Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1866
Versão para cópiaCapítulo XLIX
Julho - Estatística da loucura
Julho
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Estatística da loucura
O Moniteur de 16 de abril de 1866 trazia o relatório quinquenal dirigido ao Imperador, pelo Ministro da Agricultura, do Comércio e dos Trabalhos Públicos, sobre o estado da alienação mental na França. Esse relatório, muito extenso, sábia e conscienciosamente feito, é uma prova da solicitude com que o Governo trata essa grave questão de humanidade. Os preciosos documentos que ela encerra atestam uma observação atenta. Eles nos interessam tanto mais quanto são um desmentido formal e autêntico às acusações lançadas pelos adversários do Espiritismo, por eles designado como causa preponderante da loucura. Dele extraímos as passagens mais importantes.
É verdade que tais documentos constatam um crescimento considerável do número de alienados, mas veremos que isso nada tem a ver com o Espiritismo. Esse número, que nos asilos especiais, em 1835, era de 10.539, em 1861 é de 30.229; é um aumento de 19.700 em 26 anos, ou seja, em média 750 por ano, como se vê no quadro seguinte, a 1º de janeiro de cada ano: 1835 10.539 1842 15.280 1849 20.231 1856 25.4851836 11.091 1843 15.786 1850 20.061 1857 26.3051837 11.429 1844 16.255 1851 21.353 1858 27.0281838 11.982 1845 17.089 1852 22.495 1859 27.878
1839 12.577 1846 18.013
1841 13
O relatório constata, além disso, este fato capital: o aumento foi progressivo, de ano a ano, entre 1835 e 1846, e desde então foi decrescendo, como indica o quadro abaixo:
De 1836 a 1841, crescimento anual de 5,04%
De 1841 a 1846, crescimento anual de 5,94%
De 1846 a 1851, crescimento anual de 3,71% De 1851 a 1856, crescimento anual de 3,87%
De 1856 a 1861, crescimento anual de 3,14%
Diz o senhor Ministro:
“Em face dessa desaceleração, que se verificou também nas admissões, como demonstrarei mais adiante, é provável que o crescimento realmente excepcional da população de nossos asilos em breve cessará.
“O número de doentes que podiam abrigar convenientemente os nossos asilos era, em fins de 1860, de 31.550. O efetivo dos doentes mantidos na mesma época se elevava a 30.239. O número de lugares disponíveis, em consequência, era de apenas 1.321.
“Do ponto de vista da natureza de sua enfermidade, os doentes em tratamento, a 1º de janeiro de cada um dos anos de 1856 a 1861 (únicos anos para os quais a distinção foi feita), assim se classificavam:
Anos Loucos Idiotas Cretinos
1856 22.602 2.840 43
1857 23.283 2.976 46
1858 23.851 3.134 43
1859 24.395 3.443 40
1860 25.147 3.577 37
1861 26.450 3.746 43
“O fato marcante deste quadro é o aumento considerável, em relação aos loucos, do número de idiotas tratados nos asilos. Em cinco anos ele foi de 32%, ao passo que, no mesmo intervalo, o efetivo de loucos elevou-se apenas 14%. Essa diferença é consequência da admissão nos asilos de um grande número de idiotas que antes ficavam no seio das famílias.
“Dividido por sexo, o efetivo da população total dos asilos oferece, a cada ano, um excedente numérico do sexo feminino sobre o masculino. Eis os números constatados para os doentes existentes no fim de cada um dos anos de 1854 a 1860:
Ano Sexo masc. | Sexo fem. |
185412.036 | 12.860 |
1855 12.221 | 13.264 |
1856 12.632 | 13.673 |
1857 12.930 | 14.098 |
1858 13.392 | 14.486 |
1859 13.876 | 14.885 |
1860 14.582 | 15.657 |
“A partir de 1856, os doentes em tratamento nos asilos foram classificados segundo as chances de cura que seu estado parecia oferecer. As cifras abaixo resumem os fatos constatados para a categoria dos loucos em tratamento a 1º de janeiro de cada ano:
Ano Presumidos curáveis Presumidos incuráveis Total
1856 4.404 18.198 22.602
1857 4.389 18.894 23.283
1858 4.266 19.585 24.851
1859 4.613 19.782 24.395
“Assim, mais de quatro quintos dos loucos mantidos em nossos asilos não oferecem nenhuma chance de cura. Esse triste resultado é consequência da incúria ou da ternura cega da maioria das famílias, que se separam o mais tarde possível de seus alienados, isto é, quando seu mal inveterado não deixa nenhuma esperança de cura.
