Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1866
Versão para cópiaCapítulo LXXVIII
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Senhorita Dumesnil, jovem atraente
Vários jornais falaram de uma jovem dotada da singular faculdade de atrair a si os móveis e outros objetos que estejam a uma certa distância e de erguer, pelo simples contato, uma cadeira na qual esteja sentada uma pessoa. O Petit Journal de 4 de novembro trazia, sobre o caso, o artigo seguinte:
“A pega branca de Dinan não é mais surpreendente, como fenômeno, do que a senhorita magnética indicada na correspondência seguinte.
“Senhor,
“Venho assinalar-vos um fato que poderia apresentar muito interesse aos vossos leitores. Se quiserdes ter o trabalho de verificá-lo, nele encontrareis amplo material para numerosos artigos.
“Uma jovem, a senhorita Dumesnil, de treze anos, possui um fluido de uma força atrativa extraordinária, que faz virem a ela todos os objetos de madeira que a cercam. Assim, as cadeiras, as mesas e tudo quanto é de madeira se dirige instantaneamente para ela. Esta faculdade se revelou nela há cerca de três semanas. Até o presente este fenômeno extraordinário e ainda não explicado só se manifestou às pessoas do círculo da moça, os vizinhos, etc., que constataram o fato há poucos dias. A faculdade surpreendente da senhorita espalhou-se, e disseram-me que ela está em vias de tratar com um empresário que se propõe exibir publicamente o fenômeno.
“Ontem ela foi à casa de um grande personagem a quem a indicaram; a publicidade não tardará em apoderar-se de tal acontecimento, e eu me apresso em vos prevenir, para que tenhais a primazia.
“Esta jovem dedica-se ao trabalho de polidora e mora com seus pais, que são gente pobre.
“Na esperança de que nos explicareis este mistério inexplicável, peço-vos recebais minhas saudações muito sinceras.”
BRUNET
Empregado na Casa Christofle, Rua de Bondy, 56.
“Não sei mais do que vós, meu caro correspondente, em assunto de ciência magnética, e olho como simples curiosidade vossa encantadora do carvalho, da faia e do acaju, a quem aconselho, neste inverno, não queimar na lareira... senão carvão...”
Eis um fenômeno certamente estranho, muito digno de atenção, e que deve ter uma causa. Se for constatado que não se trata de nenhum subterfúgio, o que é fácil constatar, e se as leis conhecidas são impotentes para explicá-lo, é evidente que ele revela a existência de uma nova força. Ora, a descoberta de um princípio novo pode ser fecunda em resultados. O que é pelo menos tão surpreendente quanto este fenômeno é ver homens inteligentes não terem por semelhantes fatos senão uma desdenhosa indiferença e piadas de mau gosto. Entretanto, não se trata nem de Espíritos nem de Espiritismo. Que convicção esperar de pessoas que não têm nenhuma, que não a buscam e não a desejam? Que estudo sério é possível esperar disto? Esforçar-se por convencê-los não é perder tempo, usar inutilmente forças que poderiam ser melhor empregadas com os homens de boa vontade, que não faltam? Temos dito sempre: Com as pessoas que têm ideias preconcebidas, que não querem ver nem ouvir, o que há de melhor a fazer é deixá-las tranquilas e lhes provar que não precisamos delas. Se alguma coisa deve triunfar de sua incredulidade, os Espíritos saberão bem encontrá-la e empregá-la quando chegar o momento.
Para voltar ao caso da moça, seus pais, que estão numa posição precária, vendo a sensação que ela produzia e o concurso de pessoas notáveis que ela atraía, sem dúvida imaginaram que para eles havia uma fonte de fortuna. Não nos cabe criticá-los, porque, ignorando até mesmo o nome do Espiritismo e dos médiuns, eles não podiam compreender as consequências de uma exploração desse gênero. Sua filha era para eles um fenômeno; resolveram, pois, instalá-la nos bulevares, entre os outros fenômenos. Fizeram melhor; instalaram-na no Grand-Hotel, lugar mais conveniente para a aristocracia produtiva. Mas, ah! Os sonhos dourados logo se desvaneceram. Os fenômenos não se produziam mais senão em raros momentos e de maneira tão irregular que foi preciso abandonar quase que imediatamente a esplêndida instalação e voltar ao atelier. Exibir uma faculdade tão caprichosa que falha justamente no momento em que os espectadores que pagaram suas entradas estão reunidos e esperam que lha deem por seu dinheiro! Como fenômeno, mais vale, para especulação, ter um menino com duas cabeças, porque pelo menos ele sempre ali está. Que fazer se eles não têm cordões para substituir os atores invisíveis? A atitude mais honrosa é retirar-se. Contudo, parece, conforme uma carta publicada num jornal, que a menina não perdeu inteiramente o seu poder, mas ele está sujeito a tais intermitências que se torna difícil captar o momento favorável.
Um de nossos amigos, espírita esclarecido e profundo observador, pôde testemunhar o fenômeno e ficou mediocremente satisfeito com o resultado. Disse-nos ele: “Creio na sinceridade dessas pessoas, mas para os incrédulos o efeito não se produz, neste momento, em condições a desafiar suspeitas. Sabendo que a coisa é possível, não nego; constato minhas impressões. Como apanhei supostos médiuns de efeitos físicos em flagrante delito de fraude, dei-me conta das manobras pelas quais certos efeitos podem ser simulados, enganando as pessoas que não conhecem as condições dos efeitos reais, de sorte que não afirmo senão com conhecimento de causa, não confiando em meus olhos. No próprio interesse do Espiritismo, meu primeiro cuidado é examinar se a fraude é possível, com auxílio de habilidade, ou se o efeito pode ser devido a uma causa material vulgar. Ademais, lá é proibido ser espírita, agir pelos Espíritos e até neles acreditar.”
Vale observar que desde a desventura dos irmãos Davenport, todos os exibidores de fenômenos extraordinários rejeitam qualquer participação dos Espíritos em seus negócios, e fazem bem, porque o Espiritismo só tem a ganhar em não ser envolvido nessas exibições. É um serviço a mais, prestado por esses senhores, porque não é por tais meios que o Espiritismo recrutará prosélitos.
Uma outra observação é que toda vez que se trata de alguma manifestação espontânea ou de um fenômeno qualquer atribuído a uma causa oculta, eles geralmente contratam como peritos certas pessoas, às vezes sábios, que não sabem o a-bê-cê do que devem observar e que vêm com uma ideia preconcebida de negação. A quem encarregam de decidir se há ou não intervenção dos Espíritos ou uma causa espiritual? Precisamente aos que negam a espiritualidade, que não creem nos Espíritos e não querem que eles existam. Tem-se certeza prévia de sua resposta. Eles evitam ouvir o conselho de quem quer que seja apenas suspeito de acreditar no Espiritismo, porque, em primeiro lugar, seria dar crédito à coisa, e em segundo lugar, eles temeriam uma solução contrária ao que eles querem. Eles não se dão conta que só um espírita esclarecido é apto a julgar as circunstâncias em que os fenômenos espíritas podem produzir-se, como só um químico é apto a conhecer a composição de um corpo, e que a este respeito, os espíritas são mais cépticos do que muita gente; que longe de acreditar, por complacência, num fenômeno apócrifo, eles têm o maior interesse em o assinalar como tal e desmascarar a fraude.
