Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1868

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Capítulo XV

Março - Ensaio teórico das curas instantâneas

Março


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De todos os fenômenos espíritas, um dos mais extraordinários é, sem qualquer dúvida, o das curas instantâneas. Compreende-se as curas produzidas pela ação continuada de um bom fluido. Mas pergunta-se como esse fluido pode operar uma transformação súbita no organismo e, sobretudo, por que o indivíduo que possui essa faculdade não tem acesso sobre todos os que são atingidos pela mesma moléstia, admitindo-se que haja especialidades. A afinidade dos fluidos é uma razão, sem dúvida, mas que não satisfaz completamente, porque nada tem de positivo, nem de científico. Entretanto as curas instantâneas são um fato que não poderíamos pôr em dúvida. Se não tivéssemos em apoio senão os exemplos dos tempos remotos, poderíamos, com alguma aparência de fundamento, considerá-los como lendários, ou pelo menos como ampliados pela credulidade, mas quando os mesmos fenômenos se reproduzem sob nossas vistas, no século mais céticos a respeito das coisas sobrenaturais, a negação já não é possível, e somos forçados a neles ver, não um efeito miraculoso, mas um fenômeno que deve ter sua causa nas leis da Natureza, ainda desconhecidas.

A explicação seguinte, deduzida das indicações fornecidas por um médium em sonambulismo espontâneo, está baseada em considerações fisiológicas que nos parecem jogar luz nova sobre a questão. Ela foi dada na ocasião em que uma pessoa atingida por enfermidades muito graves que perguntava se um tratamento fluídico poderia ser-lhe salutar.

Por mais racional que nos pareça esta explicação, não a damos como absoluta, mas a título de hipótese e como tema de estudo, até que tenha recebido a dupla sanção da lógica e da opinião geral dos Espíritos, único controle válido das doutrinas espíritas, e que possa assegurar-lhe a perpetuidade.

Na medicação terapêutica são necessários remédios apropriados ao mal. Não podendo o mesmo remédio ter virtudes contrárias: ser, ao mesmo tempo, estimulante e calmante, aquecer e esfriar, não pode convir a todos os casos. É por isto que não existe um remédio universal.

Dá-se o mesmo com o fluido curador, verdadeiro agente terapêutico, cujas qualidades variam conforme o temperamento físico e moral dos indivíduos que o transmitem. Há fluidos que superexcitam e outros que acalmam, fluidos fortes e outros suaves e de muitas outras nuanças. Conforme as suas qualidades, o mesmo fluido, como o mesmo remédio, poderá ser salutar em certos casos, ineficaz e até prejudicial em outros, de onde se segue que a cura depende, em princípio, da adequação das qualidades do fluido à natureza e à causa do mal. Eis o que muitas pessoas não compreendem e por que se admiram que um curador não cure todos os males. Quanto às circunstâncias que influem nas qualidades intrínsecas dos fluidos, elas foram suficientemente desenvolvidas no capítulo XIV de A Gênese, motivo pelo qual é supérfluo relembrá-las aqui.

A esta causa inteiramente física de impossibilidade de cura, há que acrescentar uma, inteiramente moral, que o Espiritismo nos dá a conhecer. É que a maioria das moléstias, como todas as misérias humanas, são expiação do presente ou do passado, ou provações para o futuro; são dívidas contraídas, cujas consequências devem ser sofridas, até que tenham sido resgatadas. Não pode ser curado aquele que deve suportar sua provação até o fim. Este princípio é um motivo de resignação para o doente, mas não deve ser uma escusa para que o médico procurasse, na necessidade da provação, um meio cômodo de abrigar a sua ignorância.

Consideradas unicamente do ponto de vista fisiológico, as doenças têm duas causas, que até hoje não foram distinguidas, e que não podiam ser apreciadas antes dos novos conhecimentos trazidos pelo Espiritismo. É da diferença dessas duas causas que ressalta a possibilidade das curas instantâneas em casos especiais, e não em todos.

Certas doenças têm sua causa original na própria alteração dos tecidos orgânicos; é a única admitida pela Ciência até hoje, e como, para remediá-la, até hoje só conhece as substâncias medicamentosas tangíveis, ela não compreende a ação de um fluido impalpável que tem a vontade como propulsor. Entretanto, aí estão os curadores magnéticos para provar que isso não é uma ilusão.

Na cura das moléstias dessa natureza, pelo influxo fluídico, há substituição das moléculas orgânicas mórbidas por moléculas sadias. É a história de uma casa velha cujas pedras carcomidas são substituídas por boas pedras. Temos sempre a mesma casa, mas restaurada e consolidada. A torre Saint-Jacques e Notre-Dame de Paris acabam de passar por um tratamento desse gênero.

