Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1865

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Capítulo LXXXVIII

Dezembro - Abri-me! - Apelo de Cárita

Dezembro


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Abri-me! - Apelo de Cárita


Escrevem-nos de Lyon:

“... O Espiritismo, esse grande traço de união entre todos os filhos de Deus, nos abriu um horizonte tão largo, que podemos olhar de um a outro ponto todos esses corações esparsos que as circunstâncias colocaram no oriente e no ocidente, e vê-los vibrar a um só apelo de Cárita. Ainda me lembro da profunda emoção que senti quando, no ano passado, a Revista Espírita nos dava conta da impressão produzida em todas as partes da Europa por uma comunicação desse excelente Espírito. Sem dúvida poder-se-á dizer tudo quanto se queira contra o Espiritismo: é uma prova de que ele cresce, porque geralmente não se atacam as coisas pequenas, mas os grandes efeitos. Ademais, o que são esses ataques senão como a cólera de uma criança que atirasse pedras ao oceano para impedi-lo de roncar? E os detratores do Espiritismo quase não suspeitam que denegrindo a doutrina, eles cobrem todas as despesas de uma propaganda que dá a todos os que a leem vontade de conhecer esse terrível inimigo que tem como palavra de ordem: “Fora da caridade não há salvação...”

Esta carta estava acompanhada da seguinte comunicação, ditada pelo Espírito de Cárita, a eloquente e graciosa pedinte que os bons corações conhecem tão bem.

(Lyon, 8 de novembro de 1
865)
“Faz frio, chove, o vento sopra muito forte; abri-me!

“Fiz uma longa caminhada através da região da miséria e retorno com o coração semimorto e as espáduas vergadas ao fardo de todas as dores. Abri-me bem depressa, meus amados, vós que sabeis que quando a caridade bate à vossa porta é que encontrou muitos infelizes em seu caminho. Abri vosso coração para receber minhas confidências; abri a vossa bolsa para enxugar as lágrimas dos meus protegidos e escutai-me com essa emoção que a dor faz subir de vossa alma aos vossos lábios. Oh! vós que sabeis o que Deus reserva, e que muitas vezes chorais essas lágrimas de amor que o Cristo chamava de orvalho da vida celeste, abri-me!... Obrigada! Eu entrei.

“Parti esta manhã. Chamavam-me de todos os lados, e o sofrimento tem a voz tão vibrante que basta um só apelo. Minha primeira visita foi para dois pobres velhos: marido e mulher. Eles viveram ambos esses longos dias em que o pão rareia, em que o sol se esconde, em que o trabalho falta aos braços fortes que o chamam. Eles sepultaram sua miséria no crisol da dignidade, e ninguém pôde adivinhar que muitas vezes o dia transcorria sem trazer seu pão cotidiano. Depois chegou a idade, os membros enfraqueceram, os olhos ficaram velados e o patrão que fornecia trabalho disse: Nada mais tenho para fazer. Entretanto, a morte não veio, e a fome e o frio diariamente são os visitantes habituais da pobre morada. Como responder a essa miséria? Proclamando-a? Oh! não. Há feridas que não se curam arrancando a atadura que as cobre. O que acalma o coração é uma palavra de consolo, dita por uma voz amiga que adivinhou, com sua alma, o que lhe foi oculto aos olhos. Para esses pobres, abri-me!

“E depois vi uma mãe repartir seu único pedaço de pão com os três filhinhos, e como o pedaço era minúsculo, nada guardou para si. Vi o fogão apagado, o leito sem lençóis; vi os membros tiritantes envolvidos em trapos; vi o marido entrar em casa sem ter encontrado trabalho; vi enfim o filho menor morrer sem socorro, porque o pai e a mãe são espíritas e tiveram que sofrer humilhações das obras de beneficência.
“Vi a miséria em toda a sua chaga horrível; vi os corações se atrofiarem e a dignidade extinguir-se sob o verme roedor da necessidade de viver. Vi criaturas de Deus renegarem sua origem imortal, porque não compreendiam a provação. Vi, enfim, o materialismo crescer com a miséria e em vão exclamei:

Abri-me! Eu sou a caridade. Venho a vós com o coração cheio de ternura. Não choreis mais, eu venho vos consolar. Mas o coração dos infelizes não me escutou, pois suas entranhas tinham muita fome!

“Então aproximei-me de vós, meus bons amigos, de vós que me escutastes; de vós que sabeis que Cárita é a mendiga para os pobres e vos disse: Abri-me!

“Acabo de vos contar o que vi em minha longa jornada e vos peço, tende para os meus pobres um pensamento, uma palavra, uma suave lembrança, a fim de que à noite, à hora da prece, eles não adormeçam sem agradecer a Deus, porque vós lhes sorristes de longe. Sabeis que os pobres são a pedra de toque que Deus envia à Terra para experimentar vossos corações. Não os repilais, a fim de que um dia, quando tiverdes transposto o sólio que conduz ao espaço, Deus vos reconheça pela pureza dos vossos corações e vos admita na morada dos eleitos!

CÁRITA”

É com felicidade que nos fazemos intérpretes da boa Cárita e esperamos que ela não tenha dito em vão: Abri-me! Se ela bate à porta com tanta insistência, é que o inverno, por sua vez, também aí bate.


SUBSCRIÇÃO

EM BENEFÍCIO DOS POBRES DE LYON E DAS VÍTIMAS DA CÓLERA

(Aberta no escritório da Revista Espírita)
Este ano uma causa de sofrimento veio juntar-se aos rigores do inverno que avança a passos largos. Sem dúvida, jamais a solicitude da autoridade se mostrou mais inteligente e mais previdente do que nesta última invasão do flagelo, em relação aos atingidos; rapidez e sábia distribuição dos socorros médicos e outros, nada faltou nesse particular. É uma justiça que cada um se apraz em lhe render. Assim, graças às medidas tomadas, sua devastação foi rapidamente circunscrita. Entretanto, ele deixa após si traços cruéis de sua passagem nas famílias pobres, e os mais lastimáveis não são os que sucumbem. É aí sobretudo que se faz necessária a caridade particular.

O montante das somas recebidas e sua distribuição são submetidos ao controle da Sociedade Espírita de Paris.


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