Contudo, disto ressalta uma instrução: a própria irregularidade dos fatos é uma prova de sinceridade; se eles fossem o resultado de qualquer meio artificial, produzir-se-iam na hora desejada. É a reflexão que leva um jornalista convidado a ir ao Grand-Hotel. Havia naquele dia alguns convidados notáveis e, a despeito de duas horas de espera, a moça não conseguiu o menor efeito. “A pobre menina,” disse o jornalista, “estava desolada, e seu rosto traía a inquietude”. “Tranquilize-se,” disse-lhe ele, “não só este insucesso não me desencoraja, mas me leva a crer que o seu relato é sincero. Se houvesse algum charlatanismo ou truque de sua parte, o seu golpe não teria falhado. Eu voltarei amanhã”. Com efeito, voltou cinco vezes seguidas, sem mais resultados. Na sexta vez ela tinha deixado o hotel. “De onde concluo”, acrescenta o jornalista, “que a pobre senhorita Dumesnil, depois de haver construído belos castelos à custa de suas virtudes eletromagnéticas, teve que retomar seu lugar nos ateliers de polimento do Sr. Ruolz.”
Tendo sido constatados os fatos, é certo que havia nela uma disposição orgânica especial que se prestava a esse gênero de fenômenos; mas, de lado qualquer subterfúgio, é certo que se sua faculdade dependesse só do seu organismo, ela a teria à sua disposição, como se dá com um peixe-elétrico. Considerando-se que sua vontade, seu mais ardente desejo, era impotente para produzir o fenômeno, havia, então, no fato uma causa que lhe era estranha. Qual é esta causa? Evidentemente a que rege todos os fenômenos mediúnicos: o concurso dos Espíritos, sem o qual os médiuns melhor dotados nada obtêm. A senhorita Dumesnil é um exemplo de que eles não estão às ordens de ninguém. Por mais efêmera que tenha sido a sua faculdade, ela fez mais para a convicção de certas pessoas do que se tivesse produzido em dias e horas fixas, ao seu comando, diante do público, como nos golpes de prestidigitação.
É verdade que nada atesta de maneira ostensiva a intervenção dos Espíritos nesta circunstância, porque não há efeitos inteligentes, a não ser a impotência da moça de agir à sua vontade. A faculdade, como em todos os efeitos mediúnicos, é inerente a ela; o exercício da faculdade pode depender de uma vontade estranha. Mas, mesmo admitindo que aí não haja Espíritos, não deixa de ser um fenômeno destinado a chamar a atenção para as forças fluídicas que regem o nosso organismo, e que tanta gente se obstina em negar.
Se essa força fosse aqui puramente elétrica, denotaria, contudo, uma importante modificação na eletricidade, porquanto ela age sobre a madeira, com exclusão dos metais. Só isto valeria muito a pena ser estudado.
Vários jornais falaram de uma jovem dotada da singular faculdade de atrair a si os móveis e outros objetos que estejam a uma certa distância e de erguer, pelo simples contato, uma cadeira na qual esteja sentada uma pessoa. O Petit Journal de 4 de novembro trazia, sobre o caso, o artigo seguinte:
“A pega branca de Dinan não é mais surpreendente, como fenômeno, do que a senhorita magnética indicada na correspondência seguinte.
“Senhor,
“Venho assinalar-vos um fato que poderia apresentar muito interesse aos vossos leitores. Se quiserdes ter o trabalho de verificá-lo, nele encontrareis amplo material para numerosos artigos.
“Uma jovem, a senhorita Dumesnil, de treze anos, possui um fluido de uma força atrativa extraordinária, que faz virem a ela todos os objetos de madeira que a cercam. Assim, as cadeiras, as mesas e tudo quanto é de madeira se dirige instantaneamente para ela. Esta faculdade se revelou nela há cerca de três semanas. Até o presente este fenômeno extraordinário e ainda não explicado só se manifestou às pessoas do círculo da moça, os vizinhos, etc., que constataram o fato há poucos dias. A faculdade surpreendente da senhorita espalhou-se, e disseram-me que ela está em vias de tratar com um empresário que se propõe exibir publicamente o fenômeno.
“Ontem ela foi à casa de um grande personagem a quem a indicaram; a publicidade não tardará em apoderar-se de tal acontecimento, e eu me apresso em vos prevenir, para que tenhais a primazia.
“Esta jovem dedica-se ao trabalho de polidora e mora com seus pais, que são gente pobre.
“Na esperança de que nos explicareis este mistério inexplicável, peço-vos recebais minhas saudações muito sinceras.”
BRUNET
Empregado na Casa Christofle, Rua de Bondy, 56.
“Não sei mais do que vós, meu caro correspondente, em assunto de ciência magnética, e olho como simples curiosidade vossa encantadora do carvalho, da faia e do acaju, a quem aconselho, neste inverno, não queimar na lareira... senão carvão...”
Eis um fenômeno certamente estranho, muito digno de atenção, e que deve ter uma causa. Se for constatado que não se trata de nenhum subterfúgio, o que é fácil constatar, e se as leis conhecidas são impotentes para explicá-lo, é evidente que ele revela a existência de uma nova força. Ora, a descoberta de um princípio novo pode ser fecunda em resultados. O que é pelo menos tão surpreendente quanto este fenômeno é ver homens inteligentes não terem por semelhantes fatos senão uma desdenhosa indiferença e piadas de mau gosto. Entretanto, não se trata nem de Espíritos nem de Espiritismo. Que convicção esperar de pessoas que não têm nenhuma, que não a buscam e não a desejam? Que estudo sério é possível esperar disto? Esforçar-se por convencê-los não é perder tempo, usar inutilmente forças que poderiam ser melhor empregadas com os homens de boa vontade, que não faltam? Temos dito sempre: Com as pessoas que têm ideias preconcebidas, que não querem ver nem ouvir, o que há de melhor a fazer é deixá-las tranquilas e lhes provar que não precisamos delas. Se alguma coisa deve triunfar de sua incredulidade, os Espíritos saberão bem encontrá-la e empregá-la quando chegar o momento.
Para voltar ao caso da moça, seus pais, que estão numa posição precária, vendo a sensação que ela produzia e o concurso de pessoas notáveis que ela atraía, sem dúvida imaginaram que para eles havia uma fonte de fortuna. Não nos cabe criticá-los, porque, ignorando até mesmo o nome do Espiritismo e dos médiuns, eles não podiam compreender as consequências de uma exploração desse gênero. Sua filha era para eles um fenômeno; resolveram, pois, instalá-la nos bulevares, entre os outros fenômenos. Fizeram melhor; instalaram-na no Grand-Hotel, lugar mais conveniente para a aristocracia produtiva. Mas, ah! Os sonhos dourados logo se desvaneceram. Os fenômenos não se produziam mais senão em raros momentos e de maneira tão irregular que foi preciso abandonar quase que imediatamente a esplêndida instalação e voltar ao atelier. Exibir uma faculdade tão caprichosa que falha justamente no momento em que os espectadores que pagaram suas entradas estão reunidos e esperam que lha deem por seu dinheiro! Como fenômeno, mais vale, para especulação, ter um menino com duas cabeças, porque pelo menos ele sempre ali está. Que fazer se eles não têm cordões para substituir os atores invisíveis? A atitude mais honrosa é retirar-se. Contudo, parece, conforme uma carta publicada num jornal, que a menina não perdeu inteiramente o seu poder, mas ele está sujeito a tais intermitências que se torna difícil captar o momento favorável.
Um de nossos amigos, espírita esclarecido e profundo observador, pôde testemunhar o fenômeno e ficou mediocremente satisfeito com o resultado. Disse-nos ele: “Creio na sinceridade dessas pessoas, mas para os incrédulos o efeito não se produz, neste momento, em condições a desafiar suspeitas. Sabendo que a coisa é possível, não nego; constato minhas impressões. Como apanhei supostos médiuns de efeitos físicos em flagrante delito de fraude, dei-me conta das manobras pelas quais certos efeitos podem ser simulados, enganando as pessoas que não conhecem as condições dos efeitos reais, de sorte que não afirmo senão com conhecimento de causa, não confiando em meus olhos. No próprio interesse do Espiritismo, meu primeiro cuidado é examinar se a fraude é possível, com auxílio de habilidade, ou se o efeito pode ser devido a uma causa material vulgar. Ademais, lá é proibido ser espírita, agir pelos Espíritos e até neles acreditar.”
