Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1868

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Capítulo IV

Janeiro - Manifestação antes da morte

Janeiro
A carta seguinte nos foi dirigida de Marennes, em janeiro último.

“Senhor Allan Kardec,

“Julgaria ter faltado ao meu dever se, no começo deste ano, não tivesse vindo agradecer-vos a boa lembrança que tivestes a bondade de conservar de mim, dirigindo a Deus novas preces pelo meu restabelecimento. Sim, senhor, elas me foram salutares e nelas reconheço vossa boa influência, bem como a dos bons Espíritos que vos rodeiam, porque desde 14 de maio eu era obrigada a guardar o leito de vez em quando, em consequência das febres malignas que me tinham posto num estado muito triste. Há um mês estou melhor; agradeço-vos mil vezes, rogandovos agradecer, em meu nome, a todos os irmãos da Sociedade e Paris, que tiveram a bondade de unir as suas preces às vossas.

“Muitas vezes tive manifestações, como sabeis, mas uma das mais admiráveis é a do fato que vou relatar.

“Em maio último, meu pai veio a Marennes passar alguns dias conosco. Quando chegou, caiu doente e morreu ao cabo de oito dias. Sua morte me causou uma dor ainda mais viva porque eu tinha sido avisada seis meses antes, mas não havia dado crédito. Eis o fato:

“No mês de dezembro passado, sabendo que ele devia vir, eu tinha mobiliado um quartinho para ele, e meu desejo era que ninguém ali dormisse antes dele. Do momento em que manifestei tal pensamento, tive a intuição de que quem se deitasse naquela cama ali morreria, e essa ideia, que me perseguia incessantemente, me apertava o coração a ponto de não ousar mais ir àquele quarto. Contudo, na esperança de me desembaraçar dela, fui orar junto ao leito. Julguei ali ver um corpo enterrado; para me assegurar, levantei os lençóis e nada vi. Então eu disse para mim mesma que todos esses pressentimentos não passam de ilusões ou de resultados de obsessões. No mesmo instante ouvi suspiros como de uma pessoa que definha, depois senti minha mão direita apertada fortemente por uma mão quente e úmida. Saí do quarto e não mais ousei ali entrar sozinha. Durante seis meses fui atormentada por esse triste aviso, e ninguém lá dormiu antes da chegada de meu pai. Foi lá que ele morreu; seus últimos suspiros foram os mesmos que eu tinha ouvido e, antes de morrer, sem que lhe pedisse, tomou-me a mão direita e a apertou da mesma maneira que eu tinha sentido seis meses antes; a sua tinha o suor quente que eu havia igualmente notado. Não posso, pois, duvidar que tenha sido um aviso que me foi dado.

“Tive muitas outras provas da intervenção dos Espíritos, mas seria demasiado longo vos detalhar numa carta. Não lembrarei senão o fato de uma discussão de quatro horas que tive, em agosto último, com dois sacerdotes, e durante a qual me senti verdadeiramente inspirada e forçada a falar com uma facilidade de que eu própria fiquei surpresa. Lamento não vos poder relatar essa conversa. Isto não vos causaria admiração, mas vos divertiria.

“Recebei etc.

“ANGELINA DE OGÉ.”

Há todo um estudo a fazer nesta carta. Para começar, aí vemos um estímulo a orar pelos doentes, depois uma nova prova da assistência dos Espíritos pela inspiração das palavras que se devem pronunciar em circunstâncias em que se estaria muito embaraçado para falar se se estivesse entregue às suas próprias forças. É talvez um dos gêneros mais comuns de mediunidade, e que vem confirmar o princípio que todo mundo é mais ou menos médium sem o suspeitar. Seguramente, se cada um se reportasse às diversas circunstâncias de sua vida, observasse com cuidado os efeitos que ressente ou de que foi testemunha, não haveria ninguém que não reconhecesse ter alguns efeitos de mediunidade inconsciente.