“Sabe-se com que cuidado os médicos de nossos asilos de alienados, no momento da admissão de um doente, procuram determinar a causa de sua loucura, a fim de poder chegar a atacar o mal em seu princípio e então aplicar um remédio apropriado à sua natureza. Por mais escrupulosas, por mais conscienciosas que sejam essas investigações médicas, seus resultados, é preciso não esquecer, estão longe de equivaler a fatos suficientemente estabelecidos. Com efeito, eles não repousam senão em apreciações cuja exatidão pode ficar prejudicada em diversas circunstâncias. É, em primeiro lugar, a extrema dificuldade de descobrir entre as várias influências sofridas pela razão do doente, a causa decisiva, aquela da qual saiu a alienação. Mencionamos, em segundo lugar, a repugnância das famílias em fazer ao médico confidências completas. Talvez se tenha que levar em conta, igualmente, a tendência atual da maioria dos médicos em considerar as causas morais como inteiramente secundárias e acidentais, para, de preferência, atribuir o mal a causas puramente físicas.
“É com base nestas observações que vou abordar o exame dos quadros relativos às causas presumíveis da alienação dos
“A loucura se produz mais sob a influência de causas físicas do que causas morais? Eis os fatos colhidos sobre o assunto – abstraída a hereditariedade - para os loucos admitimos em cada um dos cinco anos do período de 1856 a 1860:
Ano Causas físicas Causas morais
1856 2.730 1.724
1857 3.213 2.171
1858 3.202 2.217
1859 3.277 1.986
1860 3.444 2.259 Totais 15.866 10.357
“Conforme estas cifras, em l.000 casos de loucura, 607 foram atribuídos a causas físicas e 393 a causas morais. A loucura produzir-se-ia, pois, mais frequentemente por influências físicas. Esta observação é comum a um e a outro sexo, com a diferença, entretanto, que para as mulheres o número de casos cuja origem foi atribuída a causas morais é relativamente mais elevado do que para os homens.
“Os
Efeito da idade (demência senil) | 2.098 |
Nudez e miséria | 1.008 |
Onanismo e abusos venéreos | 1.026 |
Excesso alcoólico | 3.455 |
Vício congênito | 474 |
Moléstias próprias da mulher | 1.592 |
Epilepsia | l.498 |
Outras moléstias do sistema nervoso | 1.136 |
Golpes, quedas, ferimentos, etc. | 398 |
Doenças diversas | 2.866 |
Outras causas físicas | l .164 |
Total | 15.866[1] |
Excesso de trabalho intelectual 358
Pesares domésticos 2549
Pesares resultantes da perda da fortuna 851
Pesares resultantes da perda de ente querido 803
Pesares resultantes da ambição insatisfeita 520
Remorso 102
Cólera 123
Alegria 31
Pudor ferido 69
Amor 767
Ciúme 456
Orgulho 368
Acontecimentos políticos 123
Passagem súbita da vida ativa à inativa e vice-versa 82
Isolamento e solidão 115
Prisão simples 113
Prisão celular 26
Nostalgia 78
Sentimento religioso levado ao excesso 1.095
Outras causas morais 1:728
Total 10.357
“Em suma, abstração feita da hereditariedade, resulta das observações colhidas de doentes admitidos em nossos asilos de alienados, durante o período de 1856 a 1860 que, de todas as causas que concorrem para provocar a loucura, a mais comum é o alcoolismo. Vêm a seguir os pesares domésticos, a idade, as doenças de diversos órgãos, a epilepsia, a exaltação religiosa, o onanismo e as privações de toda espécie.
“O quadro seguinte dá o número de paralíticos, epilépticos, surdos-mudos, escrofulosos e escrofulosos da garganta entre os doentes admitidos pela primeira vez de 1856 a 1860:
| Loucos | Idiotas-cretinos |
Paralíticos | 3.775 | 69 |
Epilépticos | 1.763 | 347 |
Surdos-mudos | 133 | 61 |
Escrofulosos | 381 | 146 |
Escrofulosos da garganta (papeira) | 123 | 32 |
“Agora, se pesquisarmos distinguindo os sexos, em que proporções se produzem as curas, anualmente, em relação ao número de doentes tratados, os resultados são os seguintes:
[1] Observar que a soma não confere. Preferimos manter como no original, pois não sabemos se a diferença está nas parcelas ou no total. (N. Editora)
Anos Homens Mulheres Os dois sexos
1854 8,93% 8,65% 8,79%
1855 8,92% 8,81% 8,86%
1856 8,00% 7,69% 7,83%
1857 8,11% 7,45% 7,62%
1858 8,02% 6,74% 7,37%
1859 7,69% 6,71% 7,19%
1860 7,05% 6,95% 7,00%
“Vê-se que, se a loucura é curável, o número proporcional das curas é ainda muito restrito, malgrado os melhoramentos de toda natureza levados ao tratamento dos doentes e a adequação dos asilos. De 1856 a 1860, a proporção média das curas foi, para os loucos de ambos os sexos, em conjunto, de 8,24% dos doentes tratados. É apenas 1/12 (um doze avos). Essa proporção seria muito mais elevada se as famílias não praticassem o grave erro de não se separar de seus alienados senão quando a doença já fez progressos inquietantes.