Vale observar que desde a desventura dos irmãos Davenport, todos os exibidores de fenômenos extraordinários rejeitam qualquer participação dos Espíritos em seus negócios, e fazem bem, porque o Espiritismo só tem a ganhar em não ser envolvido nessas exibições. É um serviço a mais, prestado por esses senhores, porque não é por tais meios que o Espiritismo recrutará prosélitos.
Uma outra observação é que toda vez que se trata de alguma manifestação espontânea ou de um fenômeno qualquer atribuído a uma causa oculta, eles geralmente contratam como peritos certas pessoas, às vezes sábios, que não sabem o a-bê-cê do que devem observar e que vêm com uma ideia preconcebida de negação. A quem encarregam de decidir se há ou não intervenção dos Espíritos ou uma causa espiritual? Precisamente aos que negam a espiritualidade, que não creem nos Espíritos e não querem que eles existam. Tem-se certeza prévia de sua resposta. Eles evitam ouvir o conselho de quem quer que seja apenas suspeito de acreditar no Espiritismo, porque, em primeiro lugar, seria dar crédito à coisa, e em segundo lugar, eles temeriam uma solução contrária ao que eles querem. Eles não se dão conta que só um espírita esclarecido é apto a julgar as circunstâncias em que os fenômenos espíritas podem produzir-se, como só um químico é apto a conhecer a composição de um corpo, e que a este respeito, os espíritas são mais cépticos do que muita gente; que longe de acreditar, por complacência, num fenômeno apócrifo, eles têm o maior interesse em o assinalar como tal e desmascarar a fraude.
Contudo, disto ressalta uma instrução: a própria irregularidade dos fatos é uma prova de sinceridade; se eles fossem o resultado de qualquer meio artificial, produzir-se-iam na hora desejada. É a reflexão que leva um jornalista convidado a ir ao Grand-Hotel. Havia naquele dia alguns convidados notáveis e, a despeito de duas horas de espera, a moça não conseguiu o menor efeito. “A pobre menina,” disse o jornalista, “estava desolada, e seu rosto traía a inquietude”. “Tranquilize-se,” disse-lhe ele, “não só este insucesso não me desencoraja, mas me leva a crer que o seu relato é sincero. Se houvesse algum charlatanismo ou truque de sua parte, o seu golpe não teria falhado. Eu voltarei amanhã”. Com efeito, voltou cinco vezes seguidas, sem mais resultados. Na sexta vez ela tinha deixado o hotel. “De onde concluo”, acrescenta o jornalista, “que a pobre senhorita Dumesnil, depois de haver construído belos castelos à custa de suas virtudes eletromagnéticas, teve que retomar seu lugar nos ateliers de polimento do Sr. Ruolz.”
Tendo sido constatados os fatos, é certo que havia nela uma disposição orgânica especial que se prestava a esse gênero de fenômenos; mas, de lado qualquer subterfúgio, é certo que se sua faculdade dependesse só do seu organismo, ela a teria à sua disposição, como se dá com um peixe-elétrico. Considerando-se que sua vontade, seu mais ardente desejo, era impotente para produzir o fenômeno, havia, então, no fato uma causa que lhe era estranha. Qual é esta causa? Evidentemente a que rege todos os fenômenos mediúnicos: o concurso dos Espíritos, sem o qual os médiuns melhor dotados nada obtêm. A senhorita Dumesnil é um exemplo de que eles não estão às ordens de ninguém. Por mais efêmera que tenha sido a sua faculdade, ela fez mais para a convicção de certas pessoas do que se tivesse produzido em dias e horas fixas, ao seu comando, diante do público, como nos golpes de prestidigitação.
É verdade que nada atesta de maneira ostensiva a intervenção dos Espíritos nesta circunstância, porque não há efeitos inteligentes, a não ser a impotência da moça de agir à sua vontade. A faculdade, como em todos os efeitos mediúnicos, é inerente a ela; o exercício da faculdade pode depender de uma vontade estranha. Mas, mesmo admitindo que aí não haja Espíritos, não deixa de ser um fenômeno destinado a chamar a atenção para as forças fluídicas que regem o nosso organismo, e que tanta gente se obstina em negar.
Se essa força fosse aqui puramente elétrica, denotaria, contudo, uma importante modificação na eletricidade, porquanto ela age sobre a madeira, com exclusão dos metais. Só isto valeria muito a pena ser estudado.
Revista da imprensa relativa ao Espiritismo
Por mais que digam e façam, as ideias espíritas estão no ar; vêm à luz de qualquer maneira, na forma de romances ou de pensamentos filosóficos, e a imprensa as acolhe desde que não seja pronunciado o nome Espiritismo. Não poderíamos citar todos os pensamentos que ela registra diariamente, assim fazendo Espiritismo sem saber. Que importa o nome, se a coisa aí está? Um dia esses senhores ficarão muito admirados de haver feito Espiritismo, como o Sr. Jourdain ficou por ter falado em prosa. Muita gente anda ao lado do Espiritismo sem o suspeitar; estão na fronteira, quando se julgam bem longe. Com exceção dos materialistas puros, que certamente são minoria, podemos dizer que as ideias da filosofia espírita correm o mundo; o que muitos ainda repelem são as manifestações mediúnicas, uns por sistema, outros porque, tendo observado mal, sofreram decepções; mas como as manifestações são fatos, mais cedo ou mais tarde terão que aceitá-las. Eles se negam a ser espíritas unicamente pela ideia falsa que ligam a essa palavra. Que aqueles que aí não chegam pela porta larga, aí cheguem pela lateral, o resultado é o mesmo; hoje o impulso está dado e o movimento não pode ser detido.
Por outro lado, como é anunciado, uma porção de fenômenos se produzem, que parecem afastar-se das leis comuns e atordoam a Ciência, na qual em vão buscam a sua explicação; passá-los em silêncio, quando têm certa notoriedade, seria difícil. Ora, esses fenômenos, que se apresentam sob os mais variados aspectos, à força de se multiplicarem, acabam despertando a atenção e pouco a pouco familiarizam com a ideia de uma força espiritual fora das forças materiais. É sempre um meio de chegar ao objetivo. Os Espíritos batem de todos os lados e de mil maneiras diferentes, de sorte que os golpes sempre alcançam uns ou outros.
Entre os pensamentos espíritas que encontramos em diversos jornais, citaremos os seguintes:
No discurso pronunciado a 11 de novembro último pelo Sr. Eichthal, um dos redatores do Temps, no túmulo do Sr. Charles Duveyrier, assim se exprime o orador:
“Duveyrier morreu numa calma profunda, cheio de confiança em Deus e de fé na eternidade da vida, orgulhoso de seus longos anos consagrados à elaboração e ao desenvolvimento de uma crença que deve resgatar todos os homens da miséria, da desordem e da ignorância, certo de haver pago a sua dívida, de ter dado à geração que o segue mais do que tinha recebido da que o precedeu. Parou como um valente operário, acabada a sua tarefa, deixando a outros o trabalho de continuá-la.
“Se seus despojos mortais não atravessaram os templos consagrados para chegar ao campo de repouso, não foi por um injusto desdém contra as crenças imortais, mas é que nenhuma das fórmulas que tivessem sido pronunciadas sobre seus despojos teriam dado a ideia que ele fazia da vida futura. Duveyrier não desejava, não acreditava ir para o Céu gozar de uma beatitude pessoal sem fim, enquanto a maioria dos homens ficaria condenada a sofrimentos sem esperança. Cheio de Deus e vivendo em Deus, mas ligado à Humanidade, é no seio da Humanidade que ele esperava reviver para concorrer eternamente nessa obra de progresso que a aproxima incessantemente do ideal divino.” ─ (O Temps, 14 de novembro de 1866).
