Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1865

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Capítulo XCIII

Dezembro - Espíritos de dois sábios incrédulos a seus antigos amigos da terra

Dezembro


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Espíritos de dois sábios incrédulos a seus antigos amigos da terra

Quando os mais incrédulos e obstinados transpõem o sólio da vida corporal, são forçados a reconhecer que continuam vivos; que são Espíritos, porquanto não são mais carnais e que, consequentemente, há Espíritos; que esses se comunicam com os homens, pois eles mesmos o fazem. Mas a sua apreciação do mundo espiritual varia em razão de seu desenvolvimento moral, de seu saber ou sua ignorância, da elevação ou abjeção de sua alma. Os dois Espíritos de que falamos, em vida pertenciam à classe dos homens de ciência e de alta inteligência. Ambos eram fundamentalmente incrédulos, mas, homens esclarecidos, sua incredulidade tinha como contrapartida eminentes qualidades morais. Assim, uma vez no mundo dos Espíritos, prontamente encararam as coisas em seu verdadeiro ponto de vista e reconheceram o seu erro. Sem dúvida, nisto nada há de extraordinário e que não vejamos todos os dias, e se publicamos suas primeiras impressões, é em razão do seu lado eminentemente instrutivo. Um e outro morreram há pouco tempo. O primeiro, o Sr. M. L..., era cirurgião do Hospital B... e cunhado do Sr. A. Véron, membro da Sociedade Espírita de Paris. O segundo, Sr. Gui..., era um sábio economista, intimamente conhecido do Sr. Colliez, outro membro da Sociedade.

Inutilmente o Sr. Véron havia tentado trazer seu cunhado às ideias espiritualistas; depois de morto, ele foi mais acessível às suas instruções, e eis uma das primeiras comunicações dele recebidas.

(Paris, 5 de outubro de 1865 ─ Médium: Sr. Desliens)

Meu caro cunhado, considerando-se que estamos, por assim dizer, na intimidade, e que não temo tomar o lugar de alguém que vos pudesse ser mais útil do que eu, pois me solicitastes, atendo com prazer ao vosso apelo.

Não espereis, desde hoje, ver-me desdobrar todas as minhas faculdades espirituais. Sem dúvida eu poderia tentá-lo, e talvez com mais sucesso do que quando era vivo, mas a minha presunção orgulhosa está muito longe de mim, e se eu me julgava uma sumidade na Terra, aqui sou muito pequeno. Quanta gente que eu desdenhava e cuja proteção e ensinamentos me sinto feliz por encontrar hoje! Os ignorantes daqui de baixo são muitas vezes os sábios lá do alto, e quanto a nossa Ciência, que julga tudo saber e nada quer admitir fora de suas decisões, é ilusória e limitada!

Ó orgulho humano! Por quanto tempo ainda, por força do hábito, permanecerás nesta Terra onde, depois de tantos séculos, o espírito de rotina entrava o progresso em sua marcha incessante? “Não conheço um fato; ele está fora de meus conhecimentos, portanto não existe.” Tal é o nosso raciocínio aqui em baixo. É que, se o admitíssemos, ou se pelo menos estudássemos esse fato, resultado de leis desconhecidas, teríamos que renunciar a sistemas errôneos apoiados em grandes nomes que constituem nossa glória e, ainda pior, teríamos que concordar que estávamos enganados.

Não, nós, outros negadores, encontramos um Galileu universal que nos vem dizer: Eu sou Espírito, estou vivo, fui homem, e, homens vós mesmos, fostes Espíritos e vos tornareis como eu, até que, por uma série de encarnações, vos tereis depurado para subir outros degraus da escada infinita dos mundos... E nós negamos!

Mas, como dizia Galileu, após suas retratações: “E contudo ela se move!”, o Espiritismo nos vem dizer: “E contudo os Espíritos aí estão; eles se manifestam, e nenhuma negação poderia derrubar um fato.” O fato brutal existe; nada se pode contra ele. O tempo, esse grande instrutor, fará justiça de tudo, varrendo uns, instruindo os outros. Sede dos que se instruem.

Eu fui ceifado na idade madura do meu orgulho e sofri a pena de minhas negações. Evitai minha queda, e que minhas faltas sejam proveitosas aos que imitam meu raciocínio passado, para evitar o abismo das trevas de onde vossos cuidados me retiraram.

Vede, ainda há perturbação em minha linguagem. Mais tarde poderei falar-vos com mais lógica. Sede indulgentes para com a minha juventude espiritual.

M... L...