“Um fato digno de nota é que o número proporcional de homens curados excede, anualmente, o das mulheres. Em 100 loucos tratados, de 1856 a 1860, contaram-se, em média, 8,69 curas para homens e apenas 7,81 para mulheres, ou seja, cerca de um nono a mais para os alienados do sexo masculino.
“Entre os
Causas físicas 5.253 curados
Causas morais
Total 9.789
“Representando por 1.000 esse número total, constata-se que em 536 doentes curados, a loucura tinha sobrevindo devido a causas físicas e em 464 devido a causas morais. Essas proporções numéricas diferem muito sensivelmente das precedentemente constatadas, no que concerne às admissões de 1856 a 1860, ocasião em que se contaram, em 1.000 admitidos, 393 doentes, apenas, cuja loucura tinha uma causa moral, de onde resulta que, nessa categoria de doentes, as curas obtidas teriam sido relativamente mais numerosas que entre aqueles cuja loucura teve uma causa física.
“Quase metade dos casos curados, para os quais a causa do mal foi colhida, eram devidos às seguintes circunstâncias: alcoolismo 1.738; pesares domésticos
“Em 1.522 doentes curados, constatou-se uma predisposição hereditária. É uma proporção de 15% em relação à cifra dos loucos curados”
Desses documentos resulta, em primeiro lugar, que o aumento da loucura constatado desde 1835 é aproximadamente vinte anos anterior ao aparecimento do Espiritismo na França, onde não se ocuparam das mesas girantes mais como divertimento do que como coisa séria senão a partir de 1852, e da parte filosófica senão a partir de 1857. Em segundo lugar, esse aumento seguiu, ano a ano, uma marcha ascendente de 1835 a 1846; de 1847 a 1861 ela foi diminuindo de ano a ano, e a diminuição foi a mais forte de 1856 a 1861, precisamente no período em que o Espiritismo iniciava o seu desenvolvimento. Ora, também foi precisamente nessa época que foram publicadas brochuras e que os jornais se apressaram em repetir que as casas de alienados estavam cheias de loucos espíritas, a tal ponto que várias tinham sido obrigadas a aumentar as suas construções; que ali se contavam, ao todo, mais de quarenta mil. Como podia haver ali mais de 40.000, se o relatório constata um número máximo de 30.339? Em que fonte mais exata que a das autoridades aqueles senhores tomaram os seus dados? Eles provocavam um inquérito: eilo feito tão minuciosamente quanto possível, e se vê se ele lhes dá razão.
O que igualmente ressalta do relatório é o número de idiotas e de cretinos que entra com uma parte considerável no cômputo geral, e o aumento anual desse número, que não pode, evidentemente, ser atribuído ao Espiritismo.
Quanto às causas predominantes da loucura, elas foram, como se vê, minuciosamente estudadas, entretanto o Espiritismo aí não figura nem nominalmente nem por alusão. Teria ele passado desapercebido se, como pretendem alguns, ele sozinho tivesse povoado os hospícios?
Não pensamos que se atribua ao ministro o pensamento de ter querido poupar os espíritas abstendose de mencioná-los, se ele tinha lugar para fazê-lo. Em todo caso, certas cifras viriam refutar qualquer preponderância do Espiritismo no estado das coisas. Se fosse de outro modo, as causas morais superariam em número as causas físicas, ao passo que o contrário é o que se verifica. A quantidade de alienados considerados incuráveis não seria quatro e cinco vezes maior que a dos presumivelmente curáveis, e o relatório não diria que quatro quintos dos loucos mantidos nos asilos não oferecem qualquer chance de cura.
Enfim, em face do desenvolvimento que diariamente toma o Espiritismo, o ministro não diria que, em razão do retardamento que se produziu, é provável que o aumento inteiramente excepcional na população dos asilos em breve será detido.
Em resumo, esse relatório é a mais peremptória resposta que se pode dar aos que acusam o Espiritismo de ser a causa preponderante da loucura. Aqui não são hipóteses nem raciocínios, são números autênticos em contraposição a números fantasiosos; fatos materiais em contraposição a alegações mentirosas de seus detratores interessados em desacreditá-lo perante a opinião pública.