O Sr. Duveyrier tinha feito parte da seita sansimonista. É a crença da qual falamos acima, a cujo desenvolvimento ele tinha consagrado vários anos de sua vida; mas as suas ideias sobre o futuro da alma, como se vê, aproximavam-se muito das que a Doutrina Espírita ensina. Contudo, não se deve inferir das palavras: “É no seio da Humanidade que ele esperava reviver” que ele acreditasse na reencarnação. Sobre este ponto ele não tinha qualquer ideia definida; entendia por isto que a alma, em vez de se perder no infinito, ou ser absorvida numa beatitude inútil, ficava na esfera da Humanidade, a cujo progresso concorria por sua influência. Mas esta ideia é precisamente o que também ensina o Espiritismo; é a do mundo invisível que nos rodeia. As almas vivem em meio a nós como vivemos em meio a elas. O Sr. Duveyrier era, pois, ao contrário da maioria de seus confrades da imprensa, não só profundamente espiritualista, mas três quartas partes espírita. O que lhe faltava para ser completamente espírita? Provavelmente ter sabido o que era o Espiritismo, porque lhe possuía as bases fundamentais: a crença em Deus, na individualidade da alma, na sua sobrevivência e na sua imortalidade, em sua presença no meio dos homens após a morte e em sua ação sobre eles. O que diz a mais o Espiritismo? Que essas mesmas almas revelam sua presença por uma ação direta, e que estamos incessantemente em comunicação com elas. Vem provar pelos fatos o que no Sr. Duveyrier e em muitos outros não estava senão no estado de teoria e de hipótese.
Concebe-se que aqueles que só acreditam na matéria tangível repilam tudo, mas é mais surpreendente ver espiritualistas rejeitando a prova do que constitui o fundo de sua crença. Aquele que assim relatava os pensamentos do Sr. Duveyrier sobre o futuro da alma, o Sr. Eichthal, seu amigo e seu correligionário em sansimonismo, que provavelmente partilhava até certo ponto das suas opiniões, não é menos adversário declarado do Espiritismo do que ele. Ele quase não suspeitava que o que dizia em louvor do Sr. Duveyrier não era nada mais nada menos que uma profissão de fé espírita.
As palavras seguintes, do Sr. Louis Jourdan, do Siècle, a seu filho, foram reproduzidas pelo Petit Journal de 3 de setembro de 1866.
“Eu te sinto vivo, de uma vida superior à minha, meu Prosper, e quando soar a minha última hora, eu me consolarei em deixar os que amamos juntos, pensando que vou encontrar-te e unir-me a ti. Sei que esta consolação não me virá sem esforços; sei que será preciso conquistá-la trabalhando corajosamente por meu próprio melhoramento, como pelo dos outros; farei pelo menos tudo quanto estiver ao meu alcance para merecer a recompensa que ambiciono: reencontrar-te. Tua lembrança é o farol que nos guia e o ponto de apoio que nos sustenta através das trevas que nos envolvem. Percebemos um ponto luminoso na direção do qual avançamos resolutamente; esse ponto é aquele onde vives, meu filho, em companhia de todos aqueles que amei aqui embaixo e que partiram antes de mim para sua vida nova.”
Que de mais profundamente espírita do que estas suaves e tocantes palavras! O Sr. Louis Jourdan está ainda mais perto do Espiritismo que o Sr. Duveyrier, porque há muito tempo crê na pluralidade das existências terrenas, como se pôde ver pela citação que fizemos na Revista de dezembro de 1862. Ele aceita a filosofia espírita, mas não o fato das manifestações, que não repele absolutamente, mas sobre o qual não está suficientemente esclarecido. É, entretanto, um fenômeno bastante sério quanto às suas consequências, porque só ele pode explicar tantas coisas incompreensíveis que se passam aos nossos olhos, para merecer ser aprofundado por um observador como ele; porque se as relações entre o mundo visível e o mundo invisível existem, é toda uma revolução nas ideias, nas crenças, na filosofia; é a luz projetada sobre uma porção de questões obscuras; é o aniquilamento do materialismo; é, enfim, a sanção de suas mais caras esperanças em relação a seu filho. Que elementos os homens que se fazem campeões das ideias progressistas e emancipadoras colheriam na doutrina se soubessem tudo quanto ela encerra para o futuro! Não resta dúvida que surgirão aqueles que compreenderão o poder desta alavanca e saberão dela tirar proveito!
O Événement de 4 de novembro último relatava a seguinte anedota concernente ao célebre compositor Glück. Quando da primeira representação de Ifigênia, a 19 de abril de 1774, a que assistiam Luís XVI e a rainha Maria Antonieta, esta quis, em pessoa, coroar seu antigo professor de música. Depois da representação, chamado ao camarote do rei, Glück ficou de tal modo comovido que não pôde proferir uma palavra e apenas teve forças para agradecer à rainha com o olhar. Vendo Maria Antonieta, que naquela noite usava um colar de rubis, Glück inteiriçou-se:
─ Grande Deus! exclamou ele, salvai a rainha! Salvai a rainha! Sangue! Sangue!
─ Onde? perguntaram de todos os lados.
─ Sangue! Sangue! No pescoço! gritou o músico.
Maria Antonieta estava trêmula.
─ Depressa, um médico, disse ela, meu pobre Glück está enlouquecendo.
O músico tinha caído numa poltrona.
─ Sangue! Sangue, murmurava ele... Salvai a arquiduquesa Maria... Salvai a rainha!
─ O infeliz maestro toma o vosso colar por sangue, disse o rei a Maria Antonieta. Ele tem febre.
A rainha levou a mão ao pescoço, arrancou o colar e tomada de terror atirou-o longe. Levaram Glück desfalecido.
O autor do artigo termina assim:
Eis, caro leitor, a história que me contou na ópera o músico alemão, e que reli no dia seguinte numa biografia do imortal autor de Alceste. É verdadeira? É fantasia? Ignoro-o. Mas não seria possível que homens de gênio, cujo espírito elevado plana acima da Humanidade, tivessem, em certas horas de inspiração, essa faculdade misteriosa que se chama a segunda vista? (Albert Wolff).
O Sr. Albert Wolff arremessou mais de uma flecha no Espiritismo e nos espíritas, e eis que ele próprio admite a possibilidade da segunda vista, e mais do que isto, a previsão pela segunda vista. Provavelmente ele não se dá conta a que consequências conduz o reconhecimento de tal faculdade. Mais um que se acotovela com o Espiritismo sem se aperceber, sem talvez ousar confessá-lo, e que nem por isso deixa de atirar pedras contra ele. Se lhe dissessem que é espírita, ele daria pulos, indignado, exclamando: Eu! Crer nos irmãos Davenport! Porque, para a maioria desses senhores, o Espiritismo está todo inteiro no golpe das cordas. Lembramo-nos que um deles, a quem um correspondente censurava por falar do Espiritismo sem conhecê-lo, respondeu em seu jornal: “Enganai-vos. Eu estudei o Espiritismo na escola dos irmãos Davenport, e a prova é que isto me custou l5 francos.” Cremos haver citado o fato nalguma parte da Revista. Que se lhes pode mais pedir? Eles não sabem mais do que isso.