Antes de ser lida esta comunicação na Sociedade de Paris, o Espírito comunicou-se espontaneamente, ditando o que segue.


(Sociedade de Paris, 20 de outubro de 1865. ─ Médium: Sr. Desliens)

Caro senhor Allan Kardec, permiti que um Espírito que os vossos estudos levaram a considerar a existência, o ser e Deus sob seu verdadeiro ponto de vista vos testemunhe o seu reconhecimento. Nesta Terra, ignorei vosso nome e os vossos trabalhos. Talvez se me tivessem falado de um e dos outros, eu tivesse exercido a seu respeito a minha veia trocista, como costumava, em todas as coisas tendentes a provar a existência de um espírito distinto do corpo. Então eu era cego. Perdoai-me. Hoje, graças a vós, graças aos ensinamentos que os Espíritos espalharam e vulgarizaram por vossa mão, sou um outro ser, tenho consciência de mim mesmo, e vejo o meu destino. Quanto reconhecimento não vos devo, a vós e ao Espiritismo!!! ─ Quem quer que me tenha conhecido e leia hoje o que é a expressão do meu pensamento exclamará: “Este não pode ser aquele que conhecemos, aquele materialista radical que nada admitia fora dos fenômenos brutos da Natureza.” Sem dúvida; entretanto, sou eu mesmo.

Meu caro cunhado, a quem devo sinceros agradecimentos, diz que cheguei a bons sentimentos em pouco tempo. Agradeço-lhe a amenidade a meu respeito, mas, sem dúvida ele ignora quão longas são as horas de sofrimento resultantes da inconsciência da própria existência!!! Eu acreditava no nada e fui punido por um nada fictício. Sentir-se e não poder manifestar-se; julgar-se disseminado em todos os restos esparsos da matéria que forma o corpo, tal foi minha posição durante mais de dois meses!... dois séculos!... Ah! As horas do sofrimento são longas e se não se tivessem ocupado em me tirar dessa má atmosfera de niilismo, se não me tivessem constrangido a vir a estas reuniões de paz e de amor, onde eu não compreendia, não via e nada entendia, mas onde fluidos simpáticos agiam sobre mim e me despertavam pouco a pouco de meu pesado torpor espiritual, onde estaria eu ainda? Meu Deus!... Deus!... Que doce nome a pronunciar por quem foi por tanto tempo obstinado em negar esse pai tão grande e tão bom! Ah! meus amigos, moderai-me, porque hoje só uma coisa temo: é tornar-me fanático dessas crenças que eu teria repelido como vis engodos, se outrora tivessem vindo ao meu conhecimento!...

Nada direi hoje sobre os trabalhos de que vos ocupais; ainda estou muito novo, muito ignorante para ousar aventurar-me em vossas sábias dissertações. Já o sinto, mas ainda não sei. Dir-vos-ei apenas isto, porque isto eu sei: Sim, os fluidos têm uma influência enorme como ação curadora, se não corporal, de que nada sei, pelo menos espiritual, porque experimentei a sua ação. Eu vos disse e repito com felicidade e reconhecimento: eu ia, constrangido por uma força invencível, sem dúvida a de meu guia, às reuniões espíritas. Eu nada via, eu nada entendia, entretanto, uma ação fluídica que eu não podia compreender, curou-me espiritualmente.

Agradeço penhoradamente a todos aqueles que adquiriram direitos eternos ao meu reconhecimento, tirando-me do caos onde eu havia caído, e vos peço, meus amigos, a bondade de me permitir vir assistir em silêncio às vossas sábias assembleias, mais tarde pondo minhas fracas luzes científicas à vossa disposição.

M... L...


Pergunta. ─ Poderíeis dizer-nos, com a assistência do vosso guia, como tão prontamente pudestes reconhecer vossos erros terrenos, ao passo que bom número de Espíritos, a que não se poupa assistência espiritual, ficam tanto tempo sem compreender os conselhos que lhes são dados?

Resposta. ─ Caro senhor, agradeço-vos a pergunta que tivestes a bondade de me dirigir, e que julgo poder resolver eu mesmo, com a assistência de meu guia.