Mas o fato mais marcante é o do aviso da morte do pai da senhora de Ogé, e do pressentimento com que foi perseguida durante seis meses. Sem dúvida, quando ela foi orar nesse quarto, e acreditou ver um corpo no leito, que constatou estar vazio, poder-se-ia, com alguma verossimilhança, admitir o efeito de uma imaginação ferida. O mesmo poderia ter acontecido com os suspiros que ela ouviu. A pressão da mão também poderia ser atribuída a um efeito nervoso, provocado pela superexcitação de seu espírito. Mas como explicar a coincidência de todos esses fatos com o que se passou quando da morte de seu pai? Dirá a incredulidade: puro efeito do acaso; diz o Espiritismo: fenômeno natural, devido à ação de fluidos cujas propriedades até hoje foram desconhecidas, submetidos à lei que rege as relações do mundo espiritual com o mundo corporal.

Ligando às leis da Natureza a maior parte dos fenômenos reputados sobrenaturais, o Espiritismo vem precisamente combater o fanatismo e o maravilhoso que o acusam de querer fazer reviver; daqueles que são possíveis, ele dá uma explicação racional, e dos que seriam uma derrogação das leis da Natureza ele demonstra a impossibilidade. A causa de uma porção de fenômenos está no princípio espiritual, cuja existência ele vem provar. Mas como os que negam esse princípio podem admitir as suas consequências? Aquele que nega a alma e a vida extra-corporal não pode reconhecer os seus efeitos.

Para os espíritas, o fato de que se trata nada tem de surpreendente, e se explica por analogia, como uma porção de fatos do mesmo gênero, cuja autenticidade não pode ser contestada. Entretanto, as circunstâncias em que se produziu apresentam uma dificuldade, mas o Espiritismo jamais disse que nada mais tinha a aprender. Ele possui uma chave cujas aplicações todas ainda está longe de conhecer. Aplica-se a estudá-las, a fim de chegar a um conhecimento tão completo quanto possível das forças naturais e do mundo invisível em cujo meio vivemos, mundo que nos interessa a todos, porque todos, sem exceção, devemos nele entrar mais cedo ou mais tarde, e vemos todos os dias, pelo exemplo dos que partem, a vantagem de conhecê-lo antecipadamente.

Nunca seria demais repetir que o Espiritismo não admite qualquer teoria preconcebida: ele vê, observa, estuda os efeitos e dos efeitos procura remontar às causas, de tal sorte que, quando formula um princípio ou uma teoria, sempre se apoia na experiência. É, pois, rigorosamente certo dizer que é uma ciência de observação. Aqueles que afetam não ver nele senão uma obra de imaginação, provam que lhe desconhecem as primeiras palavras.

Se o pai da senhora de Ogé tivesse morrido sem que ela o soubesse, na época em que sentiu os efeitos de que falamos, esses efeitos se explicariam da maneira mais simples. Desprendido do corpo, o Espírito teria vindo a ela avisá-la de sua partida deste mundo, e atestar sua presença por uma manifestação sensível, com a ajuda de seu fluido perispiritual. Isto é muito frequente. Compreendemos perfeitamente que aqui o efeito é devido ao mesmo princípio fluídico, isto é, à ação do perispírito, mas como a ação material do corpo, que ocorreu no momento da morte, pôde produzir-se identicamente seis meses antes dessa morte, quando nada de ostensivo, doença ou outra causa, poderia fazê-la pressentir?

Eis a explicação a respeito, dada na Sociedade de Paris:

O Espírito do pai dessa senhora, em estado de desprendimento, tinha um conhecimento antecipado de sua morte e da maneira pela qual ela se realizaria. Abarcando sua visão espiritual um certo espaço de tempo, para ele a coisa era como presente, mas, no estado de vigília, disso ele não conservava qualquer lembrança. Foi ele próprio que se manifestou à sua filha, seis meses antes, nas condições que deviam se produzir, a fim de que mais tarde ela soubesse que era ele, e que estando preparada para uma separação próxima, ela não fosse surpreendida com a sua partida. Ela própria, como Espírito, tinha conhecimento disto, porque os dois Espíritos se comunicavam em seus momentos de liberdade. É o que lhe dava a intuição de que alguém devia morrer naquele quarto. Essa manifestação ocorreu igualmente com o fito de fornecer um assunto de instrução acerca do conhecimento do mundo invisível.”


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