O Siècle de 27 de agosto de 1866 citava as seguintes palavras da Sra. George Sand, a propósito da morte do Sr. Ferdinand Pajot:
“A morte do Sr. Ferdinand Pajot é um fato dos mais dolorosos e lamentáveis. Esse jovem, dotado de notável beleza e pertencente a excelente família, era, além disso, um homem de coração e de ideias generosas. Pudemos mesmo apreciá-lo, cada vez que invocamos a sua caridade para os pobres do nosso círculo. Dava largamente, mais largamente talvez do que o autorizavam os seus recursos, e dava com espontaneidade, com confiança, com alegria. Ele era sincero, independente, bom como um anjo. Casado há pouco com uma jovem encantadora, será lamentado como o merece. Depois desta cruel morte, devo dar-lhe uma terna e maternal bênção: ilusão, se quiserem, mas creio que entramos melhor na vida que se segue a esta quando aí chegamos escoltados pela estima e a afeição dos que acabamos de deixar.”
A Sra. Sand é ainda mais explícita em seu livro Mademoiselle de la Quintinie. Na página 318 lê-se: “Senhor padre, quando quiserdes que demos um passo para a vossa igreja, começai por nos fazer ver um concílio reunido e decretando que o inferno das penas eternas é uma mentira e uma blasfêmia, e tereis o direito de exclamar: ‘Vinde a nós vós todos que quereis conhecer Deus.’
Na página 320: “Pedir a Deus para extinguir nossos sentidos, para endurecer o nosso coração, para tornarmos odiosos os mais sagrados laços, é pedir-lhe que renegue e destrua a sua obra; é pedir que ele volte sobre seus passos, fazendo-nos voltar nós mesmos, fazendo-nos retrogradar para as existências inferiores, abaixo do animal, abaixo da planta, talvez abaixo do mineral.”
Na página 323: “Entretanto, seja qual for a vossa sorte entre nós, vereis claro um dia além da tumba, e como não creio mais nos castigos sem fim, bem como nas provações sem fruto, anuncio-vos que nos encontraremos em qualquer parte onde nos entenderemos melhor e onde nos amaremos em vez de nos combatermos; mas, como vós, não creio na impunidade do mal e na eficácia do erro. Creio, pois, que expiareis o endurecimento do vosso coração por grandes dilacerações de coração numa outra existência.”
Ao lado destes pensamentos eminentemente espíritas, aos quais só falta o nome que se obstinam em lhes recusar, por vezes se encontram outros, um pouco menos sérios, que lembram o belo tempo das troças mais ou menos espirituosas sob as quais pensavam que poderiam sufocar o Espiritismo. Pode-se julgar pelas amostras seguintes, que são como os foguetes perdidos do fogo de artifício.
O Sr. Ponson du Terrail, em seu Dernier mot de Rocambole, publicado em folhetim no Figaro, assim se exprime:
“Contudo os ingleses superariam os americanos em matéria de superstição. As mesas girantes, antes de fazer entre nós a felicidade de cem mil imbecis, passaram estações em Londres e aí receberam uma hospitalidade das mais corteses. Pouco a pouco o relato do coveiro tinha feito o giro de Hampstead, cidade célebre por seus jumentos e seus criadores, e os magnatas da região não tinham hesitado um só instante em decidir que a casa de campo, à noite, era assombrada por Espíritos.”
O Sr. Ponson du Terrail, que outorga tão generosamente um diploma de imbecilidade a cem mil indivíduos, naturalmente julga ter mais espírito do que eles, mas não crê ter um espírito em si mesmo, sem o que é provável que não os enviasse ao país dos jumentos.
Sem dúvida ele perguntará: Que relação pode haver entre as mesas girantes e os sublimes pensamentos que citastes há pouco? Há, respondemos nós, a mesma relação que existe entre o vosso corpo, quando valsa, e o vosso espírito, que o faz valsar; entre a rã, que dançava no prato de Galvani e o telégrafo transatlântico; entre a maçã que cai e a lei da gravitação que rege o mundo. Se Galvani e Newton não tivessem meditado sobre esse fenômenos tão simples e tão vulgares, hoje não teríamos tudo o que a indústria, as artes e a Ciência deles tiraram. Se cem mil imbecis não tivessem buscado a causa que faz girar as mesas, ainda hoje ignoraríamos a existência e a natureza do mundo invisível que nos rodeia; não saberíamos de onde viemos antes de nascer e para onde iremos ao morrer. Entre esse cem mil imbecis, muitos talvez acreditassem ainda em demônios cornudos, nas chamas eternas, na magia, nos feiticeiros e nos sortilégios. As mesas girantes são para os pensamentos sublimes sobre o futuro da alma o que o gérmen é para a árvore que dele saiu: são os rudimentos da ciência do homem.
Lia-se no Écho d’Oran de 24 de abril de 1866:
“Acaba de se passar em El-Afroun um fato que afetou penosamente a nossa população. Um dos mais antigos habitantes de nossa aldeia, o Sr. Pagès, acaba de morrer. Sabeis que ele estava imbuído das ideias ─ eu ia dizer das loucuras ─ do Sr. Allan Kardec e que fazia profissão do Espiritismo. Fora desta extravagância, era um perfeito cavalheiro, estimado por todos os que o conheciam. Assim, ficaram muito admirados ao saber que o senhor cura se havia recusado a enterrá-lo, sob o pretexto que o Espiritismo é contrário ao Cristianismo. Não está no Evangelho: ‘Fazei o bem pelo mal’, e se esse pobre Sr. Pagès é culpado por ter crido no Espiritismo, não é uma razão a mais para orar por ele?”
O Sr. Pagès, que conhecíamos por correspondência há muito tempo, escrevia-nos o seguinte:
“O Espiritismo fez de mim um outro homem. Antes de conhecê-lo eu era como muitos outros: não acreditava em nada, e contudo, sofria ao pensamento de que, morrendo, tudo está acabado para nós. Por vezes experimentava um profundo desencorajamento, e me perguntava para que serve fazer o bem. O Espiritismo me fez o efeito de uma cortina que se levanta para nos mostrar uma decoração magnífica. Hoje vejo claro; o futuro não é mais duvidoso e por isto estou muito feliz. Dizer-vos da felicidade que experimento me é impossível; parece que estou como um condenado à morte, a quem acabam de dizer que não morrerá e que vai deixar sua prisão para ir a um belo país, viver em liberdade. Não é esse efeito, caro senhor, que isto deve produzir? A coragem me voltou com a certeza de viver para sempre, porque compreendi que o que com isto adquirimos em bem não é pura perda; compreendi a utilidade de fazer o bem; compreendi a fraternidade e a solidariedade que ligam todos os homens. Sob o império deste pensamento me esforcei por melhorar-me. Sim, posso dizer sem vaidade, corrigi-me de muitos defeitos, embora me restem ainda muitos. Agora sinto que morrerei tranquilo, porque sei que não farei senão trocar uma roupa estragada por uma nova, com a qual me sentirei mais à vontade.”
Eis, pois, um homem que, aos olhos de certas pessoas, era razoável, sensato, quando não acreditava em nada, e que é taxado de loucura pelo único fato de ter crido na imortalidade da alma pelo Espiritismo. E são essas mesmas pessoas, que não creem nem na alma nem na prece, que lhe atiraram pedras por suas crenças em vida e o perseguem com seus sarcasmos até depois de sua morte, e que invocam o Evangelho contra o ato de intolerância e a recusa de preces de que ele foi objeto, ele que só acreditou no Evangelho e na ação da prece graças ao Espiritismo!
Por outro lado, como é anunciado, uma porção de fenômenos se produzem, que parecem afastar-se das leis comuns e atordoam a Ciência, na qual em vão buscam a sua explicação; passá-los em silêncio, quando têm certa notoriedade, seria difícil. Ora, esses fenômenos, que se apresentam sob os mais variados aspectos, à força de se multiplicarem, acabam despertando a atenção e pouco a pouco familiarizam com a ideia de uma força espiritual fora das forças materiais. É sempre um meio de chegar ao objetivo. Os Espíritos batem de todos os lados e de mil maneiras diferentes, de sorte que os golpes sempre alcançam uns ou outros.
