Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1868

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Capítulo XXXII

Junho - O Espiritismo em toda a parte

Junho
Jornal a Solidarité

O Espiritismo conduz precisamente ao fim a que se propõem todos os homens progressistas. É, pois, impossível que, mesmo sem se conhecerem, eles não pensem da mesma maneira sobre certos pontos e que, quando se conhecerem, não se deem as mãos para caminhar juntos, na mesma rota, ao encontro de seus inimigos comuns, os preconceitos sociais, a rotina, o fanatismo, a intolerância e a ignorância.

O Solidarité é um jornal cujos redatores levam o seu título a sério. E que campo é mais vasto e mais fecundo para o filósofo moralista do que essa palavra que encerra todo o programa do futuro da Humanidade! Assim, essa folha, que sempre se faz notar pelo alto alcance de suas vistas, se não tem a popularidade das folhas leves, conquistou um crédito mais sólido entre os pensadores sérios[1], Embora até hoje ela não se tenha mostrado muito simpática às nossas doutrinas, não rendemos menos justiça à sinceridade de seus pontos de vista e ao incontestável talento de sua redação. É, pois, com uma viva satisfação que hoje a vemos, por sua vez, fazer justiça aos princípios do Espiritismo. Seus redatores nos farão também a de reconhecer que não fizemos nenhum movimento para trazê-los a nós. Sua opinião não é, pois, o resultado de qualquer condescendência pessoal.

Sob o título de: Boletim do movimento filosófico e religioso, o número de 1º de maio contém um notável artigo, do qual extraímos as passagens seguintes:

“A lama vai aumentando sem cessar. Onde irá parar? Não é só em política que não se entendem mais; não é somente economia social, é também em moral e em religião, de sorte que a perturbação se estende a todas as esferas da atividade humana, que invadiu o domínio da consciência e que a própria civilização está em causa.

“Não que a ordem material esteja em perigo. Há hoje na Sociedade muitos elementos adquiridos e muitos interesses a conservar, para que a ordem material possa nela ser seriamente perturbada. Mas a ordem material nada prova. Ela pode persistir por muito tempo até que o princípio da vida social seja atingido e que a corrupção dissolva lentamente o organismo. A ordem reinava em Roma sob os Césares, enquanto a civilização romana se ia esboroando dia a dia, não sob o esforço dos bárbaros, mas sob o peso de seus próprios vícios.

“Nossa Sociedade conseguirá eliminar de seu seio os elementos mórbidos que ameaçam transformar-se, para ela, em germes de dissolução e de morte? Assim esperamos, mas é necessário o ponto de apoio dos princípios eternos, o concurso de uma ciência verdadeiramente positiva, e a perspectiva de um ideal novo.

“Eis as condições da salvação social, porque aí estão, para os indivíduos, os meios de um verdadeiro renascimento. Uma sociedade não pode ser senão o produto dos seres sociais que a constituem, e o resultante de seu estado físico, intelectual e moral. Se quiserdes uma transformação social, fazei, para começar, o homem novo[2].

“Embora o círculo dos leitores de publicações filosóficas tenha crescido muito nestes últimos anos, quanta gente ainda ignora a existência destes jornais ou quanta gente negligencia a sua leitura! É um erro. Sem eles, é impossível se dar conta do estado das almas. Os órgãos da filosofia contemporânea têm ainda um outro alcance: preparam as questões que os acontecimentos levantarão em breve, e que será urgente resolver.

“Certamente a confusão é grande na imprensa filosófica; é um pouco a torre de Babel: cada um aí fala a sua língua e aí se preocupa muito mais em cobrir a voz do vizinho do que em escutar as suas razões. Cada sistema aspira ser único e exclui todos os outros. Mas há que se guardar de tomá-los ao pé da letra em seu exclusivismo. Talvez não haja um só que represente um ponto de vista legítimo. Todos passarão, porquanto só a verdade é eterna, mas nenhum deles, talvez, terá sido completamente estéril; nenhum terá desaparecido sem adicionar alguma coisa ao capital intelectual da Humanidade. O materialismo, o positivismo religioso e o positivismo filosófico, o independentismo (perdoem o barbarismo, que não é meu), o criticismo, o idealismo, o espiritualismo, o espiritismo ─ pois é preciso contar com este recém-vindo, que tem mais partidários que todos os outros reunidos; ─ e, por outro lado, o protestantismo liberal, o idealismo liberal, e mesmo o catolicismo liberal: tais são os nomes das principais bandeiras que, a títulos diversos e com forças desiguais, se acham representados no campo filosófico. Sem dúvida não existe aí um exército, porque não há obediência a um chefe nem hierarquia nem disciplina, mas esses grupos, hoje divididos e independentes, podem ser reunidos por um perigo comum.

“O movimento filosófico a que assistimos precede de pouco tempo o grande movimento religioso que se prepara. Em breve as questões religiosas apaixonarão os espíritos, como o faziam há pouco as questões sociais, e mais fortemente ainda.

