Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1865
Versão para cópiaCapítulo LX
Agosto - Problema psicológico
Agosto
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Problema psicológico
Dois irmãos idiotas
Numa família de operários de Paris encontram-se duas crianças atingidas de idiotia e que apresentam a particularidade de, até a idade de cinco a seis anos, gozarem de todas as faculdades intelectuais bem desenvolvidas. A menos que seja provocada por uma causa acidental, a idiotia nas crianças é quase sempre o resultado de uma parada no desenvolvimento dos órgãos e, consequentemente, se manifesta desde o nascimento. Além disso, aqui é notável o fato de duas crianças serem atingidas pela mesma enfermidade em condições idênticas.
Podendo esse duplo fenômeno ser objeto de estudo interessante, do ponto de vista psicológico, um dos membros da Sociedade de Paris, o Sr. Desliens, foi por um amigo introduzido na família, a fim de poder dar contas à Sociedade. Eis o resultado de suas observações:
“Quando o pai soube do objetivo de minha visita, disse ele, passou a um quarto, de onde voltou tendo nos braços um ser mais semelhante, pelos traços, a um animal do que a um foco de inteligência. Trouxe igualmente um segundo no mesmo estado de embrutecimento, mas com aparências físicas mais humanas. Nenhum som sensato saía da boca desses infortunados; gritinhos agudos e grunhidos roucos são suas únicas manifestações sonoras. Quase sempre um riso bestial lhes anima a fisionomia. O mais velho chama-se Alfredo e o outro Paulino.
“Alfredo, atualmente com dezessete anos, nasceu com toda a sua inteligência, que se manifestou mesmo com certa precocidade. Aos três anos falava com senso e compreendia os menores sinais. Teve então uma ligeira doença, depois da qual perdeu o uso da palavra e as faculdades mentais. Os tratamentos médicos apenas levaram ao esgotamento das forças vitais, hoje traduzido por um raquitismo absoluto.
“Esse ser, que não tem nem mesmo a aparência de um homem, contudo tem sentimento; ama seus pais e seu irmão, e sabe manifestar simpatia ou repulsa pelos que o rodeiam. Ele compreende tudo o que lhe dizem; em seus olhos brilha a inteligência; procura incessantemente, mas sem resultado, responder quando falam diante dele de coisas que lhe interessam. Tem um medo incontestável da morte e não pode ver um carro mortuário sem procurar esconder-se. Um dia lhe tendo dito sua tia, por brincadeira, que o envenenaria se ele fosse mau, ele compreendeu tão bem que, durante mais de um ano, recusou receber qualquer alimento de suas mãos, embora tenha um apetite extraordinário.
“Paulino, de quinze anos, tem corporalmente uma aparência mais humana. Tem no rosto embrutecido o cunho de um idiotismo absoluto. Contudo ama, mas a isto se limitam suas manifestações exteriores. Ele nasceu igualmente com plena razão, que conservou até os seis anos. Gostava muito do irmão. Com essa idade adoeceu e passou pelas mesmas fases do mais velho. Ultimamente teve uma doença prolongada, depois da qual parece compreender melhor o que lhe dizem. O cura e os padres da paróquia disseram à família que se tratava de possessão do demônio, e que era preciso exorcizar os meninos. Os pais hesitaram. Contudo, fatigados com a insistência daqueles senhores e temendo perder o auxílio que recebiam por causa das crianças, concordaram. Mas então aqueles senhores afirmaram que com efeito teria havido possessão em outra época, mas que hoje não havia mais, e que nada mais podia ser feito. É preciso dizer, em homenagem aos pais, que sua ternura por essas infortunadas criaturas jamais foi desmentida e que elas têm sido constantemente objeto dos mais afetuosos cuidados.”
Os senhores eclesiásticos renunciaram sabiamente ao exorcismo, que apenas teria levado a um fracasso. As crianças não apresentam nenhum dos caracteres da obsessão, no sentido do Espiritismo, e tudo prova que a causa do mal é puramente patológica. Em ambos a idiotia é produzida em consequência de uma doença que, sem dúvida, ocasionou a atrofia dos órgãos da manifestação do pensamento. Mas é fácil ver que, por detrás desse véu, existe um pensamento ativo, que encontra um obstáculo invencível à sua livre expressão. A inteligência dessas crianças, durante os primeiros anos, prova que eles são de Espíritos adiantados, que mais tarde se acharam encerrados em laços muito apertados para que se pudessem manifestar. Num envoltório em condições normais, teriam sido homens inteligentes, e quando a morte os tiver libertado de seus entraves, recuperarão o livre uso de suas faculdades.