Entre os pensamentos espíritas que encontramos em diversos jornais, citaremos os seguintes:
No discurso pronunciado a 11 de novembro último pelo Sr. Eichthal, um dos redatores do Temps, no túmulo do Sr. Charles Duveyrier, assim se exprime o orador:
“Duveyrier morreu numa calma profunda, cheio de confiança em Deus e de fé na eternidade da vida, orgulhoso de seus longos anos consagrados à elaboração e ao desenvolvimento de uma crença que deve resgatar todos os homens da miséria, da desordem e da ignorância, certo de haver pago a sua dívida, de ter dado à geração que o segue mais do que tinha recebido da que o precedeu. Parou como um valente operário, acabada a sua tarefa, deixando a outros o trabalho de continuá-la.
“Se seus despojos mortais não atravessaram os templos consagrados para chegar ao campo de repouso, não foi por um injusto desdém contra as crenças imortais, mas é que nenhuma das fórmulas que tivessem sido pronunciadas sobre seus despojos teriam dado a ideia que ele fazia da vida futura. Duveyrier não desejava, não acreditava ir para o Céu gozar de uma beatitude pessoal sem fim, enquanto a maioria dos homens ficaria condenada a sofrimentos sem esperança. Cheio de Deus e vivendo em Deus, mas ligado à Humanidade, é no seio da Humanidade que ele esperava reviver para concorrer eternamente nessa obra de progresso que a aproxima incessantemente do ideal divino.” ─ (O Temps, 14 de novembro de 1866).
O Sr. Duveyrier tinha feito parte da seita sansimonista. É a crença da qual falamos acima, a cujo desenvolvimento ele tinha consagrado vários anos de sua vida; mas as suas ideias sobre o futuro da alma, como se vê, aproximavam-se muito das que a Doutrina Espírita ensina. Contudo, não se deve inferir das palavras: “É no seio da Humanidade que ele esperava reviver” que ele acreditasse na reencarnação. Sobre este ponto ele não tinha qualquer ideia definida; entendia por isto que a alma, em vez de se perder no infinito, ou ser absorvida numa beatitude inútil, ficava na esfera da Humanidade, a cujo progresso concorria por sua influência. Mas esta ideia é precisamente o que também ensina o Espiritismo; é a do mundo invisível que nos rodeia. As almas vivem em meio a nós como vivemos em meio a elas. O Sr. Duveyrier era, pois, ao contrário da maioria de seus confrades da imprensa, não só profundamente espiritualista, mas três quartas partes espírita. O que lhe faltava para ser completamente espírita? Provavelmente ter sabido o que era o Espiritismo, porque lhe possuía as bases fundamentais: a crença em Deus, na individualidade da alma, na sua sobrevivência e na sua imortalidade, em sua presença no meio dos homens após a morte e em sua ação sobre eles. O que diz a mais o Espiritismo? Que essas mesmas almas revelam sua presença por uma ação direta, e que estamos incessantemente em comunicação com elas. Vem provar pelos fatos o que no Sr. Duveyrier e em muitos outros não estava senão no estado de teoria e de hipótese.
Concebe-se que aqueles que só acreditam na matéria tangível repilam tudo, mas é mais surpreendente ver espiritualistas rejeitando a prova do que constitui o fundo de sua crença. Aquele que assim relatava os pensamentos do Sr. Duveyrier sobre o futuro da alma, o Sr. Eichthal, seu amigo e seu correligionário em sansimonismo, que provavelmente partilhava até certo ponto das suas opiniões, não é menos adversário declarado do Espiritismo do que ele. Ele quase não suspeitava que o que dizia em louvor do Sr. Duveyrier não era nada mais nada menos que uma profissão de fé espírita.
As palavras seguintes, do Sr. Louis Jourdan, do Siècle, a seu filho, foram reproduzidas pelo Petit Journal de 3 de setembro de 1866.
“Eu te sinto vivo, de uma vida superior à minha, meu Prosper, e quando soar a minha última hora, eu me consolarei em deixar os que amamos juntos, pensando que vou encontrar-te e unir-me a ti. Sei que esta consolação não me virá sem esforços; sei que será preciso conquistá-la trabalhando corajosamente por meu próprio melhoramento, como pelo dos outros; farei pelo menos tudo quanto estiver ao meu alcance para merecer a recompensa que ambiciono: reencontrar-te. Tua lembrança é o farol que nos guia e o ponto de apoio que nos sustenta através das trevas que nos envolvem. Percebemos um ponto luminoso na direção do qual avançamos resolutamente; esse ponto é aquele onde vives, meu filho, em companhia de todos aqueles que amei aqui embaixo e que partiram antes de mim para sua vida nova.”
Que de mais profundamente espírita do que estas suaves e tocantes palavras! O Sr. Louis Jourdan está ainda mais perto do Espiritismo que o Sr. Duveyrier, porque há muito tempo crê na pluralidade das existências terrenas, como se pôde ver pela citação que fizemos na Revista de dezembro de 1862. Ele aceita a filosofia espírita, mas não o fato das manifestações, que não repele absolutamente, mas sobre o qual não está suficientemente esclarecido. É, entretanto, um fenômeno bastante sério quanto às suas consequências, porque só ele pode explicar tantas coisas incompreensíveis que se passam aos nossos olhos, para merecer ser aprofundado por um observador como ele; porque se as relações entre o mundo visível e o mundo invisível existem, é toda uma revolução nas ideias, nas crenças, na filosofia; é a luz projetada sobre uma porção de questões obscuras; é o aniquilamento do materialismo; é, enfim, a sanção de suas mais caras esperanças em relação a seu filho. Que elementos os homens que se fazem campeões das ideias progressistas e emancipadoras colheriam na doutrina se soubessem tudo quanto ela encerra para o futuro! Não resta dúvida que surgirão aqueles que compreenderão o poder desta alavanca e saberão dela tirar proveito!
O Événement de 4 de novembro último relatava a seguinte anedota concernente ao célebre compositor Glück. Quando da primeira representação de Ifigênia, a 19 de abril de 1774, a que assistiam Luís XVI e a rainha Maria Antonieta, esta quis, em pessoa, coroar seu antigo professor de música. Depois da representação, chamado ao camarote do rei, Glück ficou de tal modo comovido que não pôde proferir uma palavra e apenas teve forças para agradecer à rainha com o olhar. Vendo Maria Antonieta, que naquela noite usava um colar de rubis, Glück inteiriçou-se:
─ Grande Deus! exclamou ele, salvai a rainha! Salvai a rainha! Sangue! Sangue!
─ Onde? perguntaram de todos os lados.
─ Sangue! Sangue! No pescoço! gritou o músico.
Maria Antonieta estava trêmula.
─ Depressa, um médico, disse ela, meu pobre Glück está enlouquecendo.
O músico tinha caído numa poltrona.
─ Sangue! Sangue, murmurava ele... Salvai a arquiduquesa Maria... Salvai a rainha!
─ O infeliz maestro toma o vosso colar por sangue, disse o rei a Maria Antonieta. Ele tem febre.
A rainha levou a mão ao pescoço, arrancou o colar e tomada de terror atirou-o longe. Levaram Glück desfalecido.
O autor do artigo termina assim:
Eis, caro leitor, a história que me contou na ópera o músico alemão, e que reli no dia seguinte numa biografia do imortal autor de Alceste. É verdadeira? É fantasia? Ignoro-o. Mas não seria possível que homens de gênio, cujo espírito elevado plana acima da Humanidade, tivessem, em certas horas de inspiração, essa faculdade misteriosa que se chama a segunda vista? (Albert Wolff).