“Que a ordem deva fundar-se por uma simples evolução da ideia cristã reconduzida à sua pureza primitiva, como o pensam alguns, ou por uma espécie de fusão de crenças no terreno vago de um deísmo judeu-cristão, como esperam outros homens de boa vontade, ou, o que nos parece muito mais provável, pela intervenção de uma ideia mais larga e mais compreensível que dê à vida humana o seu verdadeiro objetivo, a primeira necessidade da época em que estamos é a liberdade: liberdade de pensar e de publicar o seu pensamento; liberdade de consciência e de culto; liberdade de propaganda e de pregação! Certamente, em meio a tantos sistemas em confronto, é impossível não se veja uma fase de discussões ardentes, apaixonadas, aparentemente desordenadas, mas essa fase preparatória é necessária como a agitação caótica é necessária à criação. Como os relâmpagos e os raios na atmosfera terrestre, o amálgama das ideias agita a atmosfera moral para purificá-la. Quem pode temer a tempestade, sabendo que ela deve restabelecer o equilíbrio perturbado e renovar as fontes da vida?”

O mesmo número contém a seguinte apreciação de nossa obra sobre a GêneseGênese. Não a reproduzimos senão porque ela se liga aos interesses gerais da Doutrina:

“Passa-se em nossa época um fato de importância capital, e fingem não ver. Entretanto, aí há fenômenos a observar, que interessam à Ciência, notadamente à Física e à Fisiologia humanas; mas, mesmo que os fenômenos que são chamados Espiritismo só existissem na imaginação de seus adeptos, a crença no Espiritismo, por toda parte espalhada tão rapidamente, é em si mesma um fenômeno considerável e muito digno de ocupar as meditações do filósofo.

“É difícil, mesmo impossível apreciar o número das pessoas que creem no Espiritismo, mas podemos dizer que essa crença é geral nos Estados Unidos, e que ela se propaga cada vez mais na Europa. Na França, há toda uma literatura espírita. Paris possui dois ou três jornais que a representam. Lyon, Bordéus, Marselha, cada uma tem o seu.

“O Sr. Allan Kardec é na França o mais eminente representante do Espiritismo. Foi uma felicidade para essa crença ter encontrado um chefe que soube mantê-la nos limites do racionalismo. Teria sido muito fácil, com toda essa mistura de fenômenos reais e de criações puramente ideais e subjetivas que constitui a maravilha do que se chama o Espiritismo, deixar-se arrastar pela atração do milagre e pela ressurreição de velhas superstições! O Espiritismo poderia ter dado aos inimigos da razão um poderoso apoio, se ele tivesse voltado à demonologia, e existe no seio do mundo católico um partido que para isto ainda faz todos os esforços. Há também uma literatura deplorável, malsã, mas felizmente sem influência. Ao contrário, o Espiritismo, na França como nos Estados Unidos, resistiu ao espírito da Idade Média. O demônio nele não representa nenhum papel, e o milagre nele não vem introduzir as suas tolas explicações.

“Deixando de lado a hipótese que constitui o fundo do Espiritismo, e que consiste em crer que os Espíritos das pessoas mortas se entretenham com os vivos por meio de certos processos de correspondência, muito simples e ao alcance de todos; deixando de lado, dizíamos, a hipótese deste ponto de partida, encontramonos em presença de uma doutrina geral que está perfeitamente em relação com o estado da ciência de nossa época, e que responde perfeitamente às necessidades e às aspirações modernas. E o que há de notável é que a Doutrina Espírita é mais ou menos a mesma em toda parte. Se não é estudada senão na França, pode-se crer que as obras do Sr. Allan Kardec, que são como a enciclopédia do Espiritismo, aí são abundantes. Mas esta paridade de doutrina se estende aos outros países; por exemplo, os ensinamentos de Davis, nos Estados Unidos, não diferem essencialmente dos do Sr. Allan Kardec. É verdade que nas ideias emitidas pelo Espiritismo, nada se encontra que não pudesse ter sido encontrado pelo espírito humano entregue apenas aos recursos da imaginação e da ciência positiva; mas, considerando-se que as sínteses que são propostas pelos escritores espíritas são científicas e racionais, elas merecem ser examinadas sem prevenção, sem ideia preconcebida, pela crítica filosófica.

“A nova obra do Sr. Allan Kardec aborda as questões que constituem objeto de nossos estudos. Não podemos hoje fazer-lhe o relato. A ela voltaremos num próximo número, e diremos, ao mesmo tempo, o que pensamos dos fenômenos ditos espíritas e das explicações que dos mesmos podem ser dadas no estado atual da ciência.”

NOTA: Esse mesmo número contém um notável artigo do Sr. Raisant, intitulado Meu ideal religioso, e que os espíritas não desdenhariam.



[1] O Solidarité, jornal mensal de 16 páginas in-4, aparece no dia 1º de cada mês. Preço: Paris, 5 francos por ano; Departamentos, 6 francos; estrangeiro, 7 francos. Preço por número, 25 centavos; pelo correio, 30 centavos. ─ Redação: Rua des Saints-Pères, 13, na Librairie des Sciences Sociales.


[2] Escrevemos em 1862: “Antes de fazer as instituições para os homens, há que formar os homens para as instituições” (Viagem espírita).



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