A substância fluídica produz um efeito análogo ao da substância medicamentosa, com a diferença que, sendo maior a sua penetração, em razão da tenuidade de seus princípios constitutivos, ela age mais diretamente sobre as moléculas primeiras do organismo do que podem fazê-lo as moléculas mais grosseiras das substâncias materiais. Em segundo lugar, sua eficácia é mais geral, sem ser universal, porque suas qualidades são modificáveis pelo pensamento, ao passo que as da matéria são fixas e invariáveis e não podem ser aplicadas senão a casos determinados.

Tal é, em tese geral, o princípio sobre o qual repousam os tratamentos magnéticos. Ajuntemos sumariamente, e de memória, pois não podemos aqui aprofundar o assunto, que a ação dos remédios homeopáticos em doses infinitesimais é baseada no mesmo princípio; a substância medicamentosa, levada pela divisão ao estado atômico, até certo ponto adquire as propriedades dos fluidos, menos, entretanto, o princípio anímico, que existe nos fluidos animalizados e lhes dá qualidades especiais.

Em resumo, trata-se de reparar uma desordem orgânica pela introdução, na economia, de materiais sãos em substituição aos materiais deteriorados. Esses materiais sãos podem ser fornecidos pelos medicamentos ordinários in natura; por esses mesmos medicamentos em estado de divisão homeopática; enfim, pelo fluido magnético, que não é senão a matéria espiritualizada. São três modos de reparação, ou melhor, de introdução e de assimilação dos elementos reparadores; todos os três estão igualmente na Natureza, e têm sua utilidade, conforme os casos especiais, o que explica por que um tem êxito onde outro fracassa, porque seria parcialidade negar os serviços prestados pela medicina ordinária. Em nossa opinião, são três ramos da arte de curar, destinados a suplementar-se e completar-se, conforme as circunstâncias, mas dos quais nenhum tem o direito de se julgar a panaceia universal do gênero humano.

Cada um desses meios poderá, pois, ser eficaz, se empregado adequadamente e de forma apropriada à especialidade do mal; mas, seja qual for, compreende-se que a substituição molecular, necessária ao restabelecimento do equilíbrio, só pode operarse gradualmente, e não por encanto e por um toque de varinha mágica; se a cura é possível, ela não pode deixar de ser senão o resultado de uma ação contínua e perseverante, mais ou menos longa, conforme a gravidade dos casos.

Entretanto, as curas instantâneas são um fato, e como não podem ser mais miraculosas que as outras, é preciso que se realizem em circunstâncias especiais. O que prova é que não se dão indistintamente para todas as doenças, nem para todos os indivíduos. É, pois, um fenômeno natural cuja lei há que buscar. Ora, eis a explicação que se lhe dá. Para compreendê-la, era preciso ter o termo de comparação que acabamos de estabelecer.

Certas afecções, mesmo muito graves e que passaram para o estado crônico, não têm como causa primeira a alteração das moléculas orgânicas, mas a presença de um mau fluido que as desagrega, por assim dizer, e perturba a sua economia.

Aqui acontece como num relógio cujas peças todas estão em bom estado, mas cujo movimento é parado ou desregulado pela poeira; nenhuma peça necessita de substituição, contudo, ele não funciona; para restabelecer a regularidade do movimento basta purgar o relógio do obstáculo que o impedia de funcionar.

Tal é o caso de grande número de doenças cuja origem é devida aos fluidos perniciosos, dos quais é penetrado o organismo. Para obter a cura, não são moléculas deterioradas que devem ser substituídas, mas um corpo estranho que se deve expulsar; afastada a causa do mal, o equilíbrio se restabelece e as funções retomam o seu curso.

Concebe-se que em semelhantes casos os medicamentos terapêuticos, por sua natureza destinados a agir sobre a matéria, não tenham eficácia sobre um agente fluídico. Assim, a medicina ordinária é inoperante em todas as doenças causadas por fluidos viciados, e elas são numerosas. À matéria pode opor-se a matéria, mas a um fluido mau é preciso opor um fluido melhor e mais poderoso. A medicina terapêutica naturalmente falha contra os agentes fluídicos; pela mesma razão a medicina fluídica falha onde há que opor matéria à matéria; a medicina homeopática nos parece ser intermediária, o traço de união entre esses dois extremos, e deve particularmente ter êxito nas afecções que poderiam chamar-se mistas.

Seja qual for a pretensão de cada um destes sistemas à supremacia, o que há de positivo é que, cada um de seu lado obtém incontestáveis sucessos, mas que, até agora, nenhum justificou estar na posse exclusiva da verdade, de onde deve-se concluir que todas têm sua utilidade, e que o essencial é aplicá-las adequadamente.

Não temos que nos ocupar aqui dos casos em que o tratamento fluídico é aplicável, mas da causa pela qual esse tratamento por vezes pode ser instantâneo, ao passo que em outros casos exige uma ação continuada.