Essa constrição imposta a um Espírito deve ter causa moral, providencial, e essa causa deve ser justa, pois que Deus é a fonte de toda justiça. Ora, como esses meninos nada puderam fazer nesta existência que pudesse merecer um castigo qualquer, é forçoso admitir que pagam a dívida de uma existência anterior, a menos que neguemos a justiça de Deus. Eles nos oferecem uma prova da necessidade da reencarnação, essa chave que resolve tantos problemas e que diariamente lança luz sobre tantas questões ainda obscuras.” (Vide O Evangelho segundo o Espiritismo, Cap. V, item 6: Causas anteriores das aflições).
A comunicação seguinte foi dada a propósito desse assunto na Sociedade de Paris, a 7 de julho de 1865 (Médium, Sr. Desliens):
“A perda da inteligência nos dois idiotas dos quais se trata é certamente explicável do ponto de vista científico. Cada um deles teve uma curta doença; pode, pois, concluir-se com razão que os órgãos cerebrais foram afetados. Mas, por que esse acidente ocorreu após a manifestação evidente de todas as suas faculdades, contrariamente ao que, em geral, se passa na idiotia? Repito: Toda a perturbação da inteligência ou das funções orgânicas pode ser explicada fisiologicamente, seja qual for a causa primeira, visto que tendo sido estabelecidas leis pelo Criador para as relações entre a inteligência e os órgãos de transmissão, elas não podem ser derrogadas. A perturbação dessas relações é uma consequência dessas leis, e pode ferir o culpado por suas faltas anteriores: aí está a expiação.
“Por que esses dois seres são feridos juntos? Porque participaram da mesma vida; estavam ligados durante a provação, e devem estar reunidos na vida de expiação.
“Por que sua inteligência a princípio se manifestou, contrariamente ao que ordinariamente acontece em casos semelhantes? Do ponto de vista da intenção providencial, é uma das mil nuanças da expiação, que tem sua razão de ser para o indivíduo, mas cujo motivo muitas vezes seria difícil sondar, pelo simples fato que ele é individual. É preciso aí ver, também, um desses fatos que diariamente vêm confirmar, para o observador atento, as bases da Doutrina Espírita, e sancionar, pela evidência, os princípios da reencarnação.
“Não esqueçais, também, que os pais têm sua parte no que aqui se passa. É para sua ternura por esses seres que não lhes oferecem qualquer compensação, uma grande provação. Eles devem ser felicitados por não haverem falido, porque essa compensação que não encontram neste mundo, encontrá-la-ão mais tarde. Dizeis em vosso íntimo que os cuidados e a afeição que prodigalizam a esses dois pobres seres, bem poderiam ser uma reparação em relação a eles, reparação que o estado de constrangimento da família torna ainda mais meritória.”
Moki
Podendo esse duplo fenômeno ser objeto de estudo interessante, do ponto de vista psicológico, um dos membros da Sociedade de Paris, o Sr. Desliens, foi por um amigo introduzido na família, a fim de poder dar contas à Sociedade. Eis o resultado de suas observações:
“Quando o pai soube do objetivo de minha visita, disse ele, passou a um quarto, de onde voltou tendo nos braços um ser mais semelhante, pelos traços, a um animal do que a um foco de inteligência. Trouxe igualmente um segundo no mesmo estado de embrutecimento, mas com aparências físicas mais humanas. Nenhum som sensato saía da boca desses infortunados; gritinhos agudos e grunhidos roucos são suas únicas manifestações sonoras. Quase sempre um riso bestial lhes anima a fisionomia. O mais velho chama-se Alfredo e o outro Paulino.
“Alfredo, atualmente com dezessete anos, nasceu com toda a sua inteligência, que se manifestou mesmo com certa precocidade. Aos três anos falava com senso e compreendia os menores sinais. Teve então uma ligeira doença, depois da qual perdeu o uso da palavra e as faculdades mentais. Os tratamentos médicos apenas levaram ao esgotamento das forças vitais, hoje traduzido por um raquitismo absoluto.
“Esse ser, que não tem nem mesmo a aparência de um homem, contudo tem sentimento; ama seus pais e seu irmão, e sabe manifestar simpatia ou repulsa pelos que o rodeiam. Ele compreende tudo o que lhe dizem; em seus olhos brilha a inteligência; procura incessantemente, mas sem resultado, responder quando falam diante dele de coisas que lhe interessam. Tem um medo incontestável da morte e não pode ver um carro mortuário sem procurar esconder-se. Um dia lhe tendo dito sua tia, por brincadeira, que o envenenaria se ele fosse mau, ele compreendeu tão bem que, durante mais de um ano, recusou receber qualquer alimento de suas mãos, embora tenha um apetite extraordinário.