O Sr. Albert Wolff arremessou mais de uma flecha no Espiritismo e nos espíritas, e eis que ele próprio admite a possibilidade da segunda vista, e mais do que isto, a previsão pela segunda vista. Provavelmente ele não se dá conta a que consequências conduz o reconhecimento de tal faculdade. Mais um que se acotovela com o Espiritismo sem se aperceber, sem talvez ousar confessá-lo, e que nem por isso deixa de atirar pedras contra ele. Se lhe dissessem que é espírita, ele daria pulos, indignado, exclamando: Eu! Crer nos irmãos Davenport! Porque, para a maioria desses senhores, o Espiritismo está todo inteiro no golpe das cordas. Lembramo-nos que um deles, a quem um correspondente censurava por falar do Espiritismo sem conhecê-lo, respondeu em seu jornal: “Enganai-vos. Eu estudei o Espiritismo na escola dos irmãos Davenport, e a prova é que isto me custou l5 francos.” Cremos haver citado o fato nalguma parte da Revista. Que se lhes pode mais pedir? Eles não sabem mais do que isso.
O Siècle de 27 de agosto de 1866 citava as seguintes palavras da Sra. George Sand, a propósito da morte do Sr. Ferdinand Pajot:
“A morte do Sr. Ferdinand Pajot é um fato dos mais dolorosos e lamentáveis. Esse jovem, dotado de notável beleza e pertencente a excelente família, era, além disso, um homem de coração e de ideias generosas. Pudemos mesmo apreciá-lo, cada vez que invocamos a sua caridade para os pobres do nosso círculo. Dava largamente, mais largamente talvez do que o autorizavam os seus recursos, e dava com espontaneidade, com confiança, com alegria. Ele era sincero, independente, bom como um anjo. Casado há pouco com uma jovem encantadora, será lamentado como o merece. Depois desta cruel morte, devo dar-lhe uma terna e maternal bênção: ilusão, se quiserem, mas creio que entramos melhor na vida que se segue a esta quando aí chegamos escoltados pela estima e a afeição dos que acabamos de deixar.”
A Sra. Sand é ainda mais explícita em seu livro Mademoiselle de la Quintinie. Na página 318 lê-se: “Senhor padre, quando quiserdes que demos um passo para a vossa igreja, começai por nos fazer ver um concílio reunido e decretando que o inferno das penas eternas é uma mentira e uma blasfêmia, e tereis o direito de exclamar: ‘Vinde a nós vós todos que quereis conhecer Deus.’
Na página 320: “Pedir a Deus para extinguir nossos sentidos, para endurecer o nosso coração, para tornarmos odiosos os mais sagrados laços, é pedir-lhe que renegue e destrua a sua obra; é pedir que ele volte sobre seus passos, fazendo-nos voltar nós mesmos, fazendo-nos retrogradar para as existências inferiores, abaixo do animal, abaixo da planta, talvez abaixo do mineral.”
Na página 323: “Entretanto, seja qual for a vossa sorte entre nós, vereis claro um dia além da tumba, e como não creio mais nos castigos sem fim, bem como nas provações sem fruto, anuncio-vos que nos encontraremos em qualquer parte onde nos entenderemos melhor e onde nos amaremos em vez de nos combatermos; mas, como vós, não creio na impunidade do mal e na eficácia do erro. Creio, pois, que expiareis o endurecimento do vosso coração por grandes dilacerações de coração numa outra existência.”
Ao lado destes pensamentos eminentemente espíritas, aos quais só falta o nome que se obstinam em lhes recusar, por vezes se encontram outros, um pouco menos sérios, que lembram o belo tempo das troças mais ou menos espirituosas sob as quais pensavam que poderiam sufocar o Espiritismo. Pode-se julgar pelas amostras seguintes, que são como os foguetes perdidos do fogo de artifício.
O Sr. Ponson du Terrail, em seu Dernier mot de Rocambole, publicado em folhetim no Figaro, assim se exprime:
“Contudo os ingleses superariam os americanos em matéria de superstição. As mesas girantes, antes de fazer entre nós a felicidade de cem mil imbecis, passaram estações em Londres e aí receberam uma hospitalidade das mais corteses. Pouco a pouco o relato do coveiro tinha feito o giro de Hampstead, cidade célebre por seus jumentos e seus criadores, e os magnatas da região não tinham hesitado um só instante em decidir que a casa de campo, à noite, era assombrada por Espíritos.”
O Sr. Ponson du Terrail, que outorga tão generosamente um diploma de imbecilidade a cem mil indivíduos, naturalmente julga ter mais espírito do que eles, mas não crê ter um espírito em si mesmo, sem o que é provável que não os enviasse ao país dos jumentos.
Sem dúvida ele perguntará: Que relação pode haver entre as mesas girantes e os sublimes pensamentos que citastes há pouco? Há, respondemos nós, a mesma relação que existe entre o vosso corpo, quando valsa, e o vosso espírito, que o faz valsar; entre a rã, que dançava no prato de Galvani e o telégrafo transatlântico; entre a maçã que cai e a lei da gravitação que rege o mundo. Se Galvani e Newton não tivessem meditado sobre esse fenômenos tão simples e tão vulgares, hoje não teríamos tudo o que a indústria, as artes e a Ciência deles tiraram. Se cem mil imbecis não tivessem buscado a causa que faz girar as mesas, ainda hoje ignoraríamos a existência e a natureza do mundo invisível que nos rodeia; não saberíamos de onde viemos antes de nascer e para onde iremos ao morrer. Entre esse cem mil imbecis, muitos talvez acreditassem ainda em demônios cornudos, nas chamas eternas, na magia, nos feiticeiros e nos sortilégios. As mesas girantes são para os pensamentos sublimes sobre o futuro da alma o que o gérmen é para a árvore que dele saiu: são os rudimentos da ciência do homem.
Lia-se no Écho d’Oran de 24 de abril de 1866:
“Acaba de se passar em El-Afroun um fato que afetou penosamente a nossa população. Um dos mais antigos habitantes de nossa aldeia, o Sr. Pagès, acaba de morrer. Sabeis que ele estava imbuído das ideias ─ eu ia dizer das loucuras ─ do Sr. Allan Kardec e que fazia profissão do Espiritismo. Fora desta extravagância, era um perfeito cavalheiro, estimado por todos os que o conheciam. Assim, ficaram muito admirados ao saber que o senhor cura se havia recusado a enterrá-lo, sob o pretexto que o Espiritismo é contrário ao Cristianismo. Não está no Evangelho: ‘Fazei o bem pelo mal’, e se esse pobre Sr. Pagès é culpado por ter crido no Espiritismo, não é uma razão a mais para orar por ele?”
O Sr. Pagès, que conhecíamos por correspondência há muito tempo, escrevia-nos o seguinte:
“O Espiritismo fez de mim um outro homem. Antes de conhecê-lo eu era como muitos outros: não acreditava em nada, e contudo, sofria ao pensamento de que, morrendo, tudo está acabado para nós. Por vezes experimentava um profundo desencorajamento, e me perguntava para que serve fazer o bem. O Espiritismo me fez o efeito de uma cortina que se levanta para nos mostrar uma decoração magnífica. Hoje vejo claro; o futuro não é mais duvidoso e por isto estou muito feliz. Dizer-vos da felicidade que experimento me é impossível; parece que estou como um condenado à morte, a quem acabam de dizer que não morrerá e que vai deixar sua prisão para ir a um belo país, viver em liberdade. Não é esse efeito, caro senhor, que isto deve produzir? A coragem me voltou com a certeza de viver para sempre, porque compreendi que o que com isto adquirimos em bem não é pura perda; compreendi a utilidade de fazer o bem; compreendi a fraternidade e a solidariedade que ligam todos os homens. Sob o império deste pensamento me esforcei por melhorar-me. Sim, posso dizer sem vaidade, corrigi-me de muitos defeitos, embora me restem ainda muitos. Agora sinto que morrerei tranquilo, porque sei que não farei senão trocar uma roupa estragada por uma nova, com a qual me sentirei mais à vontade.”
