Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1865
Versão para cópiaJaneiro - Instruções dos Espíritos
(Sociedade de Antuérpia - 1864)
I
O Altíssimo vos sustentará, a vós que marchais sob o seu olhar paternal, humildes e crentes. Deixai-vos tratar como pobres de espírito, e o Deus forte vos atrairá a si por sua graça. Sede firmes trabalhando em sua vinha, e desprezai o desdém dos ímpios, porque o Eterno vos tocou com sua mão protetora. Sede corajosos e marchai sem saber aonde ele vos conduz. Ele protege os que apoiam a própria fraqueza em sua força. O Criador é grande. Admirai-o em suas obras.
O Espiritismo espalha-se na Terra, semelhante ao orvalho benéfico da noite, que refresca uma terra muito seca. Ele espalhará em vossas almas o orvalho celeste, e pela unção da graça divina, vossos corações produzirão bons frutos, e vossos trabalhos publicarão sua glória e sua grandeza.
Deus é todo-poderoso, e quando conduzia por sua força o braço de Moisés, as tábuas da lei não abalaram a Terra? Que temeis? Deus vos abandonará à vossa fraqueza, quando deu sua força a Moisés? O Altíssimo não enviou o maná, no deserto? Será ele menos misericordioso para convosco do que foi para com os filhos de Israel, deixando que vossos corações se sequem pela ignorância?
Deus é tão justo quão grande. Apoiai-vos nele e ele vos inundará de sua graça. Vossos corações expandir-se-ão e tornar-se-ão o asilo da fé e da caridade, porque a verdade luziu sobre a Terra, e o Altíssimo vos tocou com a mão benfeitora.
Coragem, espíritas! O Deus forte vos olha. Que vossos corações sejam as tábuas onde ele escreve suas leis, e que nada de impuro manche o templo do Eterno, a fim de que vos torneis dignos de publicar seus mandamentos. Não temais marchar nas trevas, quando a luz divina vos conduz.
Os tempos designados pelo Todo-Poderoso são chegados. As trevas desaparecerão da Terra para darem lugar aos raios divinos que inundarão vossas almas, se não repelirdes a voz de Deus.
A força do Altíssimo espalhar-se-á sobre o seu povo, e os seus filhos o bendirão cantando louvores pela pureza de seus corações. Que nada vos detenha. Que nada vos faça desanimar. Sede firmes nas obras de Deus. Sede todos filhos de uma grande família, e que o olhar do vosso Pai Celeste vos conduza e faça frutificarem os vossos trabalhos.
Todo homem necessita de conselhos. Infeliz aquele que se julga bastante forte por suas próprias luzes, porque terá numerosas decepções. O Espiritismo está cheio de escolhos, mesmo nos grupos, e com mais forte razão, no isolamento. O medo excessivo que tendes de serdes enganados é um bem para vós, porque foi a vossa salvaguarda em muitas circunstâncias. Contudo, vossas comunicações necessitam de controle; não bastam algumas apreciações. Eis por que vossos Espíritos protetores vos aconselharam a vos dirigirdes ao chefe espírita, a fim de serdes esclarecidos sobre o seu valor.
É preciso provar, pela união, que todos os adeptos sérios trabalham em concerto na vinha do Senhor, que vai estender seus ramos sobre o mundo inteiro. Quanto mais se reunirem os obreiros, mais depressa será formada a grande cadeia espírita, e também mais depressa a família humana será inundada pelos eflúvios divinos da fé e da caridade, que regenerarão as almas sob o poder do Criador.
Que cada um de vós leve sua pedra ao edifício, na medida de suas forças, mas se cada um quiser construir à sua vontade, sem levar em conta as instruções que temos dado e que formam a sua base; se não houver entendimento entre vós; se não tiverdes ligação, então fareis uma torre de Babel. Nós vos mostramos este ponto. Que cada um de vós, dele faça o seu objetivo único. Nós vos demos este sinal. Que cada um de vós o inscreva em sua bandeira, e então vos reconhecereis todos e vos estendereis as mãos. Mas Deus dispersará os presunçosos que não tiverem escutado sua voz. Ele cegará os orgulhosos, que se julgam bastante fortes por si mesmos, e os que se afastarem do caminho que lhes é traçado perder-se-ão no deserto.
Espíritas, sede fortes em coragem, perseverança e firmeza, mas humildes de coração, segundo o preceito do Evangelho, e Jesus vos conduzirá através das tormentas e abençoará os vossos trabalhos.
Cada luta enfrentada corajosamente sob o olhar de Deus é uma prece fervorosa, que sobe a ele como o incenso puro e de odor agradável. Se bastasse formular palavras para se dirigir a Deus, os inoperantes apenas teriam que tomar um livro de preces para satisfazer a obrigação de orar. O trabalho, a atividade da alma, é a única boa prece que a purifica e a faz crescer.