“Paulino, de quinze anos, tem corporalmente uma aparência mais humana. Tem no rosto embrutecido o cunho de um idiotismo absoluto. Contudo ama, mas a isto se limitam suas manifestações exteriores. Ele nasceu igualmente com plena razão, que conservou até os seis anos. Gostava muito do irmão. Com essa idade adoeceu e passou pelas mesmas fases do mais velho. Ultimamente teve uma doença prolongada, depois da qual parece compreender melhor o que lhe dizem. O cura e os padres da paróquia disseram à família que se tratava de possessão do demônio, e que era preciso exorcizar os meninos. Os pais hesitaram. Contudo, fatigados com a insistência daqueles senhores e temendo perder o auxílio que recebiam por causa das crianças, concordaram. Mas então aqueles senhores afirmaram que com efeito teria havido possessão em outra época, mas que hoje não havia mais, e que nada mais podia ser feito. É preciso dizer, em homenagem aos pais, que sua ternura por essas infortunadas criaturas jamais foi desmentida e que elas têm sido constantemente objeto dos mais afetuosos cuidados.”
Os senhores eclesiásticos renunciaram sabiamente ao exorcismo, que apenas teria levado a um fracasso. As crianças não apresentam nenhum dos caracteres da obsessão, no sentido do Espiritismo, e tudo prova que a causa do mal é puramente patológica. Em ambos a idiotia é produzida em consequência de uma doença que, sem dúvida, ocasionou a atrofia dos órgãos da manifestação do pensamento. Mas é fácil ver que, por detrás desse véu, existe um pensamento ativo, que encontra um obstáculo invencível à sua livre expressão. A inteligência dessas crianças, durante os primeiros anos, prova que eles são de Espíritos adiantados, que mais tarde se acharam encerrados em laços muito apertados para que se pudessem manifestar. Num envoltório em condições normais, teriam sido homens inteligentes, e quando a morte os tiver libertado de seus entraves, recuperarão o livre uso de suas faculdades.
Essa constrição imposta a um Espírito deve ter causa moral, providencial, e essa causa deve ser justa, pois que Deus é a fonte de toda justiça. Ora, como esses meninos nada puderam fazer nesta existência que pudesse merecer um castigo qualquer, é forçoso admitir que pagam a dívida de uma existência anterior, a menos que neguemos a justiça de Deus. Eles nos oferecem uma prova da necessidade da reencarnação, essa chave que resolve tantos problemas e que diariamente lança luz sobre tantas questões ainda obscuras.” (Vide O Evangelho segundo o Espiritismo, Cap. V, item 6: Causas anteriores das aflições).
A comunicação seguinte foi dada a propósito desse assunto na Sociedade de Paris, a 7 de julho de 1865 (Médium, Sr. Desliens):
“A perda da inteligência nos dois idiotas dos quais se trata é certamente explicável do ponto de vista científico. Cada um deles teve uma curta doença; pode, pois, concluir-se com razão que os órgãos cerebrais foram afetados. Mas, por que esse acidente ocorreu após a manifestação evidente de todas as suas faculdades, contrariamente ao que, em geral, se passa na idiotia? Repito: Toda a perturbação da inteligência ou das funções orgânicas pode ser explicada fisiologicamente, seja qual for a causa primeira, visto que tendo sido estabelecidas leis pelo Criador para as relações entre a inteligência e os órgãos de transmissão, elas não podem ser derrogadas. A perturbação dessas relações é uma consequência dessas leis, e pode ferir o culpado por suas faltas anteriores: aí está a expiação.
“Por que esses dois seres são feridos juntos? Porque participaram da mesma vida; estavam ligados durante a provação, e devem estar reunidos na vida de expiação.
“Por que sua inteligência a princípio se manifestou, contrariamente ao que ordinariamente acontece em casos semelhantes? Do ponto de vista da intenção providencial, é uma das mil nuanças da expiação, que tem sua razão de ser para o indivíduo, mas cujo motivo muitas vezes seria difícil sondar, pelo simples fato que ele é individual. É preciso aí ver, também, um desses fatos que diariamente vêm confirmar, para o observador atento, as bases da Doutrina Espírita, e sancionar, pela evidência, os princípios da reencarnação.
“Não esqueçais, também, que os pais têm sua parte no que aqui se passa. É para sua ternura por esses seres que não lhes oferecem qualquer compensação, uma grande provação. Eles devem ser felicitados por não haverem falido, porque essa compensação que não encontram neste mundo, encontrá-la-ão mais tarde. Dizeis em vosso íntimo que os cuidados e a afeição que prodigalizam a esses dois pobres seres, bem poderiam ser uma reparação em relação a eles, reparação que o estado de constrangimento da família torna ainda mais meritória.”
Moki
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