Eis, pois, um homem que, aos olhos de certas pessoas, era razoável, sensato, quando não acreditava em nada, e que é taxado de loucura pelo único fato de ter crido na imortalidade da alma pelo Espiritismo. E são essas mesmas pessoas, que não creem nem na alma nem na prece, que lhe atiraram pedras por suas crenças em vida e o perseguem com seus sarcasmos até depois de sua morte, e que invocam o Evangelho contra o ato de intolerância e a recusa de preces de que ele foi objeto, ele que só acreditou no Evangelho e na ação da prece graças ao Espiritismo!
Santo Agostinho acusado de Cretinismo
Sob o título de Cretinismo, a Vedette de Limbourg, jornal de Tongres, na Bélgica de 1º de setembro de 1866, contém o artigo seguinte, reproduzido pela Gazette de Huy:
“Um livro dado como prêmio num pensionato de religiosas, caiu em nossas mãos. Abrimo-lo e o acaso nos fez ler, entre outras curiosas passagens, a seguinte, que nos parece muito digna de ser posta aos olhos do leitor. Trata do papel desempenhado pelos anjos. Quem quer que o percorra certamente não deixará de perguntar como é possível que uma obra contendo semelhantes absurdos possa achar um editor! Em nossa opinião, quem imprime semelhantes asneiras é tão culpado quanto aquele que as escreve. Sim, não tememos afirmá-lo, autor e impressor devem ser diplomados mestres em cretinismo por ousarem lançar semelhantes desafios à razão, à Ciência, que dizemos! ao mais vulgar bom-senso. Eis a passagem de que se trata:
“Segundo Santo Agostinho, o mundo visível é governado por criaturas invisíveis, por puros Espíritos e há anjos que presidem cada coisa visível, todas as espécies de criaturas que estão no mundo, quer sejam elas animadas, quer inanimadas.
“Os céus e os astros têm seus anjos motores, as águas têm um anjo particular, como é referido no Apocalipse; o ar tem os seus anjos, que governam os ventos, como se vê no mesmo livro, que nos ensina ainda que o elemento do fogo também tem os seus. Os reinos têm os seus anjos; as províncias também têm os que as guardam, como se vê na Gênese, porque os anjos que apareceram a Jacob eram os guardas das províncias por onde ele passava, etc.”
“Pode-se julgar por esta prova o gênero de leitura que faz a juventude educada nos conventos. É possível conceber ─ permitam a expressão ─ qualquer coisa de mais profundamente estúpida?
“Para encher a medida, o editor faz preceder a obra de uma advertência, onde se podem ler estas linhas: ‘Em seu livro, que não convém menos aos eclesiásticos do que aos leigos, o autor emprega uma força de raciocínio e de estilo que aclara e submete o espírito; de sua pena flui uma unção que penetra e ganha o coração. É a obra de um homem profundamente versado na espiritualidade.’
“Nós dizemos: é a obra de um homem tornado louco pelo ascetismo, muito mais a lamentar que a censurar.”
Até agora Santo Agostinho tinha sido respeitado até mesmo por aqueles que não partilham de suas crenças. A despeito dos erros manifestos devidos ao estado dos conhecimentos científicos de seu tempo, ele é universalmente considerado como um dos gênios, uma das glórias da Humanidade, e eis que com uma penada um obscuro escritor, um desses jovens que se julgam a luz do mundo, atira lama sobre esse renome secular e pronuncia contra ele, na sua alta razão, a acusação de cretinismo, tudo isto porque Santo Agostinho acreditava em criaturas invisíveis, em puros Espíritos presidindo a todas as coisas visíveis. Por conta disto, quantos cretinos não há entre os mais estimados literatos contemporâneos! Não ficaríamos surpreendidos de ver um dia acusarem de cretinismo Chateaubriand, Lamartine 5ictor Hugo, George Sand e tantos outros.
Eis a escola que aspira a regenerar a Sociedade pelo materialismo. Assim, pretende ela que a Humanidade volte à demência. Mas podemos ficar tranquilos, porque seu reino, se algum dia chegar, será de curta duração. Ele percebe muito bem sua fraqueza contra a opinião geral que a repele, razão pela qual se agita com uma espécie de frenesi.
“Um livro dado como prêmio num pensionato de religiosas, caiu em nossas mãos. Abrimo-lo e o acaso nos fez ler, entre outras curiosas passagens, a seguinte, que nos parece muito digna de ser posta aos olhos do leitor. Trata do papel desempenhado pelos anjos. Quem quer que o percorra certamente não deixará de perguntar como é possível que uma obra contendo semelhantes absurdos possa achar um editor! Em nossa opinião, quem imprime semelhantes asneiras é tão culpado quanto aquele que as escreve. Sim, não tememos afirmá-lo, autor e impressor devem ser diplomados mestres em cretinismo por ousarem lançar semelhantes desafios à razão, à Ciência, que dizemos! ao mais vulgar bom-senso. Eis a passagem de que se trata:
“Segundo Santo Agostinho, o mundo visível é governado por criaturas invisíveis, por puros Espíritos e há anjos que presidem cada coisa visível, todas as espécies de criaturas que estão no mundo, quer sejam elas animadas, quer inanimadas.
“Os céus e os astros têm seus anjos motores, as águas têm um anjo particular, como é referido no Apocalipse; o ar tem os seus anjos, que governam os ventos, como se vê no mesmo livro, que nos ensina ainda que o elemento do fogo também tem os seus. Os reinos têm os seus anjos; as províncias também têm os que as guardam, como se vê na Gênese, porque os anjos que apareceram a Jacob eram os guardas das províncias por onde ele passava, etc.”
“Pode-se julgar por esta prova o gênero de leitura que faz a juventude educada nos conventos. É possível conceber ─ permitam a expressão ─ qualquer coisa de mais profundamente estúpida?
“Para encher a medida, o editor faz preceder a obra de uma advertência, onde se podem ler estas linhas: ‘Em seu livro, que não convém menos aos eclesiásticos do que aos leigos, o autor emprega uma força de raciocínio e de estilo que aclara e submete o espírito; de sua pena flui uma unção que penetra e ganha o coração. É a obra de um homem profundamente versado na espiritualidade.’
“Nós dizemos: é a obra de um homem tornado louco pelo ascetismo, muito mais a lamentar que a censurar.”
Até agora Santo Agostinho tinha sido respeitado até mesmo por aqueles que não partilham de suas crenças. A despeito dos erros manifestos devidos ao estado dos conhecimentos científicos de seu tempo, ele é universalmente considerado como um dos gênios, uma das glórias da Humanidade, e eis que com uma penada um obscuro escritor, um desses jovens que se julgam a luz do mundo, atira lama sobre esse renome secular e pronuncia contra ele, na sua alta razão, a acusação de cretinismo, tudo isto porque Santo Agostinho acreditava em criaturas invisíveis, em puros Espíritos presidindo a todas as coisas visíveis. Por conta disto, quantos cretinos não há entre os mais estimados literatos contemporâneos! Não ficaríamos surpreendidos de ver um dia acusarem de cretinismo Chateaubriand, Lamartine 5ictor Hugo, George Sand e tantos outros.
Eis a escola que aspira a regenerar a Sociedade pelo materialismo. Assim, pretende ela que a Humanidade volte à demência. Mas podemos ficar tranquilos, porque seu reino, se algum dia chegar, será de curta duração. Ele percebe muito bem sua fraqueza contra a opinião geral que a repele, razão pela qual se agita com uma espécie de frenesi.