véus, o Espírito vê o que está abaixo e se lembra; descendo novamente a escada, os véus se refazem sucessivamente e lhe ocultam o que está acima, com o que ele perde a sua lembrança. A vontade do magnetizador por vezes pode dissipar esse véu fluídico e permitir a lembrança.
Como se vê, há uma grande analogia entre esses dois estados sonambúlicos e as diferentes categorias de sonhos descritos acima. Parece-nos mais do que provável que, num e noutro caso, o Espírito se ache numa situação idêntica. A cada degrau que ele sobe, eleva-se acima de uma camada de névoa; sua vista e suas percepções tornam-se mais claras.