Sem dúvida podeis ver uma anomalia em minha transformação, pois que, como dizeis, há seres que, malgrado todos os sentimentos que agem em seu favor, levam muito tempo sem permitir que se abram seus olhos. Não querendo abusar de vossa benevolência, dir-vos-ei em poucas palavras:

O Espírito que resiste à ação dos que agem sobre ele, é novo em relação às noções morais. Pode ser um indivíduo instruído, mas completamente ignorante em relação à caridade e à fraternidade, numa palavra, despido de espiritualidade. É-lhe necessário compreender a vida da alma que, mesmo no estado de Espírito, era rudimentar, para ele. Para mim foi completamente diferente. Digo-vos que sou velho, em relação à vossa vida, embora muito novo na eternidade. Eu tive noções de moral; eu acreditava na espiritualidade, que em mim ficou latente, porque um de meus pecados capitais, o orgulho, necessitava dessa punição.

Eu, que tinha conhecimento da vida da alma numa existência anterior, fui condenado a deixar-me dominar pelo orgulho e a esquecer Deus e o princípio eterno que residia em mim... Ah! Crede-o, só há uma espécie de cretinismo, e o idiota que, conservando sua alma, não pode manifestar sua inteligência, é talvez menos lamentável que aquele que, possuindo toda a sua inteligência, cientificamente falando, perdeu sua alma por algum tempo. É um idiotismo truncado, mas muito penoso.

M... L.


O outro Espírito, Sr. Gui..., manifestou-se espontaneamente à Sociedade no dia da sessão especial comemorativa dos mortos. O Sr. Colliez, que o havia conhecido pessoalmente, como dissemos, tinha-se limitado a inscrevê-lo na lista dos Espíritos recomendados às preces. Se bem que suas opiniões fossem completamente diversas das que tinha em vida, o Sr. Colliez o reconheceu pela forma da sua linguagem e antes que fosse lida a sua assinatura, ele tinha dito que deveria ser o Sr. Gui...


(Sociedade de Paris, 1º de novembro de 1865 Médium: Sr. Leymarie)

Senhores... Permiti-me empregar esta expressão comum, mas pouco fraterna. Sou um recém-chegado, um recruta não esperado, e sem dúvida meu nome jamais feriu ouvidos espíritas fervorosos. Não obstante, nunca é tarde demais, e quando cada família chora um ausente amado, venho a vós para vos exprimir meu arrependimento muito sincero.

Cercado de voltairianos, vivendo e pensando como eles, trazendo conforme a necessidade o meu óbolo e o meu trabalho para a propagação das ideias liberais e progressistas, acreditei agir corretamente, porque todo mundo fala, mas nem todos agem. Eu, portanto, agi, e vos peço que não esqueçais os homens de ação. Em sua esfera, eles sacudiram esse torpor de tantos séculos, que por assim dizer tinha velado o futuro. Rasgando o véu, nós também tínhamos enxotado a noite, o que é muito, quando o inimigo intolerante está à porta e busca pintar de preto cada raio de luz. Quantas vezes procuramos em nós mesmos a solução desta questão: “Ah! Se os mortos pudessem falar!” Reflexão profunda, absorvente, que nos matava na idade das desilusões, quando todo homem marcado por um acaso aparente se torna uma luz na multidão.

A família está aí!... Jovens frontes cândidas demandam nossos beijos de esperança, e nada podemos dar, porque essa esperança nós a selamos sob uma grande pedra muito fria, que chamamos incredulidade. Mas hoje creio e venho a vós, cheio de esperança e fé, dizer-vos: “Espero no futuro, creio em Deus, e os Espíritos de Béranger, de Royer-Collard, de Casimir Perrier... não me desmentirão.”

A vós que desejais o progresso, que quereis a luz, direi: Os mortos falam, eles falam todos os dias, entretanto, cegos que sois ─ que éramos! ─ pressentis a verdade sem afirmá-la abertamente. Como Galileu, vós vos dizeis todas as noites: “Entretanto, ela se move!” mas baixais os olhos ante o ridículo, ante o respeito à coisa julgada!

Vós todos que éreis meus fiéis, que semanalmente me concedíeis vossa tarde, sabeis em que me tornei.

Sábios que perscrutais os segredos da Natureza, perguntastes à folha morta, ao broto de erva, ao inseto, à matéria, em que se transformavam no grande concerto dos mortos terrenos? Perguntaste-lhes suas funções de mortos? Pudestes escrever em vossas fichas esta grande lei da Natureza que parece destruir-se anualmente para reviver esplêndida e soberba lançando o desafio da imortalidade aos vossos pensamentos passageiros e mortais?

Doutor sábio que diariamente inclinais a fronte preocupada sobre as doenças misteriosas que destroem os corpos humanos de maneira múltipla, por que tantos suores pelo futuro, tanto amor pela família, tanta previdência para assegurar a honorabilidade de um nome, pela fortuna e pela moralidade de vossos filhos, tanto respeito pela virtude de vossas companheiras?