FÉNELON
Janeiro NOTAS BIBLIOGRÁFICAS
Esta obra, anunciada há algum tempo e esperada com impaciência, acaba de aparecer na livraria dos Srs. Didier & Cie. Todos os que conhecem o autor, sua vasta erudição, seu espírito judicioso de análise e de investigação, não duvidam que esta grave questão da pluralidade das existências fosse por ele tratada de acordo com a sua importância. Sentimo-nos felizes ao dizer que ele não falhou em sua tarefa. Entretanto, não se empenhou bastante em demonstrar, pelo seu próprio raciocínio, essa grande lei da Humanidade, embora se devotando a ela. Por mais douto que seja, é modesto, muito modesto mesmo, o que raramente é corolário do saber; diz que sua opinião pessoal pouco pesaria na balança, razão que o levou a apoiar-se mais nas dos outros que na sua. Ele quis demonstrar que esse princípio tinha sido entrevisto pelos maiores gênios de todos os tempos; que é encontrado em todas as religiões, por vezes clara e categoricamente formulado, muitas vezes velado sob a alegoria; que, implicitamente, é a fonte primeira de uma imensidade de dogmas. Prova, por documentos autênticos, que a teoria da imortalidade e da progressão da alma fazia parte do ensino secreto só reservado aos iniciados nos mistérios. Nesses tempos recuados ele poderia ter utilidade, como o demonstra, ao ocultar do vulgo certas verdades que as massas não estavam maduras para compreender, e que as teriam deslumbrado, sem as esclarecer. Sua obra é, pois, rica em citações, desde os livros sagrados dos hindus, dos persas, dos judeus, dos cristãos; os filósofos gregos, os neoplatônicos, as doutrinas druídicas [v. O Espiritismo entre os druidas], até os escritores modernos: Charles Bonnet, Ballanche, Fourier, Pierre Leroux, Jean Raynaud, Henri Martin, etc.; e, como conclusão e última expressão, os livros espíritas.
Nesse vasto panorama, ele passa em revista todas as opiniões, as diversas teorias sobre a origem e os destinos da alma. A doutrina da metempsicose animal é aí tratada largamente e de maneira nova. Demonstra que a da pluralidade das existências humanas a precedeu e que a transmigração em corpos de animais não passa de uma derivação alterada, e não o princípio. Era a crença reservada ao vulgo, incapaz de compreender as altas verdades abstratas, e como freio às paixões. A encarnação nos animais era uma punição, uma espécie de inferno visível, atual, que devia impressionar mais que o temor de um castigo moral num mundo espiritual. Eis o que a respeito diz Timeu de Locres, que Cícero garante ter sido o mestre de Platão:
“Se alguém é vicioso e viola as regras do Estado, é preciso que seja punido pelas leis e pelas censuras; deve-se, ainda, apavorá-lo com o medo do inferno, pelo temor das penas contínuas, dos castigos, e pelos terrores e punições inevitáveis, que são reservadas aos infelizes criminosos no interior da Terra.
“Louvo muito o poeta jônico (Homero) por haver tornado os homens religiosos por fábulas antigas e úteis. Porque, assim como curamos os corpos com remédios mais drásticos, se não cedem a remédios mais suaves, assim reprimimos as almas por discursos falsos, se não se deixarem levar pelos verdadeiros. É pela mesma razão que se devem estabelecer penas passageiras, baseadas na crença da transmigração das almas. De sorte que as almas dos homens tímidos passem, depois da morte, por corpos de mulheres expostas ao desprezo e às injúrias; as almas dos assassinos, por corpos de animais ferozes, para aí receber sua punição; as dos impudicos pelo corpo dos porcos e javalis; as dos inconstantes e dos levianos pelos dos pássaros que voam nos ares; as dos preguiçosos, dos indolentes, dos ignorantes e dos loucos pela forma dos animais aquáticos. É a deusa Nêmesis quem julga todas essas coisas, no segundo período, isto é, no círculo da segunda região em torno da Terra, com os demônios, vingadores dos crimes, que são os inquisidores terrenos das ações humanas, e a quem o Deus condutor de todas as coisas conferiu a administração do mundo cheio de deuses, de homens e de outros animais que foram produzidos segundo a imagem excelente da forma improduzida e eterna.”
Ressalta daí e de vários outros documentos que a maioria dos filósofos professava ostensivamente a metempsicose animal, como um meio, já que eles próprios não criam, e tinham uma doutrina secreta, mais racional sobre a vida futura. Tal parece ter sido, também, o sentimento de Pitágoras que, como se sabe, não é o autor da metempsicose; foi apenas o seu propagador na Grécia, depois de a ter encontrado entre os hindus. Aliás, a encarnação na animalidade não passava de uma punição temporária de alguns milhares de anos, mais ou menos conforme a culpabilidade, uma espécie de prisão da qual a alma, ao sair, entrava na humanidade. A encarnação animal não era, pois, uma condição absoluta, aliando-se, como se vê, à reencarnação humana. Era uma sorte de espantalho para os simples, muito mais que um artigo de fé entre os filósofos. Assim como se diz às crianças: “Se fordes más, o lobo vos comerá”, os antigos diziam aos criminosos: “Tornar-vos-eis lobos.”
A doutrina da pluralidade das existências, emancipada das fábulas e dos erros dos tempos de ignorância, tende hoje, de maneira evidente, a entrar na filosofia moderna, abstração feita do Espiritismo moderno, porque os pensadores sérios aí encontram a única solução possível dos maiores problemas da moral e da vida humana. A obra do Sr. Pezzani vem, pois, muito a propósito, projetar a luz da História sobre essa importante questão; ela poupará pesquisas laboriosas, difíceis e muitas vezes impossíveis a muita gente. O autor não a escreveu do ponto de vista do Espiritismo, que nela só figura de maneira acessória e como ensinamento; escreveu-a do ponto de vista filosófico, de maneira a abrir as portas que lhe teriam sido fechadas, se tivesse imprimido a essa obra a etiqueta de uma crença nova. É o complemento da Pluralidade dos mundos habitados, do Sr. Flammarion, que, por seu lado, vulgarizou um dos grandes princípios de nossa doutrina, sem dela falar expressamente.
Voltaremos à obra do Sr. Pezzani, servindo-nos de várias de suas citações.