Essa diferença se deve à própria natureza e à causa primeira do mal. Duas afecções que apresentam, na aparência, sintomas idênticos, podem ter causas diferentes; uma pode ser determinada pela alteração das moléculas orgânicas e, neste caso, é necessário reparar, substituir, como me disseram, as moléculas deterioradas por outras sãs, operação que só se pode fazer gradualmente; a outra, por infiltração, nos órgãos sãos, de um fluido mau que perturba as suas funções. Neste caso não se trata de reparar, mas de expulsar. Esses dois casos requerem, no fluido curador, qualidades diferentes. No primeiro, é preciso um fluido mais suave que violento, sobretudo rico em princípios reparadores; no segundo, um fluido enérgico, mais próprio à expulsão do que à reparação; segundo a qualidade desse fluido, a expulsão pode ser rápida e como por efeito de uma descarga elétrica. Subitamente livre da causa estranha que o fazia sofrer, o doente sente-se aliviado imediatamente, como acontece na extirpação de um dente estragado. Não estando mais obliterado, o órgão volta ao seu estado normal e retoma as suas funções.

Assim podem explicar-se as curas instantâneas, que não são, na realidade, senão uma variedade da ação magnética. Como se vê, elas repousam num princípio essencialmente fisiológico e nada têm de mais miraculoso que os outros fenômenos espíritas. Compreende-se desde logo por que essas espécies de curas não são aplicáveis a todas as doenças. Sua obtenção se deve, ao mesmo tempo, à causa primeira do mal, que não é a mesma em todos os indivíduos, e às qualidades especiais do fluido que se lhes opõe. Disso resulta que uma pessoa que produz efeitos rápidos nem sempre é indicada para um tratamento magnético regular, e que excelentes magnetizadores são impróprios para curas instantâneas.

Esta teoria pode assim resumir-se: “Quando o mal exige a reparação de órgãos alterados, necessariamente a cura é lenta e requer uma ação contínua e um fluido de qualidade especial; quando se trata da expulsão de um mau fluido, ela pode ser rápida e mesmo instantânea.”

Para simplificar a questão, não consideramos senão os dois pontos extremos; no entanto, entre os dois há nuanças infinitas, isto é, uma multidão de casos em que as duas causas existem simultaneamente em diferentes graus, e com mais ou menos preponderância de cada uma; em que, por consequência, é necessário, ao mesmo tempo, expulsar e reparar. Conforme aquela das duas causas que predomina, a cura é mais ou menos lenta; se for a do mau fluido, após a expulsão é preciso a reparação; se for a desordem orgânica, após a reparação é necessária a expulsão. A cura só é completa após a destruição das duas causas. É o caso mais comum; eis por que os tratamentos terapêuticos muitas vezes necessitam ser completados por tratamento fluídico e vice-versa; eis, também, por que as curas instantâneas, que ocorrem nos casos em que a predominância fluídica é, por assim dizer, exclusiva, jamais poderão tornar-se um meio curativo universal; elas não são, consequentemente, chamadas a suplantar nem a Medicina, nem a Homeopatia, nem o magnetismo ordinário.

À cura instantânea radical e definitiva pode ser considerada como um caso excepcional, visto que é raro: 1º ─ que a expulsão do mau fluido seja completa no primeiro golpe; 2º ─ que a causa fluídica não seja acompanhada de alguma alteração orgânica, o que obriga, num caso como no outro, a voltar a ele várias vezes.

Enfim, não podendo os maus fluidos provir senão de maus Espíritos, sua introdução na economia se liga, muitas vezes, à obsessão. Daí resulta que, para obter a cura, é preciso tratar ao mesmo tempo o doente e o Espírito obsessor.

Estas considerações mostram quantas coisas há que levar em conta no tratamento das moléstias, e quanto ainda resta a aprender a tal respeito. Além disso, elas vêm confirmar um fato capital que ressalta da obra A Gênese, que é a aliança do Espiritismo e da Ciência. O Espiritismo marcha no mesmo terreno que a Ciência, até os limites da matéria tangível; mas, ao passo que a Ciência se detém neste ponto, o Espiritismo continua seu caminho e prossegue suas investigações nos fenômenos da Natureza, com o auxílio dos elementos que colhe no mundo extra-material; só aí está a solução das dificuldades contra as quais se choca a Ciência.

NOTA: A pessoa cujo pedido motivou esta explicação está no caso das doenças de causa complexa. Seu organismo está profundamente alterado, ao mesmo tempo que saturado dos mais perniciosos fluidos, que a tornam incurável apenas pela terapêutica ordinária. Uma magnetização violenta e muito enérgica apenas produziria uma superexcitação momentânea logo seguida de maior prostração, ativando o trabalho da decomposição. Ser-lhe-ia necessária uma magnetização suave, continuada por muito tempo; um fluido reparador penetrante, e não um fluido que abala mas nada repara. Ela é, consequentemente, inacessível à cura instantânea.


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