Homens de progresso, que trabalhais constantemente para transformar as ideias e torná-las mais belas, por que tantos cuidados, vigílias e decepções, se essa lei eterna do progresso absorve todas as vossas faculdades e as decuplica, a fim de prestar homenagem ao movimento geral de harmonia e de amor, ante o qual vos inclinais?

Ah! meus amigos, quem quer que sejais na Terra, mecânicos, legisladores profundos, políticos, artistas, ou vós todos que inscreveis em vossa bandeira: Economia Política, crede-me, vossos trabalhos desafiam a morte; todas as vossas aspirações a rejeitam como uma negação, e quando, por vossas descobertas e vossa inteligência, deixastes um traço, uma lembrança, uma honorabilidade sem manchas, desafiastes a morte, como tudo o que vos cerca! Oferecestes um sacrifício ao poder criador e, como a Natureza, a matéria, como tudo o que vive e quer viver, vencestes a morte. Como eu outrora, como tantos outros, vos retemperais nesse aniquilamento do corpo que é a vida, ides para o Eterno, para vencer a eternidade!...

Mas não a vencereis, porque ela é vossa amiga. O Espírito é a eternidade, o eterno, e eu repito: Tudo o que morre fala de vida e de luz. A morte fala ao vivo; os mortos vêm falar. Só eles têm a chave de tudo, e é por eles que vos prometo outras explicações.

Gui...


(Sociedade Espírita de Paris, 17 de novembro de 1865 Médium: Sr. Leymarie)

Eles fugiram da epidemia e, neste pânico singular, quantas falências morais, quantas defecções vergonhosas! É que a morte se torna a mais violenta expiação para todos os que violam as leis da mais estrita equidade. A morte é o desconhecido para a fé vacilante. As religiões diversas, com o paraíso e o inferno, não puderam firmar-se naqueles que possuem a abnegação pelos bens terrenos, em vão ensinada; nenhum ponto de referência, nenhuma base certa. Difusão no ensino divino: isto não é a certeza. Assim, salvo algumas exceções, que pavor, que falta de caridade, que egoísmo no salve-se-quem-puder geral dos satisfeitos! Crer em Deus, estudar sua vontade nas afirmações inteligentes, estar certo de que as leis da existência estão subordinadas a leis superiores divinas que tudo medem com justiça, que dispensam a todos, em diversas existências, o sofrimento, a alegria, o trabalho, a miséria e a fortuna, mas é, parece-me, o que buscam todas as sábias pesquisas, todas as interrogações da Humanidade. Ter a sua certeza não é a verdadeira força em tudo? Se o corpo esgotado dá liberdade ao espírito, a fim de que este viva segundo as aptidões fluídicas que são a sua essência, se, digo eu, esta verdade se torna palpável, evidente como um raio de sol; se as leis que encadeiam matematicamente as diversas fases da existência terrena e extraterrena, ou da erraticidade, tornam-se para nós tão claramente demonstradas quanto um problema algébrico, então não tendes em mãos o tão procurado segredo; o porquê de todas as vossas objeções; a explicação racional da fraqueza dos vossos profundos estudos de economia política, fraqueza terrificante para a teoria, porquanto a prática destrói em um dia o trabalho da vida de um homem?

É por isto, amigos, que venho suplicar-vos leiais o Livro dos Espíritos. Não vos detenhais na letra, mas possuí-lhe o espírito. Pesquisadores inteligentes, encontrareis novos elementos para modificar vosso ponto de vista e o dos homens que vos estudam. Convictos da pluralidade das existências, encarareis a vida melhor; definindo-a melhor, sereis fortes. Homens de letras, plêiade pobre e bendita, dareis à Humanidade uma semente tanto mais séria quão verdadeira. E quando forem vistos os fortes, os sábios, acreditando e ensinando as máximas fortes e consoladoras, amar-se-ão mais e não mais fugirão do suposto mal invisível; a vontade de todos, homogeneidade poderosa, destruirá todas essas fermentações gasosas envenenadas, única fonte das epidemias.

O estudo dos fluidos, feito sob outro ponto de vista, transformará a Ciência; vistas novas iluminarão a estrada fecunda de nossos jovens estudantes, que não mais irão, orgulhosos, mostrar no estrangeiro a sua intolerância de linguagem e a sua ignorância; não serão mais a irrisão da Europa, porque os mortos amados lhes terão dado a fé e essa religião do Espírito que moraliza a princípio para elevar em seguida a encarnação às regiões serenas do saber e da caridade.

GUI...


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